Ao conversar à mesa de jantar do restaurante chinês clandestino com a minha amiga sobre dissecação de cadáveres,
percebi que ela não sofria ao espetar facas no que já foi o corpo de alguém, cortar membros, extrair órgãos e vísceras e sangue de dentro de uma pessoa,
porque essas pessoas estão mortas.
Ela explicou-me que quando a pessoa está viva é quente, há pulsação, há movimentos, há veias e sangue e órgãos activos, respiração, há olhos que mexem (embora os olhos a ela, mesmo mortos, lhe façam impressão) e que é essa a beleza de um humano. Um morto é como uma pedra. Já não é gente.
Então pensei em todas as capas de revista, em todos os anúncios e modelos de beleza segundo os quais nos moldamos e como eles não têm também calor, nem pulsação, nem movimentos, nem nada (embora tenham olhos), e pareceu-me perceber no concreto onde é que a propaganda estética nos faz mal.
Não é natural desejar uma beleza morta.
E assim, só é possível alcançar esse ideal através do artificialismo, pois é uma "beleza" que não faz parte da Vida. O aspeto imaculado, a juventude eterna, a magreza excessiva, só são possíveis no formol.
Como se estivéssemos a trabalhar a vida toda até ao dia em que morremos para fazer de nós o mais belo cadáver.
Certas pessoas, o dia em que serão mais belas será no seu enterro.
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