sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A felicidade das temperaturas

Este está a ser o melhor inverno da minha vida.

Sempre fui do calor.

Mas este inverno decidi aceitar o sofrimento do frio em vez de o tentar contrariar.

O que aconteceu logo ao primeiro dia foi que passei a saborear a sensação que antes preconceituosamente discriminava como desagradável. Preconceitos sensoriais.

É como com a comida. Há pessoas que dizem que não gostam de umas comidas. Porquê? O que é não gostar? Arde a língua? Não percebo. Eu gosto de todas as comidas. Claro, umas mais que doutras. Mas não gostar parece tão exagerado.

Devemos ter muita atenção às coisas que sentimos.

Às vezes pensamos que estamos a sentir algo desagradável mas é só porque alguém nos convenceu que era, e outra pessoa tinha convencido essa e afinal era tudo só um mito urbano porque não tinhamos tido tempo de perceber (porque ficámos com medo ou quisemos agradar àquela pessoa ou estávamos com pressa). Mas, se prestarmos atenção, descobrimos que as sensações são o que são.

É por isso que este ano estou a recusar todas as fontes de temperaturas artificiais. Não ligarei nem um aquecedor. Não irei nunca descontinuar a temperaturização do meu corpo pela natureza. Claro que ando bem agasalhado, mas aí é o meu calor que fica guardado nas minhas roupas, não é um calor de uma máquina. A temperatura é uma coisa tão íntima. Como é que as pessoas deixam que as máquinas se intrometam?

Até agora está a correr bem, porque pela primeira vez o meu corpo consegue habituar-se ao frio. E quem me diz que nessa habituação não há ainda outras coisas que se transformam em mim? É que tudo pode ter consequências e, afinal, o corpo foi feito para a terra e quando criamos situações artificiais podemos nem saber no que estamos a mexer. Se calhar os problemas todos do mundo resolviam-se se nos livrássemos dos aquecedores. Quem é que sabe?

É como andar à porrada. As pessoas dizem que é mau. Como é que sabem? Levar uns murros pode ser bom. Fazer bem. À pele por exemplo.

Por exemplo, se não houvesse aquecedores, as pessoas tinham frio e abraçavam-se mais. Quem sabe assim surgiam mais pretextos para o amor? É que se a nossa temperatura é nossa, se vem do nosso corpo, então não há coisa melhor que partilhar a nossa temperatura com outra pessoa e aquecer a pessoa de quem gostamos. Mas se ela nunca tem frio porque está sempre de aquecedor ligado, como podemos amá-la?

Estive aqui na terra todos estes anos e ainda nem sabia o que era o Inverno. A vida está mesmo sempre só a começar. Nem sequer faço ideia das coisas que vou aprender para o ano. Por isso, nada de precipitações, e bolinha baixa com as opiniões sobre as coisas da vida e isso tudo.

4 comentários:

Maria disse...

Três coisas:

Às vezes, quando estou com muito frio a andar na rua, obrigo-me a deixar de me encolher e pensar "ai que frio, tenho que chegar a casa" e relaxo o corpo todo a fingir que não sinto nem frio nem calor nem nada, que está tudo bem, tudo normal e não há o que equilibrar, porque está tudo equilibrado. Isso resulta muito melhor do que tiritar, porque passo mesmo a acreditar que é verdade.

(Ri-me muito com isto: "Levar uns murros pode ser bom. Fazer bem. À pele por exemplo." :D )

Também já pensei nisto, não só em relação às sensações, mas em relação aos sentimentos. Por isso, porque é que estar triste ou melancólico é assim tão desagradável? Na verdade, são sentimentos como outros quaisquer, e podemos apreciá-los também. À sua poesia, à sua beleza, por exemplo. Simplesmente, é mais fácil gostar de estar alegre ou orgulhoso. No meu dicionário pessoal, em relação a sensações e sentimentos, "gostar" significa "achar agradável instintivamente" e "aceitar" significa "fazer um pequeno esforço e passar a achar agradável". E assim, não há nada que não possa de todo "achar agradável".

Aurora disse...

já há uns tempos que não vinha aqui. sempre que digito o-calor-humano, penso um bocadinho na razão que terás tido para mudar o título que tinhas inicialmente, há uns anos. este post é uma boa resposta. e banho? é de água quente? gosto dessa tua iniciativa, mas cuidado com as frieiras haha

Calor Humano disse...

Aurora!! Tu compreendes-me.

O banho infelizmente continua a ser de água quente, ainda não atingi esse grau de disciplina físiológica. Mas quem me dera ser capaz de banho frio.

Quanto ao nome do blogue, também penso nisso às vezes. O "é" trazia consigo um maior sentimento de "presente". Porém, era uma afirmação, e com o tempo tornei-me mais incapaz de afirmações. Mantive o "calor" e o "humano", duas coisas de que gosto muito. Mas é como disse, eu sempre fui do "calor". Mas se calhar, estou em nova fase de viragem. De facto, "o calor e o frio humanos" são ambos tão interessantes e completam-se, porquê ficar só com uma metade?

Pergunto-te, honestamente - é para veres a minha invernal inexperiência - o que são frieiras?

Calor Humano disse...

Maria :) tu também me compreendes muito. (saber que te fiz rir muito dá-me um prazer que nem sonhas!). É exactamente isso, e ainda por cima, as recompensas de tudo na vida são tão indirectas! Como as dores de um parto. Se pensarmos nelas isoladamente claro que são dores, mas o problema da forma de pensar das pessoas hoje em dia é esse, separam as coisas. Se se pensar que essas dores fazem nascer um filho, como rejeitar aquela oportunidade única de as sentir?
É o mesmo com o frio. O frio é de facto o mundo a tocarnos. Veio dos pólos! Como rejeitar uma viagem à antártida que veio até nós?? Está tudo louco.