domingo, 19 de outubro de 2008

Intimidade

Tenho uma amiga, que não interessa quem é, que está a tentar acabar com a antiga tradição de cumprimentar e despedir de uma pessoa com dois beijos no rosto.

O principal argumento dela, é que os beijos são uma intimidade excessiva para se ter com alguém que, muitas vezes, mal conhecemos. Eu tomo a liberdade de acrescentar outro, que descobri com a ajuda preciosa de outra amiga, a Madalena: banalizar o ato de dar beijos passando a usá-los como um cumprimento, destruiu todo o valor do beijo enquanto acção, tendo feito com que passasse a importar, não se se beija, mas onde se beija. É por isso que uma namorada ou namorado pode sentir que não é amado quando o seu amor não o beijar na boca, mas só na face. Que sociedade podre é esta em que uma pessoa pode pensar que não é amada porque lhe dão um beijo? Se passássemos a dar beijos na cara só quando sentíamos uma vontade que não conseguíamos controlar, muito mais valor teria um beijo dado a alguém de quem se gosta, ou a quem se quer dar carinho, seja entre amigos ou casais.

A minha amiga tem bons argumentos a seu favor. Mas a minha amiga propõe o aperto de mão europeu como alternativa ao beijo facial. Aquilo com que ela não contava era com a intimidade brutal que é para mim enquanto rapaz tocar as mãos de uma rapariga. Com o beijo banalizado, as mãos eram santas. As mãos eram o primeiro portal da virgindade do corpo.

Um toque na mão de uma mulher por quem me sinto atraído é mil vezes mais sensual que um rápido e fugaz beijo na face, que - mesmo que tentemos saborear e fazer com que dure o máximo possível - isso nunca passa de um esforço vão, pois conforme os nossos lábios lá estão, já não estão, e nunca dá para saborear. É tão rápido que nem dá tempo para pensar. Eu já tentei de tudo. Impulsionar a cabeça com mais força, para a frente, para melhor sentir a face desejada, já tentei friccionar os lábios contra a bochecha doce, ou mesmo mexê-los, já tentei até inspirar profundamente quando o meu nariz se aproximava dos cabelos de uma mulher que eu desejava para sentir o máximo dela que pudesse. Não consegui com isto mais que fazer com que pensassem que eu era um psicopata. Fui ridículo.

Mas com um aperto de mão tudo muda. O aperto de mão é um tocar, um enlaçar, um apertar, um sentir a pele lisa da outra mão com as nossas mãos - especialmente porque as mulheres não sabem dar apertos de mão como os homens - talvez por falta de treino - e concentram o fundamental do aperto de mão nos dedos e não na palma da mão (como o homem), o que faz com que seja um gesto de uma tal ternura encantatória, de uma subtileza e de uma sensualidade real sentir a mão da mulher, que o beijo bem pode ser enterrado.

Lembro-me das mulheres estrangeiras que já cumprimentei com aperto de mão e de como, as que eram giras, me fizeram tremer ao sentir aquela palma da mão, durante aquele segundo em que, como dois namorados, demos as mãos. Sou levado a concluir que o aperto de mão feminino é uma forma de sedução muito mais eficaz e precisa que o beijo na face.

E é agora que percebo que, esperta como é, a minha amiga sabe isto tudo. Por bluff diz que quer acabar com os beijos por causa da intimidade, mas isso é só uma estratégia para seduzir melhor os rapazes e ainda passar por santinha. Eu aqui a pensar que estou a fazer um post muito inteligente e ela já sabia isto tudo. Miúda, tu és de mais.

4 comentários:

Unknown disse...

Muito bom. tenho de experimentar substituir o beijinho da praxe pelo toque de mãos. tem uma outra vantagem de que não te lembraste: para além do factor surpresa, permite um contacto visual também pouco habitual, de três quartos de segundo que seja.
pois, a intimidade não está no gesto em si. o beijinho na cara carece de intimidade, é só mais um símbolo que nos confina à uniformidade de atitudes que cria a ilusão de sermos todos iguais e portanto ser desnecessário tactear, com jeitinho e demoradamente, uma pessoa nova.

Calor Humano disse...

É muito interessante isso que disseste de o beijinho ser "mais um símbolo que nos confina à uniformidade de atitudes que cria a ilusão de sermos todos iguais e portanto ser desnecessário tactear, com jeitinho e demoradamente, uma pessoa nova"

Tens toda a razão... como se hoje em dia se pensasse que todas as pessoas são para ser amadas da mesma maneira. Como se houvesse uma técnica.

Realmente, se em cada relação com alguém somos diferentes em tudo, porque havíamos de ter de ser iguais nisto?

É interessante... é como se apesar do que já dissemos, tivesse de haver um padrão universal de princípio, para a partir daí tudo se tornar diferente e personalizado (esta palavra é bonita - personalizado - é pena que o contemporâneo a tenha matado associando-a a menus de Telemóvel, de computador ou a carros. Personalizar é tornar a coisa mais "pessoa" e menos coisa. É muito bonita esta palavra...)

É muito fixe e bom, estares de volta ao blogue

almariada disse...

:D gostei muito deste post! Muito mesmo! :)

"Aquela mulher que eu amo
Deu-me um aperto de mão
Estava madura no ramo
E o ramo caíu ao chão"

Calor Humano disse...

:D almariada