domingo, 24 de julho de 2011

Só há um tipo de amor

Hoje, durante três horas, fotografei uma modelo lindíssima. Tem vinte e dois anos. Depois filmei-a, a responder a algumas perguntas.

Três horas a olhar para a beleza. Não é como quando uma pessoa bonita passa por nós na rua, nem como quando conversamos com uma. Olhei para ela através da câmara como só olhamos uma mulher que é nossa. Três horas a poder olhar continuamente para uma beleza desconhecida sem ter de disfarçar, a sós com ela na cave escura do lugar onde trabalho. A única luz era a dos projetores. Imaginem a mais bela das moças. Uma esfinge. Fazia-me os poros tremer, morena, animal, tanta-pele, ágil, num silêncio nosso, de um olhar meu, todo atenção.

Era daquelas pessoas que nos fazem confundir a beleza com o amor, e das quais - mesmo eu acreditando que a beleza é uma das provas que Deus existe - me aprendi a afastar, por a atração por elas ser baseada apenas no que não vivi com elas, e não no que vivi.

Mas esta disse-me isto quando lhe perguntei o que é o amor:

Amor? Há vários tipos de amor... Amor de mãe, amor de irmão, amor de amigo, amor romântico... AH, espera, não. Não, só há um tipo de amor.

E eu, espantado, nunca tinha ouvido Só há um tipo de amor?

E ela, olhando para cima (para o amor possivelmente, pela primeira vez) Sim, claro que parvoíce, não há nada vários tipos de amor, é tudo o mesmo! É o amor da família (aqui arregalou os olhos).

Porque quando amamos alguém, queremos que essa pessoa faça parte da nossa família. Não é? Os nossos pais já os amamos, os nossos irmãos também, e os amigos, desejamos que eles façam parte da família, então pronto, só há um tipo de amor. Claro que entre os casais há a atração física, mas isso é a paixão, não é o amor ...


Se calhar vocês já sabiam isto. Mas eu nunca tinha sequer pensado ou ouvido esta ideia. Assim, tão simples.

(o que me fez pensar que ando ou a ler os livros errados ou a dar-me com pessoas demasiado feias)

Uma vida inteira armado em intelectual, e ao contrário do que eu pensava, a vítima da beleza era, evidentemente, não ela, mas eu.

Ela, porque a tem, não é por ela iludida, distingue-a com toda a clareza do amor. Possivelmente por a beleza, ela a ter toda, e ao amor, nenhum, para ela era muito evidente que só há um tipo de amor.

Tenho de me começar a dar com mais modelos.

2 comentários:

Maria disse...

Podemos dizer simultaneamente e sem nos contradizermos que há apenas um e que há vários tipos de amor. Podemos dizer que só há o amor da família, como a menina disse e o menino reproduz, e que dentro desse amor há variações, porque não podemos negar que não só a força e a expressão, como também, e vindo mais ao caso, algo intrínseco, uma espécie de impulso que nos move pelo outro, é diferente em cada caso. Mas a questão é que também há amor que não é de família, a não ser por alguma lógica rebuscada que eu não esteja a ver agora. Há amor com pertença (que eu ligo à ideia de família, mesmo que não seja a de sangue e seja só a de amor), há amor desinteressado, que é um pouco diferente. E raríssimo também. Quando só se dá e não se deixa de dar quando se percebe que não se vai receber. Podem viver lado a lado, mas não são a mesma coisa. (Tenho vindo a pensar que o retorno não importa e que o amor que tenho em mim chega para me alimentar. Que só me devo encher de muito amor por tudo e não exigir que ele apareça. Mas claro... Essa ainda é uma meta distante, da qual só vou saboreando uns momentos, tal como acontece na busca pela Verdade, pela Beleza, pela Perfeição. Esses valores românticos, que não se sabe bem se existem, já tão questionados e massacrados, mas que cada vez mais quero seguir.) Há o amor incondicional (porque eu não acho que para ser amor tenha que ser incondicional, assim só não é tão bom), e às vezes há o que era e deixa de ser. (E não tem mal.) Há o amor por todas as coisas, pelas criaturas de Deus, pelas obras do Homem, pela Vida, pelo que fazemos, o amor que sentimos por tudo se o tivermos em nós, e que não deixa de ser amor por não ser por pessoas. Nem por ser por pessoas a quem não dizemos que amamos ou que não amamos sempre, mas só naquele momento. De certa forma.
O que é que leva um bombeiro a arriscar a vida por um estranho? É o amor. E não é de família. É só amor. Tudo para dizer que não há só um tipo de amor, mas também não há vários que se possam definir. Há o amor. Sem categorias nem análises. Que é só maravilhoso. E que é tudo o que vale a pena.

Mas não quero dizer que não goste das análises ou reflexões. Partilha-as, se faz favor :) É bom para nos fazer pensar.

Calor Humano disse...

Que maravilhosa contribuição para o nosso pensamento! Obrigado Maria. Deve ter sido das contribuições com maior entrega (sem esperar receber em troca) que tenho tido aqui!

Passo então à análise das ideias que propões.

Constato que não divergimos significativamente, embora eu não aflore muitos dos pontos em que tocas no meu texto ingénuo, daí certas lacunas que o tornam inexato.

Pessoalmente, considero todo o amor, o amor que é verdadeiro, desinteressado. Parece-me que só esse pode ser o verdadeiro amor.

Quanto mais desinteressado, mais puro. É mais um critério complementar que talvez possa contribuir para distinguir o que seria amor do que não.

Nesse sentido, confesso não compreender a dicotomia que estableces entre o amor familiar e o desinteressado, porque não consigo conceber maior dádiva que não espera nada em troca que a família: uma mãe dá a um filho, um irmão a outro, um avô a um neto, todos sempre sem pedir nada em troca. As famílias que colapsam começam a sua derrocada quando os seus membros esperam coisas em troca. Porque é impossível receber de volta o que se dá. Porque o que uma mãe dá a um filho é impagável.

Trata-se, de facto, desse amor que se basta a si próprio. Mas é justamente esse que leva a construir famílias, porque ao dá-lo elas nascem.

Se a pessoa se afasta da "família" e é um amor solitário, então é "amor a si mesmo", o que não é amor, pois não é um sentimento sem esperar ter retorno, pois o próprio ato desse suposto amor é em si mesmo o retorno.

Sim, também acho que a incondicionalidade no sentido tradicional do termo é optativa, embora isso abra um debate paralelo, pois leva a questionar porque amamos alguém. Se não há condições então poderíamos amar qualquer pessoa. Mas o facto é que, objetivamente, não amamos.

O amor a Deus que referes diria que é a Fé.

O salvamento do bombeiro é um excelente desafio. Parece-me que é amor, sim - igualmente incondicional - amor em que ele trata alguém que não é da sua família como se fosse. E por isso é na mesma da família.

Concordo em absoluto com a tua conclusão: há o amor, sem categorias nem análises, que é tudo o que vale a pena