quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O equívoco

O equívoco começa nas pessoas não saberem que o comunismo é uma ramificação do cristianismo.

Continua em as pessoas acharem que o folclore português são só os Pauliteiros de Miranda.

Acaba em as pessoas pressistirem em chamar cantor de intrevenção ao Zeca Afonso.

Começa mesmo a doer. Cantor de intrevenção, tipo Polícia de intervenção.

A questão é em Portugal a Arte continuar a ser confundida com política. O José Saramago é o da esquerda, o António Lobo Antunes é o do centro, a Agustina Bessa-Luís é a da direita.

Se em Portugal se soubesse o que significa Arte, já se tinha percebido que o Zeca Afonso era um dos maiores de sempre.

Na triste e limitadora necessidade de definições da tradição ango-saxónica de rotular e empacotar tudo como quem embala para o capitalismo, chamemos-lhe pelo menos músico folk (que tal inventarmos folc, para o folclore português?).

A primeira canção que o Bob Dylan escreveu era sobre um sindicalista de esquerda que foi assassinado lá numas minas nos Estados Unidos. O Bob Dylan também é um cantor de intervenção? Pelo menos o capitalismo salvou-o de ser.

Porque, sim, o Zeca era comunista, mas isso é só um partido, uma ideologia. Coisas menores quando comparadas com a Arte.

A relação com o divino, que o comunismo não lhe permitiria, está nas canções. A dor. O amor. A vida. O drama. A sobrevivência. A potência do sentir. A saudade. A inteligência. A luta por aquilo em que se acredita. O olhar que atravessa as barreiras e concilia o inconciliado.

É que a alma dele era muito maior. Eu nem sei bem de que tamanho era.


Por José Afonso


Fui à beira do mar
Ver o que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria

Desde então a lavrar
No meu peito a alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia

Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo

4 comentários:

Aurora disse...

o zeca é um dos maiores de sempre e eu também não sei bem de que tamanho seria. mas sempre infinitamente maior que a estátua dele que está no jardim da Amadora em frente à ESTC.

e talvez eu esteja mesmo equivocada porque para mim folclore são mesmo os ranchos folclóricos e isso. gosto muito de os ver, a sério que gosto. mas acho que o folclore é uma reinvenção de coisas seculares. são coisas antigas com espírito novo, cosidas à máquina e passadas a ferro eléctrico. nisso não me equivoco.

O Zeca Afonso não é folclore. nem de intervenção. nem comunista. Nem José Afonso. É o Zeca. E é nosso, para nosso bem.

Calor Humano disse...

:) !!!

almariada disse...

"Se em Portugal se soubesse o que significa Arte, já se tinha percebido que o Zeca Afonso era um dos maiores de sempre."

O que eu gostei desta frase! :)

Sabes, o Zeca Afonso nunca foi do partido comunista, os comunistas é que se apropriaram dele...

equívocos...

Calor Humano disse...

Eheh. Obrigado Almariada.

Não sabia, pensava mesmo que o Zeca tinha sido do partido comunista ou que era, pelo menos, apoiante. Melhor ainda então :)