Ela trabalha num daqueles balcões onde agora, nos centros comercias, vamos comprar esparguete com seis ingredientes e um molho.
Quando me atendeu foi fria, mas prestável. Disse-me o que tinham para beber, e eu escolhi. Nunca me olhou nos olhos. Mas não posso dizer que tenha sido antipática. Falava a olhar para baixo. Foi o normal do que uma portuguesa seria. Só que ela é africana.
Mas atrás de mim veio aquele rapazinho branco de nove anos, que ia comer esparguete à bolonhesa.
E há tantos anos que eu não via um olhar assim. Toda a cara dela se abriu sobre si própria, como uma flor. Iluminou-se com um sorriso rasgado enorme - tantos dentes! - que guardou incessante todo o tempo, quer olhasse para ele, ali todo direitinho a segurar sozinho no tabuleiro, quer não.
Ele fez-lhe muitas perguntas, ela ria-se, descontraída, esticava os braços, enrolava-se sobre si mesma, muito atenta, com muita atenção, debruçando-se para ele, com muita curiosidade. Falavam com puro prazer. Ela adora aquele menino. Por ele ser um menino. E ele adora-a, por ter aquela mulher feita, mas nova, no pico da beleza, toda para ele, como nenhum homem a tem, toda atenção. A sorrir e não esconder o que sente por não haver mal, por não haver nenhum risco em expor o amor, assim, nos olhos. O olhar dela era um olhar de puro Amor. Puro Amor e Bondade. Um olhar que tudo perdoava. Olhou-o como uma mãe olha um filho. Como a minha mãe, talvez um dia, me tenha olhado.
Despediram-se como se encontraram. Falavam os dois como se se conhecessem há muitos muitos anos, desde antes de terem aquela idade, como velhos amigos em que um se atrasou a crescer - toda ela menina e todo ele homem - como se fossem amigos desde o mundo que está para lá das barrigas das mães. Afastaram-se como se se fossem voltar a ver, ali mesmo, mais um milhão de vezes. Para sempre.
Eles não sabem que um dia ela vai voltar para a ilha de São Tomé (de onde é também o rapaz que cozinhou a minha massa recheada com espinafres, que me disse que o paraíso é lá e que quer voltar) e que nunca mais se verão. Não sabem isso, mas sabem que não faz mal, porque aquele olhar dela é para sempre.
Desde pequeno que nunca mais ninguém olhou assim para mim. Já sou crescido, a minha mãe gosta de mim de outra maneira. Assim, só talvez um dia a minha mulher, se gostar de mim. Mas é difícil, porque aquele olhar só se faz a uma criança, e crescer significa deixar de ser olhado assim para passar a olhar assim. Mas quais as consequências de nunca mais na vida ser olhado com amor, de nunca mais ser perdoado por se ser quem é?
Mas, se não ser mais filho significa deixar de receber este olhar, nunca ter filhos significa nunca na vida o fazer. Quais as consequências de nunca na vida ter o privilégio de se entregar assim a alguém?
Se ela quando me atendeu olhava para baixo, era porque o que ela esperava vinha dessa direcção.
Quando me atendeu foi fria, mas prestável. Disse-me o que tinham para beber, e eu escolhi. Nunca me olhou nos olhos. Mas não posso dizer que tenha sido antipática. Falava a olhar para baixo. Foi o normal do que uma portuguesa seria. Só que ela é africana.
Mas atrás de mim veio aquele rapazinho branco de nove anos, que ia comer esparguete à bolonhesa.
E há tantos anos que eu não via um olhar assim. Toda a cara dela se abriu sobre si própria, como uma flor. Iluminou-se com um sorriso rasgado enorme - tantos dentes! - que guardou incessante todo o tempo, quer olhasse para ele, ali todo direitinho a segurar sozinho no tabuleiro, quer não.
Ele fez-lhe muitas perguntas, ela ria-se, descontraída, esticava os braços, enrolava-se sobre si mesma, muito atenta, com muita atenção, debruçando-se para ele, com muita curiosidade. Falavam com puro prazer. Ela adora aquele menino. Por ele ser um menino. E ele adora-a, por ter aquela mulher feita, mas nova, no pico da beleza, toda para ele, como nenhum homem a tem, toda atenção. A sorrir e não esconder o que sente por não haver mal, por não haver nenhum risco em expor o amor, assim, nos olhos. O olhar dela era um olhar de puro Amor. Puro Amor e Bondade. Um olhar que tudo perdoava. Olhou-o como uma mãe olha um filho. Como a minha mãe, talvez um dia, me tenha olhado.
Despediram-se como se encontraram. Falavam os dois como se se conhecessem há muitos muitos anos, desde antes de terem aquela idade, como velhos amigos em que um se atrasou a crescer - toda ela menina e todo ele homem - como se fossem amigos desde o mundo que está para lá das barrigas das mães. Afastaram-se como se se fossem voltar a ver, ali mesmo, mais um milhão de vezes. Para sempre.
Eles não sabem que um dia ela vai voltar para a ilha de São Tomé (de onde é também o rapaz que cozinhou a minha massa recheada com espinafres, que me disse que o paraíso é lá e que quer voltar) e que nunca mais se verão. Não sabem isso, mas sabem que não faz mal, porque aquele olhar dela é para sempre.
Desde pequeno que nunca mais ninguém olhou assim para mim. Já sou crescido, a minha mãe gosta de mim de outra maneira. Assim, só talvez um dia a minha mulher, se gostar de mim. Mas é difícil, porque aquele olhar só se faz a uma criança, e crescer significa deixar de ser olhado assim para passar a olhar assim. Mas quais as consequências de nunca mais na vida ser olhado com amor, de nunca mais ser perdoado por se ser quem é?
Mas, se não ser mais filho significa deixar de receber este olhar, nunca ter filhos significa nunca na vida o fazer. Quais as consequências de nunca na vida ter o privilégio de se entregar assim a alguém?
Se ela quando me atendeu olhava para baixo, era porque o que ela esperava vinha dessa direcção.
4 comentários:
A sua mulher te olha assim também. E gosta de ti. Até te ama.
É que a minha mulher é muito especial mesmo.
I'm appreciate your writing skill.Please keep on working hard.^^
Obrigado.
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