terça-feira, 13 de maio de 2014

Memória de outro tamanho

O nosso desejo de salas grandes, monumentos imensos e pradarias sem fim ser afinal uma memória. De quando éramos pequenos.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

São sempre precisos Dois para um diálogo.

Uma vez no Rio de Janeiro perguntei ao meu amigo que era filho de pais portugueses, que tinha crescido em França e que estava a viver há um ano e tal no Rio, em que língua ele pensava. Ele disse-me que às vezes dava por si a pensar em inglês.

Uns anos mais tarde, no tempo em que estive mais enamorado, por uma moça que era de outra terra, no primeiro dia desse amor tive de ir de manhã tratar de um documento às finanças a Queluz, numa época em que estava tudo em obras e a repartição era nuns barracões pré-fabricados à volta da estação, e fiz toda a viagem de comboio e passei todo o tempo a conversar com a minha amada na minha cabeça, sozinho, explicando-lhe que lugares eram aqueles, o que já neles vivera, e quais as regras daquela terra.

Eu ainda não sabia que iria um dia ter um ofício internacional, que me faria passar todo o dia a falar com estrangeiros, o ano inteiro a viajar, e que um dia grande parte dos meus amigos mais íntimos seriam estrangeiros. Não sabia que um dia, enquanto vestiria o pijama, iria dar por mim a pensar em inglês.

Percebi nesse instante estarmos a falar com alguém sempre que pensamos. Quando estamos enamorados, falamos com o amado. Muitas das vezes estamos a falar com os nossos pais, ou com os nossos chefes ou colegas de trabalho. Mas com quem estamos a falar a maior parte do tempo?

Com quem estamos a falar quando pensamos que estamos a falar sozinhos? Quando pensamos que estamos a pensar? São sempre precisos Dois para uma conversa.

E antes de haver as palavras, com quem eram trocados os sentidos que brotavam dentro da cabeça dos senhores de há muito muito tempo? Será que pensavam por gestos? Por grunhidos?

De quem era a língua em que falavam?

sábado, 2 de novembro de 2013

Condenados a acreditar

Condenados a que saber seja acreditar, não há então razão para identificar algo como crença como se tudo o resto não o fosse.

A não ser que seja para desacreditar.

O gesto

Só há uma maneira de fazer cada coisa.

Uma maneira diferente é uma coisa diferente.

sábado, 19 de outubro de 2013

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O stress é o trabalho do demónio

A felicidade vem do sentir, e o sentir vem da calma.

Passarmos pela primeira vez sem sabermos

Passarmos pela primeira vez sem sabermos e descobrirmos no fim, porque foi diferente, que foi uma coisa nova.

Como quando nos cruzamos pela primeira vez com um poema de determinado autor, sobre quem nunca pensámos e nada sabemos, e de repente, acabámos de ler um poema do Hölderlin pela primeira vez.

E é como um cheiro estranho que sentimos subitamente, uma dor num sítio onde nunca nos tinha doído, ou talvez o primeiro período.

E depois a irreversibilidade, e um serão comum, um passeio no campo ou uma ida aos correios, subitamente ficará connosco para sempre.

Deve ter sido sempre assim, e continuar a sê-lo, com as coisas que, consoante as necessidades da época, são menos valorizadas — e portanto, não antecipadas — pela sociedade em nós.

Vivemos as coisas na primeira vez que ouvimos falar delas e chama-se a isso cultura. E portanto de tudo o quanto é desprezado mantêm-se puras as primeiras vezes, e nelas a liberdade de sofrer as consequências da ignorância.

Como alguém que descobrisse por acidente a sensação do toque da mão alheia entre as suas pernas.

A cultura que conseguimos ter hoje tirou-nos o sexo ingénuo, sem carga exterior, sem mais nada.

Mas deixou-nos os poemas.

Ainda há tantas coisas das quais somos virgens.

(e para as quais morreremos virgens)

((e o segredo dessas coisas é a nossa liberdade))

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Posse

Ao contrário do que se pensava, talvez só as pessoas possam ser possuídas, e os objectos não.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Eficiência

A eficiência é uma expressão do mal.




quinta-feira, 27 de junho de 2013

Os

Talvez todos os plurais sejam generalizações.

Como esta.

Talvez todas as afirmações sejam generalizações.

Talvez mesmo todas as palavras.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ideia para obra de arte inspirada no recente caso Snoeden de cuja o autor não tem forças para empreender decidindo desse modo de livre e expontânea vontade abortá-la tornando-a pública esperando assim não hajam repercussões que o impliquem nesse banal mas curioso caso

Escrever um poema sobre o segredo.

Abrir várias contas de e-mail anónimas no Gmail a partir de vários computadores públicos para não localizarem o meu IP.

Enviar o poema de umas contas para as outras com as palavras no assunto: CIA, Terrorism, Anonymous, Sabotage, Al Qaeda, etc.

Esperar, sem nunca poder saber (esperar, portanto, para sempre), que o poema fosse lido por um agente do pentágono, a quem este seria, natural e unicamente, dedicado.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Lembra-te

Serão os teus filhos a ficar com os presentes que deste aos teus pais.

sábado, 22 de junho de 2013

Definição

Não te esqueças que amar é deixar de haver diferença entre amante e amado.

E que isso já é alguma coisa.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Oração

Fizeste-me tanta falta, estes meses todos.

Por onde andaste?

Estiveste sempre aqui, calada, sem perguntares nada. Como se não estivesses?

Não falei contigo e quase me fiz esquecer quem sou.

Não me senti sozinho. Mas senti que não estava lá.

Onde me vais levar agora? Fazes-me tão feliz.


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O talento de ser antigo

O tempo passa tão rápido que está tudo aqui agora.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Primeiro amor

Não há mais nenhum amor como o primeiro porque só o ingénuo pode amar, e quem poderá ser ingénuo se não antes do primeiro amor?

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Quem é este homem?

Um homem descobre quem é quando descobre a casa em que irá viver.

domingo, 12 de agosto de 2012

O tempo não vai justificar o quanto cresci

Ao acordar, cheiro na minha pele o cheiro da pele dos meus avós.

Penso naqueles que foram privados dos avós. Vão acordar um dia, sentir em si o cheiro, e não vão saber o que ele significa...

Penso no dia em que os meus avós acordaram e sentiram o seu cheiro de adultos pela primeira vez.

Quando a velhice de alguém deu amor à nossa infância, envelhecer traz-nos surpresas inesperdas.

domingo, 5 de agosto de 2012

Despojos de guerra

Impressionante como o acto de combater nos transforma nos nossos inimigos.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Não nos conhecemos

Com base naquilo que consigo saber hoje, parece-me que muitas vezes - não posso dizer todas, porque como poderia eu saber de todas as vezes? - aquilo que julgamos serem as nossas maiores qualidades são os nossos maiores defeitos.

domingo, 29 de julho de 2012

Quando se toca o que nunca se tinha tocado

Quando conhecemos pela primeira vez uma pessoa pela qual ficamos enamorados, da qual nada conhecemos das fundações secretas interiores que a fazem ser como é - de cujo o desconhecimento vem a emoção de milagre de vermos ser real alguém que não compreendemos como é possível existir - parece-me que não é, ao contrário do que muitos pensam, o nosso futuro conhecimento dessas fundações que, ao revelar o que antes era mistério, destrói o nosso amor. Sinto que é antes a nossa incorrecta acção e influência sobre essas mesmas fundações, que pela convivência com as nossas, transformam a outra pessoa em alguém mais parecido consoco, justamente essa pessoa de quem, ao estarmos com alguém completamente diferente de nós, queríamos fugir.

Qual das vezes será a última?

De repente passaram três meses.

Vamos pela primeira vez a um lugar e saímos de lá a pensar que o temos para sempre. Mas na nossa vida quantas vezes lá voltaremos? Quinze. Trezentas. Duas. Nunca?

E de todas essas vezes será um lugar diferente.

Ontem ouvi uma vida inteira ser cantada ao mesmo tempo. Uma voz que numa polifonia transcendente nos fez ouvir no mesmo instante, num só fado, os setenta anos de fados que foram cantados antes por aquela mesma garganta, e que a filtraram e trabalharam a caminho de um fado absoluto. Setenta anos de vida que só assim, no derradeiro fado, poderá ser cantada por inteiro. Num fado que é simultâneamente o último e o primeiro.

E de repente, a senhora tão velhinha que cantava não se lembrava da letra. Desde que aprendera aquela canção ao vinte e cinco anos até ontem, nunca se tinha esquecido. Talvez só assim se possa verdadeiramente cantar. Algo na voz dela cantava como se aquela vez fosse - não a primeira vez, nem a última - mas a única.

Voltamos. Será que voltamos?

De repente passaram setenta anos.

domingo, 8 de abril de 2012

A verdade

O que me provoca mais espanto é as pessoas acharem de si próprias que são inteligentes ao afirmarem que as palavras da Bíblia não são verdade e simultaneamente acreditarem nas palavras que vêm nos jornais - afirmações escritas não sabemos por quem sobre acontecimentos passados em lugares onde nunca estivemos, com pessoas que não conhecemos e de que não temos qualquer prova que tenham existido.

sábado, 7 de abril de 2012

Desde há mil novecentos e setenta e cinco anos

O que mantém Cristo preso à cruz não são os pregos, é o amor que tem por nós.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Afinal

Tenho aprendido tanto ao longo destes anos, que começo a pensar se a vida não faz mesmo sentido afinal.

domingo, 1 de abril de 2012

Raccord

Ontem estava a fazer a depilação e pensei em ti.




Quando vieres visitar-me não faças a barba.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Dominar

Dá-me a sensação que as pessoas que fazem programas para a televisão imaginam que as pessoas só vêem nas suas imagens o que eles pensam que lá põem.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Como seria bom

Às vezes temos o instinto de pensar em como seria bom o mundo se todas as pessoas fossem iguais a nós.

Tenho a sensação que a verdade é que são.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A fraca auto-estima como instinto para crescer

Ao ter alcançado a conclusão de que aceitar que não sabemos algo é condição essencial a aprendê-lo, fiquei surpreendido por algo tão óbvio me surgir tão esclarecedor.

É essa aceitação que permite identificar interiormente o buraco certo para aquilo que queremos introduzir em nós, assimilar, apreender. Torna tudo tão rápido se comparada àquela forma desconfiada de aprender, em que a cada passo questionamos os danos que causará em nós o que nos é proposto.

Pois se por vezes há espaços vazios, noutros há o perigo pôr algo novo sobre algo que já lá estava.

Assim, não surpreende o número de pessoas que não aprende coisas novas porque não quer. Tudo por afeição à pessoa que a sua ignorância lhe permite ser. É, no fundo, um instinto de auto-preservação. Porque a pessoa depois de aprender uma coisa nunca mais é a mesma. E uma pessoa pode não querer deixar de ser quem é.

E nunca me esqueço que não ter passado por algo é também saber o que é não ter passado por isso. Basta pensar que não há sorriso mais puro que o de um bebé.

Enquanto há certas pessoas que querem aprender para passar a ser a pessoa que seria amada pela pela pessoa que ainda são mas que deixarão de ser ao tornarem-se essa, outros querem preservar a felicidade que serem quem são lhes proporciona.

No fundo, uma pessoa quer aprender por fraca auto-estima.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

morrer e Viver

Descobri a missa nos funerais.

Que alegria a de saber que posso ir a uma todos os dias e não ter de morrer ninguém para poder haver algo Assim.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Há ainda outras vezes em que tenho vontade de chorar e involuntariamente sorrio, e de rir mas respiro fundo.

Às vezes, quando estou triste, não sei se o estou por a minha fé me fazer sentir os sofrimentos do mundo e me tornar incapaz de me defender fazendo o mal, ou se o estou por não ter fé suficiente e por isso não me bastar que Deus exista para estar feliz.

Outras vezes, estou feliz, e não sei se o estou por acreditar em Deus e ver que os meus sofrimentos não importam e que tenho a missão de estar feliz por Ele existir, ou se o estou por não acreditar verdadeiramente Nele e por isso não ter a compaixão que me é devida pelo sofrimento dos outros.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Gostava de te pedir que me desses a conhecer o mundo, pode ser este ano.

Queria finalmente saber nas tuas mãos frias o que é o Inverno.
Provar pela primeira vez - e pela segunda, e pela terceira - a chuva, na tua bochecha molhada.
Aprender o cheiro dos lugares pelo que cheiram nos teus cabelos.
Porque me gritarias, a partir daí os gritos que me derem poderão fazer-se ouvir como se fossem teus - lembrando-me de ti, mas mais que isso, fazendo-me perceber exactamente que grito é aquele, já que a atenção a uma coisa é proporcional ao amor que lhe temos, e por isso não posso compreender profundamente um grito de alguém que não amo, mas se tiver ouvido os teus, nas nuances que coincidam entre os teus tons o os do outro, poderei vislumbrar o íntimo dele.
O mesmo é verdade para o amanhecer em pleno Dezembro, reflectido em ti.

Estou incompleto sem ti, e a prova disso é saber que existes sem nunca te ter conhecido. É imaginar estas coisas sem nunca as ter vivido (sim, chegaram a mim de outras maneiras, mas fizeram sentido). És o órgão que me liga à terra.

Nas castanhas que comprei ontem no Chiado, encontrei-te. Não as queria comer sozinho e pensei como seria se as descascássemos juntos e eu levava-as na mão enquanto tu guardavas as casquinhas na tua - que ficaria com umas fuligenzinhas mas que tu, embora fina, não te importarias de sacudir como se não pudessem sujar-te o vestido e o casaco - o que tem muito mais valor, porque se fosses descuidada contigo própria, limpares as mãos ao casaco não revelaria qualquer amor às castanhas e a come-las comigo, apenas indiferença ao mundo.

Quando deitei as cascas fora, tu ficaste comigo na mesma.

Porque dentro de mim estás sempre, nunca te vi foi fora. Mas nunca duvido que existas porque se o mundo existe, como poderias não existir? Sendo mais preciso, tens de existir porque eu só poderia amar o mundo através de ti - pois tu és eu fora de mim, e, ao seres de dentro de mim aí fora, és também daí de fora aqui dentro. E amando-te a ti amo o mundo - e eu já amo o mundo.

Anda cá, vá.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Que dois mil de doze seja um ano novo.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A felicidade das temperaturas

Este está a ser o melhor inverno da minha vida.

Sempre fui do calor.

Mas este inverno decidi aceitar o sofrimento do frio em vez de o tentar contrariar.

O que aconteceu logo ao primeiro dia foi que passei a saborear a sensação que antes preconceituosamente discriminava como desagradável. Preconceitos sensoriais.

É como com a comida. Há pessoas que dizem que não gostam de umas comidas. Porquê? O que é não gostar? Arde a língua? Não percebo. Eu gosto de todas as comidas. Claro, umas mais que doutras. Mas não gostar parece tão exagerado.

Devemos ter muita atenção às coisas que sentimos.

Às vezes pensamos que estamos a sentir algo desagradável mas é só porque alguém nos convenceu que era, e outra pessoa tinha convencido essa e afinal era tudo só um mito urbano porque não tinhamos tido tempo de perceber (porque ficámos com medo ou quisemos agradar àquela pessoa ou estávamos com pressa). Mas, se prestarmos atenção, descobrimos que as sensações são o que são.

É por isso que este ano estou a recusar todas as fontes de temperaturas artificiais. Não ligarei nem um aquecedor. Não irei nunca descontinuar a temperaturização do meu corpo pela natureza. Claro que ando bem agasalhado, mas aí é o meu calor que fica guardado nas minhas roupas, não é um calor de uma máquina. A temperatura é uma coisa tão íntima. Como é que as pessoas deixam que as máquinas se intrometam?

Até agora está a correr bem, porque pela primeira vez o meu corpo consegue habituar-se ao frio. E quem me diz que nessa habituação não há ainda outras coisas que se transformam em mim? É que tudo pode ter consequências e, afinal, o corpo foi feito para a terra e quando criamos situações artificiais podemos nem saber no que estamos a mexer. Se calhar os problemas todos do mundo resolviam-se se nos livrássemos dos aquecedores. Quem é que sabe?

É como andar à porrada. As pessoas dizem que é mau. Como é que sabem? Levar uns murros pode ser bom. Fazer bem. À pele por exemplo.

Por exemplo, se não houvesse aquecedores, as pessoas tinham frio e abraçavam-se mais. Quem sabe assim surgiam mais pretextos para o amor? É que se a nossa temperatura é nossa, se vem do nosso corpo, então não há coisa melhor que partilhar a nossa temperatura com outra pessoa e aquecer a pessoa de quem gostamos. Mas se ela nunca tem frio porque está sempre de aquecedor ligado, como podemos amá-la?

Estive aqui na terra todos estes anos e ainda nem sabia o que era o Inverno. A vida está mesmo sempre só a começar. Nem sequer faço ideia das coisas que vou aprender para o ano. Por isso, nada de precipitações, e bolinha baixa com as opiniões sobre as coisas da vida e isso tudo.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Mas porque é que temos de exigir reciprocidade nas relações?

É que é tão melhor poder dar amor sem limites.

Porque é que eu tenho de ser obrigado a só gostar de quem gosta de mim? Porque haveria de só poder agir com amizade para quem fez o mesmo comigo, se genuinamente gosto de muitas pessoas que não tenho a sorte de me distinguirem especialmente na forma como me tratam, mas para com quem tenho sentimentos bons?

Porque é que hei de ser obrigado a perder tempo a agir com maldade só porque uma pessoa foi má para mim, duplicando assim o mal na minha vida por acrescentar ao que vem de fora, um que vem de dentro? 

E quando uma pessoa nos trata bem? Não devemos tratá-la bem por causa disso. Devemos tratá-la bem sempre.

A reciprocidade é uma troca, não uma dádiva. É um racionalismo que só nos faz sofrer proque nos obriga a ser maus para pagarmos com mal o mal dos outros. É assim que a razão leva à maldade.

É um capitalismo afectivo.

E é urgentemente, radicalmente, bondosamente preciso parar a invasão.

domingo, 6 de novembro de 2011

Tenho muita sorte

Tenho muita sorte por num dia muito feliz da minha vida - há uns anos atrás numa altura em que havia uma moça de quem eu gostava muito e que me fazia andar todos os dias cheio de sonhos e esperança - ter sem querer enfiado a minha mão por uma faca a dentro. O corte foi suficientemente fundo para a marca nunca sair e agora sempre que vejo a cicatriz lembro-me dessa rapariga e acho que nunca me hei de esquecer desse dia. Estava na RTP Memória a dar um programa sobre portugueses no Brasil nos anos oitenta, que tinham ido para lá nos anos sessenta, e depois deu um programa sobre os quiosques de Lisboa. Depois fui para a varanda da cozinha ler e apanhar sol ao mesmo tempo, e beber chá. Estava um sol tão bonito.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Crise de quê

Talvez com a diminuição da esperança média de vida aumente a esperança média na vida.

Viver sim, mas fazendo o quê?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Preciso ser pai

A noite passada sonhei que me nascia outro irmão.

Lembro-me que sonhei que subia feliz o elevador do prédio de apartamentos onde vive a minha família sabendo que o iria conhecer, e pensei, rindo, como era incrível não ter reparado que a minha mãe tinha estado grávida.

Quando conheci o meu segundo irmão, peguei nele e disse aos meus pais que tomava conta dele essa noite, e fui dormir para o sofá da sala. Ele não queria dormir, queria brincar, e gatinhava precocemente no chão da sala. Mesmo com ele a querer brincar, consegui adormecer, no sonho, feliz, vigiando-o abrindo um olho de dez em dez minutos. Lembro-me que pensei que quando eu tiver quarenta e cinco anos ele terá vinte. Que ia ser tão bom sermos três irmãos daqui para a frente o resto da vida.

Depois acordei e ele não tinha nascido. E nunca nascerá. Foi como se tivesse morrido.

Consola-me apenas a ideia que quando eu tiver quarenta e cinco anos este sonho terá na mesma vinte anos.

sábado, 24 de setembro de 2011

Mulher da minha vida

Agora que sei como as pessoas se comportam perante a morte, ao tentar perceber quem será a mulher da minha vida, não consigo deixar de pensar que estou a escolher a pessoa que vai deitar para o lixo as minhas coisas quando eu morrer.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Hoje vi a mais bela das coisas

Num restaurante, uma mulher tão bela de felicidade como eu nunca vi, de vestido fresco de verão, dando de comer à boca do seu bebé de um ano.

Porque foi com ela que fiquei a saber o que é uma mulher maternal. Enquanto o bebé acabava de engolir, ela olha para o marido, pega com a outra mão no copo dele e dá-lhe de beber à boca, enquanto ele, babado, olha para o filho dos dois.

Nas outras mesas, cada um comia do seu prato. Tive então a nítida sensação que havia três tendências sexuais na sala. Mas não havia nem heteros nem homos. Havia as pessoas sem filhos, havia os homens com filhos e havia as mulheres com filhos. Como se uma pessoa só depois de ser pai passasse a ser homem, e só depois de ser mãe passasse a ser mulher.

Depois as luzes apagaram-se de repente e cantámos todos os parabéns a outro menino que estava nessa mesa. O pai envolvia-o todo com um braço à volta do corpo e uma mão em toda a barriga pequenina. Ele no escuro, olhava com os olhos amarelos pequeninos espantados a vela inesperada. Fazia quatro anos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Há tantas coisas que penso e não conto a ninguém

Gostava de ser capaz, mas não sei como as dizer.

domingo, 28 de agosto de 2011

Comunidade

As coisas que vivemos com os outros aproximam-nos deles.

As que vivemos sozinhos afastam-nos.

Sempre que faço uma coisa que gosto sozinho - ainda por cima são cada vez mais raras - sinto que a gastei mal.

Não apenas por ter perdido uma oportunidade de construir proximidade com alguém - na sua partilha, que me faria passar a ter algo em comum com a pessoa com quem a fizesse - mas sobretudo porque essa vivência, tida sozinho, me fez passar a ter mais uma coisa só minha, que só aconteceu a mim, e que os demais desconhecem, afastando-me ainda mais deles.

Foi este ano em Berlim, que ouvi, da boca da filha da amiga de infância da minha mãe, a frase em que sempre acreditei e que nunca tinha pensado "não interessa onde estejamos desde que estejamos bem acompanhados". Ela disse-a como se nos tivéssemos conhecido desde sempre. Eu nunca a tinha visto. A minha mãe e a dela viveram juntas a união soviética.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Culpa

Todas as noites, ao deitar-me, penso na minha avó, e na culpa que sinto por não lhe ter telefonado nesse dia.

E no dia seguinte, volto a não lhe telefonar.

Todos os cheiros me fazem lembrar dela.

Um dia

Um dia já não vou ter a desculpa de que é porque sou novo.

Não fracassei, mas já estou no caminho.
É melhor começar já a pedir perdão.
Se começar só lá, não vou ter tempo para tantas culpas.

Gostava de não ter de passar por isto sozinho.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Seleção Sobrenatural

Com cada vez menos crianças a nascer, as pessoas do futuro saberão que foi mesmo um milagre terem nascido.

Agradecerão.

As relações entre pais e filhos das pessoas do futuro serão doces.

E aqueles que, de entre esses filhos, optarem por não ter os seus, saberão que estão a fazer uma maldade, porque já terão visto o futuro.

Serão é poucos.

As pessoas do futuro serão como aqueles dois mil seres humanos a que se estima que a humanidade tenha estado reduzida no final da era glaciar.

Foi mesmo à justa.

E vejam só o que os descendentes deles fizeram!

Na altura, foi uma seleção natural em que ficaram só os mais fortes.

Agora será uma seleção sobrenatural onde ficarão só os mais altruistas.

domingo, 24 de julho de 2011

Só há um tipo de amor

Hoje, durante três horas, fotografei uma modelo lindíssima. Tem vinte e dois anos. Depois filmei-a, a responder a algumas perguntas.

Três horas a olhar para a beleza. Não é como quando uma pessoa bonita passa por nós na rua, nem como quando conversamos com uma. Olhei para ela através da câmara como só olhamos uma mulher que é nossa. Três horas a poder olhar continuamente para uma beleza desconhecida sem ter de disfarçar, a sós com ela na cave escura do lugar onde trabalho. A única luz era a dos projetores. Imaginem a mais bela das moças. Uma esfinge. Fazia-me os poros tremer, morena, animal, tanta-pele, ágil, num silêncio nosso, de um olhar meu, todo atenção.

Era daquelas pessoas que nos fazem confundir a beleza com o amor, e das quais - mesmo eu acreditando que a beleza é uma das provas que Deus existe - me aprendi a afastar, por a atração por elas ser baseada apenas no que não vivi com elas, e não no que vivi.

Mas esta disse-me isto quando lhe perguntei o que é o amor:

Amor? Há vários tipos de amor... Amor de mãe, amor de irmão, amor de amigo, amor romântico... AH, espera, não. Não, só há um tipo de amor.

E eu, espantado, nunca tinha ouvido Só há um tipo de amor?

E ela, olhando para cima (para o amor possivelmente, pela primeira vez) Sim, claro que parvoíce, não há nada vários tipos de amor, é tudo o mesmo! É o amor da família (aqui arregalou os olhos).

Porque quando amamos alguém, queremos que essa pessoa faça parte da nossa família. Não é? Os nossos pais já os amamos, os nossos irmãos também, e os amigos, desejamos que eles façam parte da família, então pronto, só há um tipo de amor. Claro que entre os casais há a atração física, mas isso é a paixão, não é o amor ...


Se calhar vocês já sabiam isto. Mas eu nunca tinha sequer pensado ou ouvido esta ideia. Assim, tão simples.

(o que me fez pensar que ando ou a ler os livros errados ou a dar-me com pessoas demasiado feias)

Uma vida inteira armado em intelectual, e ao contrário do que eu pensava, a vítima da beleza era, evidentemente, não ela, mas eu.

Ela, porque a tem, não é por ela iludida, distingue-a com toda a clareza do amor. Possivelmente por a beleza, ela a ter toda, e ao amor, nenhum, para ela era muito evidente que só há um tipo de amor.

Tenho de me começar a dar com mais modelos.

sábado, 9 de julho de 2011

O ofício de construir uma alma

Tenho a sensação que o ofício de viver é um contínuo combate interior à nossa depressão (que vencerá sempre se nada for feito).

Essa continuidade é a nossa alma.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Nova vida

Toda a minha vida tive medo do escuro.

Uma particularidade desse medo é que só vinha quando estava sozinho.

Há uns dias, estava debaixo da terra, era de madrugada e estava sozinho em pleno escuro, numa cave funda e sem luz nem janelas no lugar onde trabalho, quando me apercebi que não tinha medo.

E, admirado, apercebi-me que já não era a primeira vez. Foi quase já só uma lembrança eu antes tinha medo. Puz-me a pensar há quanto tempo não sinto medo do escuro.

É desde que acredito em Deus.

Isto é mesmo verdade.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Atenção interior

Antigamente incomodavam-me as conversas ocas dos outros.

Eram como um vácuo que sugava o meu espaço mental.

Hoje já não.

É como se, sem dar conta, tivesse descoberto o meu verdadeiro espaço interior (e afinal antes estava só à porta de mim) e esse vácuo deixado de ser capaz de me quebrar a concentração, como se nunca, até hoje, eu tivesse verdadeiramente estado concentrado.

E assim consigo aperciá-las. São como o som de um ribeiro que corre lá para o cantinho da minha alma. Como se as vozes das pessoas à minha volta fossem o lindo cantar de um passarinho. Afinal, racionalmente, ele também é oco.

É como se o meu erro tivesse sido atribuir demasiada importância às palavras que eram ditas.

Afinal o oco era eu, em quem entrava tudo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um ser limitado

Esta noite, entre tantas pessoas formidáveis, únicas, corajosas, bonitas, vivas, dei por mim, enquanto saltava e gritava no meio do moche, a sentir a grande alegria de ser uma pessoa.

O êxtase da unidade da minha limitação.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Não é possível seguir duas coisas ao mesmo tempo

Tudo são portas cuja abertura consiste no fechamento de outras.

Cada coisa vai num sentido diferente.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Verdadeiro o amor que só pode ser aquele

Quanto mais velhos crescemos, menos pessoas há com quem nos possamos casar.

Somos cada vez mais irreversíveis. Já não há, nos outros nem em nós, o futuro do sonho do que eles, ou nós, poderemos ser. Já somos tudo o que poderemos ser. O que iríamos descobrir juntos está cada vez mais a descoberto, na solidão.

Mas por essa razão, se encontrada a rara, única, pessoa, que poderíamos amar, mais fulminante é esse amor.

A complexidade que adquirimos através do tempo apurou a especificidade do que somos, e o que antes era uma incógnita, materializado, faz com que a excitação do incerto dê lugar à certeza da excitação.

A eroticidade do definido. A sedução da forma concreta, sem dúvidas. O desejo louco do que é irremediável. O deslumbre, a tentação em nós da tragédia do verdadeiro amor: aquele que só pode ser assim.

Por isso, quanto mais novos, mais amores, mas mais leves, quanto mais velhos, menos, mas mais fortes.

Pelo menos, quero acreditar que sim.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ao verificar o tempo que levamos a aprender cada coisa

Não pedir mais tempo.

Agradecer a Deus a sorte de Ele nos dar uma esperança de vida que chega para O compreendermos.

sábado, 4 de junho de 2011

Estranha entranha

De tudo o que se gosta, se aprendeu a gostar.

Não é só o vinho. Nem a coca-cola com a frase do Fernando Pessoa. É tudo.

Tudo o que gostamos nos foi ensinado a que gostássemos. Assim como não há nada natural, porque tudo é natural.

Esta compreensão permite alcançar o erro da nossa sociedade baseada no que gostamos.

Pensem nisso.

sábado, 28 de maio de 2011

O amor só pode ser para a vida toda

Porque uma vida não chega para tudo o que eu e ela temos para partilhar.

(A tristeza de saber que inevitavelmente já há coisas que ficarão de fora...)

Porque quanto mais se cava no mesmo lugar, mais profundos são os lugares a que se chega.

(Monotonia trágica a de estar sempre a mudar de lugar mas sempre à superfície... a partilhar sempre a mesma coisa)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quando as coisas contam

Quando se ama todos os dias são diferentes.

Quando não se ama todos os dias parecem diferentes.

domingo, 15 de maio de 2011

Seja sobre o que for

Uma pessoa não compreender determinada coisa pode significar que ela sabe mais sobre ela que outra que a compreende. 

Pois a que compreende pode estar a basear a sua compreensão num equívoco.

E a que não compreende simplesmente vê a falta de sentido da explicação apresentada.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Resposta

Nunca esquecer que uma recompensa só pode vir no fim.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Comunidade

A partir de certa altura já nos morreram tantas pessoas que começamos a ter de parar para nos lembrarmos quem são os que estão vivos e quem são os que já morreram.

Pois passamos mais tempo com alguns que não estão vivos.

E a presença deles conosco no escuro é mais natural.

E a sua voz mais verdadeira.

Como se houvesse uma coisa que não vemos mas que sentimos.

Uma coisa que não faz sentido mas que está certa.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Manifesto

Toda a gente é insubstituível.

sábado, 12 de março de 2011

Portugal pátria do futuro

Falando de línguas que nasceram em Portugal.

Há mais portugueses a falar crioulo do que mirandês.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Resistência

Não comer nada que não desse de comer a um filho meu.

terça-feira, 1 de março de 2011

Não há desculpas

Foi num dia de inverno que parecia de verão, pois tínhamos feito imensas coisas e agora estávamos a voltar para casa. Eu olhava para a auto-estrada e o pôr do sol parecia agora, porque os dias eram curtos e as lâmpadas da auto-estrada e a conversa animada tínham-nos distraído de que já era bem de noite. Ainda nem tínhamos jantado. Era aquela sensação conhecida daqueles que já vieram do Alentejo à noite para Lisboa. Tínhamos acordado de madrugada, já tínhamos estado em três cidades, feito amigos novos, rido, gritado, corrido, lutado pela transformação democrática de Portugal, entre outras coisas.

Foi quando, ao volante, aquele homem calmo, sereno, sorridente, moreno e discreto, que organiza missões humanitárias em centenas de países, me disse que somos nós que escolhemos a família em que nascemos.

Dentro de mim o carro travou dos cento e vinte quilómetros por hora para os menos cento e vinte quilómetros por hora, demos três cambalhotas no ar sobre a auto-estrada e aterrámos num mundo novo, embora, cá fora, tudo continuasse igual, talvez um pouco mais escuro mas mais brilhante (como as paredes dos templos japoneses no escuro). O silêncio no carro era apenas cortado pelo sorriso do condutor.

Ainda hoje, agora, aqui, vivo aquele instante e a cada dia que passa sei menos como lhe agradecer.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Desaprender o mal

Recordo o espanto que senti naquele dia, ao perceber que já não sabia fazer tal tarefa mal feita.

Era uma tarefa simples, mas fácil de fazer mal, pois eram muitos os atalhos para a minha perguiça.

Mas de tanto me obrigar a repetir essa tarefa bem feita, certo dia, ao ter o instinto de procurar os atalhos, não os encontrei.

Foi assim que descobri que já só sei fazê-la bem.

A partir desse momento, passou a não custar nada fazê-la bem, porque passou a ser a única maneira de a fazer que sei.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Disse ela

"aquilo que tu dizes é tantas vezes aquilo que tenho sonhado que alguem diga"

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A luz do inverno é como as mãos da minha mulher. Dá-me saudades do verão.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Outro lugar

Nós habitamos aqui.
Estes são os nossos cheiros.
As nossas mãos produzem estes sons.
Vais gostar de nós como prolongamento deste lugar confortável.
Mas não fazes parte daqui pois as tuas mãos não fazem os sons.
Não te queremos mal, mas contigo aqui deixamos de ser nós e perdemos a capacidade do aqui.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Melhores do Ano

Comovem-me as listas de melhores do ano.
Comovem-me os que insistem em as compilar.
Comovem-me as pessoas que as publicam do seu computador para o mundo, pondo muito pensamento nisso, sabendo que o mundo está interessado e aguarda ansiosamente pelas escolhas deles, porque só eles sabem algo que todos precisamos saber, e o como isso faz deles importantes.
Comove-me a forma, empenho, dedicação e concentração que põem nisso, de quem sabe que no fim, são aquelas escolhas que os definirão no grupo de amigos, junto das pessoas com quem querem estar, aos olhos dos outos de quem é preciso ter o respeito para, por sua vez, se ser respeitado por aquela pessoa que queremos que goste de nós.

Mas o que me impressiona realmente é como essas listas são todas só de discos e filmes, e pior, afinal, todos os mesmos em todas as listas. Todos escolhidos por um festival organizado por franceses numa vila agradável à beira do Mediterrâneo, e por um site chamado Pitchfork, aos quais, afinal, o ato de fazer a lista é apenas um juramento de fidelidade.

E no entanto, também eu tenho os meus melhores do ano.


A minha lista de melhores do ano começa em Janeiro, quando passei o mês mais feliz da minha vida, com ela.
De mãos dadas conheci um Império. No Norte, uma pontinha do Sertão, terra mítica, e fiz talvez a coisa mais emocionante da minha vida: cavalgar pelas dunas de tronco nu, completamente livre num cavalo, só eu, ele, ela, o cavalo dela e a areia de um país dentro de um país feito de deserto à beira mar de quilómetros infinitos. E começou a chover e o cavalo falava comigo. Eu corria atrás dela, que é selvagem como os bichos mais bons. Esses, que ficavam parados sozinhos no meio da paisagem, numa terra onde as auto-estradas para os jipes andarem são a areia molhada pelo oceano ao nascer do Sol vermelho-sangue, ondulando paralelos à rebentação, desenhando curvas de trilhos como os bichos, que as crianças brincavam de matar com pedras. A cidade de ruas de areia que passou a ruas de mar. Os sapos nos nossos pés. Comer assim juntos e valer a pena comer e tudo o resto. A alegria em todos os poros que nos dá uma alma gémea. Nunca na vida ter começado um ano com sequer um décimo de tanta esperança. E depois viver a História ao vivo, e ver como na Europa estamos tão mortos, na cidade da Bahía de São Salvador, onde os escravos livres me disseram que tomaram a cidade de nós, e que agora tentam viver de nos mostrarem aquilo que já foi nosso. Sentir a minha casa mais perto do que nunca. O coração a bater como se fosse a primeira vez que visse ao vivo a minha Mãe que vira durante vinte anos em fotografias e julgava morta, ou pior, nunca nascida. Fazer a casa numa ruína. A voz da minha mulher no ar. A paixão dela. O túmulo do homem que plantou coqueiros em metade da superfície da terra. Os únicos azulejos que mostram a cidade onde nasci que, quando nasci, já não existia. A intimidade com os espíritos dos deuses vivos nos corpos de uma família que era toda uma cidade, numa casa humilde de luzinhas acesas no morro Vasco da Gama. A cidade que Lisboa quis ser, a gémea irmã, como até agora só tinha conhecido essa cidade com nome de Rio. João a cantar na casa do português com uma parede que era todo o mar. A fotografia mais bela que lhe tirei. Descobrir o Dorival como se descobre o Camões. Conhecer noutro lugar a cidade mais livre que conheci na vida. Uma selva de prédios humanos construídos numa cidade de árvores. A visão do missionário tornada realidade. A história mais bela que já ouvi, a deste país e do meu, que é a mesma e são o mesmo, porém com nomes diferentes, tudo tão bem disfarçado. O amor mais absoluto que alguma vez vivi. Naquele quarto à noite, de luzes apagadas iluminado pelas janelas abertas e pela cidade das tartarugas ninja lá fora, ou seria o Japão dos filmes do Mizoguchi? A constante imagem de uns candeeiros de papel, um japão que está para lá do óbvio, não sei explicar, não é só o que parece. De onde veio este Japão em mim? A chuva quente, como se não estivesse a chover e fosse o ar que com tanto calor tivesse começado suando, e se tivesse tornado água que cai, com toda a avalanche das coisas da selva. Perdidos naquele carro no mar alto como num barco. A simpatia dos heróis. Já ter encontrado um amigo em três continentes diferentes. A liberdade da ingenuidade de quando tudo corre bem para uma civilização inteira, e abrir as pernas é só um absoluto prazer. Aqueles sons quentes como a voz do Chico. Tantas brincadeiras em aeroportos. A despedida mais comovente da minha vida, para sempre, com todo o peso dessa palavra, a maior tragédia que já vivi. 


Outro melhor do ano foi ter aprendido a estar sozinho graças à ajuda da minha amiga. Quando ela me disse mais uma vez aquilo que já tinha dito antes e foi como se precisasse repetir aquelas palavras mágicas só mais uma vez, como num bruxedo, para eu as ouvir no coração. Uma alma mais madura e pura, que não chora por dentro nem por fora e não precisa do Cais do Sodré para ser feliz e por isso mesmo é que pode lá ir e ser feliz. Um Homem que nasce e a ela lho devo, ela que agora está num barco algures no mundo inteiro, impossível de achar, a verdadeira marinheira portuguesa, ela que o é tão mais do que aquilo que pensa, que é na verdade a maior de nós todos. A poesia do fazer e não do dizer, que ambos aprendemos este ano, também à conta dela.


Outro melhor do ano foram dois funerais. De um marido e de uma mulher que viveram casados uma vida e foram pais do meu querido pai. Fizeram-nos nascer a todos, e fizeram a nossa vida até hoje. A crueldade de não poderem viver um sem o outro, ou outras palavras para isso. Uma criança que finalmente vê aquele dia que sempre pensou como seria. A coisa mais triste do mundo, à segunda vez, tornar-se um hábito. Aquela senhora, que da idade deles, disse que não queria vê-los mortos porque preferia recordá-los para sempre em vida. O meu tio no cemitério a dizer à minha tia para nos apressarmos, porque já vinha aí o funeral seguinte e nós a saltarmos por entre as campas como cães na chuva, ou crianças numa brincadeira com fatores mais complexos. O meu pai e as mãos dadas com a minha mãe. O que só o casamento dá. Aquele senhor da Índia Portuguesa, que foi preciso o meu avô morto para o conhecer, que lá chegou aos dezoito anos no couraçado Índia, de faixa de luto pela morte do Óscar Carmona (um senhor do século XIX), e atravessou três rios e quem sabe todo o oceano em jangadas, que estava lá quando São Francisco Xavier regressou a Goa e que levou uma bofetada do Vasco Gonçalves (pai de quem é) como um pai dá a um filho, tudo isto enquanto reconstruía todos os monumentos portugueses da Índia. A mágoa de nunca saber todos os segredos que nunca me quiseram contar ou que nunca perguntei. Terem sido sempre tão bons para mim, os meus avós. E a calma e a serenidade que me dá ter dado à minha avó, sozinhos, a sua última refeição lúcida e nunca mais a ter visto viva. Eu querer dizer obrigado mas não querer, com ele, matá-la. O padre, quando nos ensinou, no funeral do meu avô, a o honrarmos sendo bons e honrados como ele foi sempre em vida.


Outro melhor do ano passou-se entre funerais, três meses concretizados dentro de um buraco no centro do país, onde vivi durante uma semana, e conheci algumas das pessoas mais maravilhosas que me foi permitido, que pude perceber que o eram pelas condições que o buraco nos oferecia para nos vivermos uns aos outros. Uma guerra, sem os tiros, só com as trincheiras, a tortura chinesa nas cabeças com goteiras de água gelada durante seis dias (ainda as sinto, agora, só de falar nisso), o barco a afundar, e a hilariante literalidade de como o fazer vir à tona. A grande capitã do navio, que não tinha medo de nada. Os engenhos da terra para extrair a água iguais aos da transfusão do vinho para as pipas. O homem que nos intervalos da guerra ia correr. A humildade de alguns. A boa vontade ao vivo (como se diz de assistir a um concerto). Os morcegos que afinal eram andorinhas, que a Maria Fumaça imitava tão bem coladas ao teto com aquela cara, e eu não conseguia parar de rir. O rapaz que só em três conversas no meio da humidade de um vale gelado confiou em mim para me emprestar o livro mais importante da vida dele, que ele soube imediatamente que contava a história da minha vida, tendo-me como protagonista. Voltar mais cedo e perder a chanfana e em troca ver a materialização do meu sonho de família numa terra da qual tinha ouvido falar toda a vida e que só este ano conheci. E que é linda. Assim como aquela família e a vida que levam. Um desejo intenso de imitação daquilo, um exemplo de felicidade viva e perfeita. Descobrir quem são as pessoas boas deste mundo e saber que têm um nome e uma profissão que os faz também ter alguma diversão no Verão apagando fogos. Ter passado a poder dizer que não vivi toda a vida em Lisboa. Agora tenho uma casa que também é minha, com fantasmas, família e tudo. Mãos de criança falecida nos vidros, quadros que caem, canos que projectam água para nós, luzes que comunicam em morse. Agora estão todos com os meus avós. E aquela moça, prima tão nova, que essa sim, vivíssima, me assombrava à noite.


Finalmente, outro melhor do ano foi o casamento de uma querida querida amiga, abençoado pela minha primeira ida a Fátima, que foi o casamento mais belo onde jamais estive, que julgo que só será ultrapassado, um dia, pelo meu (ah, como estou longe do tempo em que comecei a escrever aqui), no qual tive o previlégio de, entre centenas de convidados, ficar uma hora a sós com a noiva e, de madrugada, apertadinhos num vão de escada, ela vestida de noiva, ouvir uma vida resumida nas mais belas histórias de amor que já ouvi. No fim, ao serem coroadas pela sua filha, que, sussurrando os dois no escuro, adorámos, olhando para ela dormindo num berço mais repousante que há, descobrir que afinal, todos nos lembramos dos nossos berços, pois a sensação, ali, era como estarmos os três como eu sinto que fosse se estivéssemos dentro da barriga da minha amiga. Ela de branco. Ela e o marido a serem os últimos a sair da pista de dança, já quase ao nascer do Sol. E tantos amigos, tantos, acampados à volta da casa, como uma cidade de amigos. O cheiro a terra.


Para terminar, outro melhor do ano foi o jantar onde se reencontraram as pessoas que marcaram a infância umas das outras há vinte anos atrás, e sem as quais eu não seria eu. Aquele abraço. As caras de todos nós, ao descobrirmos que afinal ser adulto é isto. Não ter passado tempo nenhum.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Ano

Que no início do ano de Dois Mil e Onze d.C., no lugar de pensar em tudo o que quero dele, ou no lugar de pensar em tudo o que de mau me trouxe Dois Mil e Dez, eu seja capaz de pensar nas coisas boas que o ano que agora terminou me deu e agradecer por elas, para merecer que o ano que agora começa me traga mais coisas boas e não menos.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Praticar

Mesmo quando é já tarde de mais, e agora de nada pode valer, fazer na mesma aquilo que sabemos que devíamos ter feito.

Para que, quando Deus nos voltar a dar a oportunidade de praticar o bem, o tenhamos debaixo da manga, pronto a ser praticado.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Portugal é a cola do mundo

Ser português é chegar a Nova Iorque e para os ricos ser judeu. É quinze minutos depois em Washington Heights, falar castelhano e ser latino.

É chegar ao Brasil e estar na nossa terra, é nunca estar demasiado calor ou frio, é falar todas as línguas da América.

É na Europa ser europeu. É em África ser do país mais africano da Europa e com mais passado em comum.

É chegar à China, à Índia, à Indonésia ou ao Japão e ser primo daqueles senhores brancos que estiveram ali há muito tempo - no tempo em que quase não havia outros países - e perguntarem-nos "porque se foram embora?"

É na Rússia sermos de um país mais ou menos europeu e periférico como eles com sonhos de grandeza e de conquista do mundo.

É em Roma sermos católicos, é em Israel serem todos nossos primos - quer os judeus, quer todos os árabes com quem partilhamos tanto.



E devia ser usarmos tudo isto para o bem, para nos orgulharmos de sermos quem somos, e não para fingirmos que não somos nós, portugueses.

Pois tudo - especialmente o que é imenso - se pode usar para o imenso Bem ou para o imenso Mal.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

As mais belas consequências da cultura

O mais belo caso consequente da vivência da música é quando uma moça passa a ouvir uma banda por esta lhe ter sida mostrada por um rapaz de quem ela gosta.

Uma banda que não tem para ela nenhum interesse, não teve até ali qualquer importância, passa, por estar associada a ele, a ser o mais belo cantar.

Ao contrário dos rapazes (que houvem música obcessivamente, e forjam as suas próprias memórias que posteriormente associarão a cada canção, num meticuloso processo, na medida em que, afogando na música as suas mágoas, e vivendo através delas as suas emoções, elas ficam para sempre misturadas com as melodias, porém, muitas vezes por cobardia ou escapismo), as moças começam a querer ouvir uma canção por o amado a ouvir, isto é, porque aquele som faz de facto parte dele, da vida dele, da sua acústica, reverbera dele para ela, é como o cantar daquele galo.

Uma moça ouve música por amor a uma pessoa.

Cavalheiros, desconfiai das moças que oiçam muita música, especialmente se for muita pop, daquela sem especial interesse artistico-musical, que não percebemos bem o que dela tiram.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A razão simples pela qual os padres não podem casar

Um homem é capaz de satisfazer todos os caprichos de uma moça, e de lhe dizer qualquer coisa que ela queira ouvir para que ela o ame.

A vida de um padre é dizer-nos as verdades mais desconfortáveis. É ser incómodo para todos na sua castidade.

Uma mulher tem o direito a não ver as suas vontades negadas, a ser amada, a amar, a ser feliz.

Ser o vigia da moral do rebanho é incompatível com fazer uma mulher feliz.

Uma mulher que amasse um padre a tal ponto de querer casar com ele, teria de amar Deus ao ponto de ser freira.

Para quê casar um padre e uma freira? 

Para terem filhos? Justamente aqueles que mais sofreriam com a falta de tempo dos pais para eles, todo investido no amor do pai e da mãe a Deus.

Um padre, a partir do momento em que estivesse casado ou disponível para isso, deixaria de estar fora da comunidade o suficiente para poder ser olhado por ela como um estranho.

Perderia todo o seu lugar e razão de ser.

Quem traz ao de cima a problemática do casamento dos padres, vindo com mais ou menos boa vontade, vem sempre exercer a sua missão. Pois é através da sua proposta para que um dogma seja revisto, que se vem sempre renovar a razão de ser da impossibilidade disso mesmo, já que é, na verdade, um mero e justo pedido para volte a ser expressa, por quem sabe, a razão de ser de um dogma. Porém, no dia em que não houver nenhuma resposta a esse pedido, já não haverão padres, pelo que sim, será aceitável que eles casem.

domingo, 14 de novembro de 2010

Sonhos de uma vida

Toda a vida a trabalhar para um dia poder ver a mulher da minha vida corar.

sábado, 13 de novembro de 2010

A Mulher

Só as moças belas (se) podem (dar ao luxo de) ser castas.

Sensação de palavras podres

Sensação de que é melhor não falar. Mas continuar a ouvir.

Não dizer nada, como se, por só podermos dizer palavras, e todas as palavras virem do mundo, e o mundo estar como está, todas as coisas que poderíamos dizer estivessem já impregnadas e impuras.

Ouvir à minha volta e os sentidos dados às palavras de que eu gosto não serem os que eu quero dar, e ainda assim, não haver outras palavras para substituir essas. Só poder dizer o mal. Só poder mentir.

Missão. Vasculhar, escavar as palavras ouvidas da boca dela à procura da boa vontade. 

Reanimação do bem, boca a boca. Em silêncio.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Poema zen trazido para português por Herberto Helder

As palavras não fazem o homem compreender.
É preciso fazer-se homem para compreender as palavras.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Cemitério

Espantosa semelhança entre uma campa e uma página do facebook.

sábado, 6 de novembro de 2010

Palavras que só fazem sentido se quem as ler estiver feliz

A felicidade é tão sublime, que quando um dia a sentimos, nos faz saber que não é possível ter algo tão bom para sempre. Mas mais que isso, que não precisamos.

O tamanho da felicidade é tal que um pedaço dela é maior que o tempo de vida que temos para a fruir.

Ela está sempre presente. Mas para a vivermos, o nosso coração tem de estar de costas, e a fazer o pino, para abarcar mais do que aquilo que pode.

A marca que identifica a verdadeira felicidade é uma dose dela, de determinado em determinado tempo ser, de facto, suficiente.

Não precisamos do toque de Deus todos os dias. E ainda assim ele dá-no-lo. Não precisamos porque não o conseguimos viver.

Era como alguém que, presenciando um milagre, pedisse outro. A felicidade não é um estado normal, é um milagre.

Merecemo-la ao sabermos que não a merecemos. Que ela já cá está.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ideia vista num filme

Rezar é engomar a alma.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

As crianças são os guardiões da nossa inocência

Ter sempre crianças por perto, a proteger-nos de nos habituarmos a que seja normal podermos fazer e dizer, a todas as horas do dia - tornando assim permanentes em nós - coisas que todos sentimos, cá dentro, que não se podem fazer nem dizer em frente a crianças.

Sem crianças por perto estamos incompletos, como um corpo a que faltam órgãos. Mas felizmente a natureza deu-nos corpos que fabricam esses órgãos e permitem que nunca deixemos isso acontecer. Órgãos vivos, que cá fora, são nós.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O que não está lá mas faz parte

Só compreendemos verdadeiramente aquilo que somos capazes de criar.

domingo, 3 de outubro de 2010

Responsabilidade é liberdade

A democracia não está forte por as pessoas votarem. Está apenas moribunda.

O voto abstrato do papelinho ou do braço no ar é apenas uma versão pobre do verdadeiro voto, que é aquele consubstanciado em ações, em feitos. A verdadeira liberdade é agir.

A democracia está tão mais forte quanto mais pessoas participarem ativamente na política. A democracia perfeita seria uma em que todos os cidadãos estivessem em algum partido - excepto os que exercem cargos que os obriguem a não participar, como os padres, ou os artistas. Isso será possível, pois quantos mais de nós estiverem na política, menos sobra para cada um fazer, o que levaria ao desaparecimento dos políticos - no sentido contemporâneo da palavra - e ao surgimento de novos cidadãos, responsáveis.

Os cidadãos responsáveis seriam aí verdadeiramente livres, e necessariamente democratas, pois ouviriam os outros e aceitariam a decisão da maioria.

Esta é a única maneira de impedir ditaduras.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Negócio

Se uma mulher não gosta de sexo, não quer ter filhos e não acredita no amor, qual a razão para ter um homem na sua vida que não seja a de ter um criado?

sábado, 25 de setembro de 2010

Os olhos são o último reduto da vida

Ao conversar à mesa de jantar do restaurante chinês clandestino com a minha amiga sobre dissecação de cadáveres,

percebi que ela não sofria ao espetar facas no que já foi o corpo de alguém, cortar membros, extrair órgãos e vísceras e sangue de dentro de uma pessoa,

porque essas pessoas estão mortas.

Ela explicou-me que quando a pessoa está viva é quente, há pulsação, há movimentos, há veias e sangue e órgãos activos, respiração, há olhos que mexem (embora os olhos a ela, mesmo mortos, lhe façam impressão) e que é essa a beleza de um humano. Um morto é como uma pedra. Já não é gente.

Então pensei em todas as capas de revista, em todos os anúncios e modelos de beleza segundo os quais nos moldamos e como eles não têm também calor, nem pulsação, nem movimentos, nem nada (embora tenham olhos), e pareceu-me perceber no concreto onde é que a propaganda estética nos faz mal.

Não é natural desejar uma beleza morta.

E assim, só é possível alcançar esse ideal através do artificialismo, pois é uma "beleza" que não faz parte da Vida. O aspeto imaculado, a juventude eterna, a magreza excessiva, só são possíveis no formol.

Como se estivéssemos a trabalhar a vida toda até ao dia em que morremos para fazer de nós o mais belo cadáver.

Certas pessoas, o dia em que serão mais belas será no seu enterro.

sábado, 18 de setembro de 2010

Sempre certo

O céu foi sempre igual desde a origem da terra.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O valor das coisas

Preservar aquelas canções que ainda nos trazem memórias.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O conforto é uma doença

Uma cadeira de um veludo tão confortável, numa sala tão pacata, uma solidão tão preenchida, uma vida tão sem sal que me dá vontade de pegar fogo a alguma parede.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Mais perto da beleza

Quando os opostos são reunidos numa mesma coisa.

Mulher e rapariguinha,

Minha mãe e minha filha,

Dura e meiga,

Voluptuosa e casta,

Indiferente e atenta,

Inteligente e tonta,

Forte e vulnerável,

Alegre e melancólica.


Em Simultâneo. Tão completa.

Mais perto de Deus.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Um mundo para nós

A felicidade de saber que está ao alcance de todos o mundo, para que possamos com ele aprender a viver.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

À grande sabedoria do meu amigo Pedro

Que descobriu que mesmo as coisas das quais não nos lembramos continuam a contribuir para aquilo que somos.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A questão definitiva

Viver é apurar as capacidades para a dúvida, pois a resposta final que explicará o universo virá em formato de pergunta.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Resposta mística provisória para aquilo que nos faz viver

O que move as pessoas para continuarem a viver e fazerem o que fazem é o mistério.

Combustível amoroso

Procuramos na pessoa que amamos alguém a quem contar os nossos segredos.

Mas a pessoa que queremos que nos ame é a última a quem podemos contá-los, para que nos possa continuar a amar.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A Vontade Boa

Outra palavra para Bombeiro deveria ser Boa Pessoa.

Um de nós decidia que queria ser boa pessoa. Ia ter ao quartel das pessoas boas, que é o centro da comunidade - e é essa a origem dos bombeiros - e dizia que queria ser um deles.

Lá eles ensinavam-nos os procedimentos para sermos boas pessoas. Fazíamos a formação e aprendíamos que para ajudar os outros é preciso saber fazer isto, isto e isto.

E a partir daí estávamos capazes para prestar qualquer bondade básica à comunidade.

Tornávamo-nos Soldados da Paz.


Até hoje, percebia Soldados da Paz como uma imagem de pessoas que treinam e têm uma hierarquia como os militares, mas que não usam armas.

Mas agora conheço-os, e percebo como uma comunidade em paz precisa e depende de ter cidadãos capazes para resolver os problemas dos seus. Problemas esses que são constantes: ir buscar e levar as pessoas acidentadas e doentes em ambulâncias, salvar pessoas encurraladas, arrombar portas para as quais não há chaves, salvar animais em apuros, apagar fogos. Um pilar da sociedade.

Pessoas que levam, voluntariamente, a paz às outras pessoas.

E algo em mim vibra como se eu soubesse intimamente que o bem só se pode fazer sem pedir dinheiro em troca.

Todos devíamos ser bombeiros. Outra maneira de dizer isto é, todos deveríamos querer ser bombeiros.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Almoço dos trabalhadores

Na hora do almoço, vou a um super-mercado comprar coisas para pôr num pão. O meu salário não é alto.

Se isso se deve à economia estar fraca porque a economia de outras terras está a crescer, terras na China,

e se então isso significa que uma parte do dinheiro que ganharia antes um trabalhador como eu agora vai para a China, para que vários chineses ganhem mais,

(através de um complexo sistema económico que faz com que o mundo globalizado sem fronteiras seja como uma balança lenta mas eficaz, que só quando o dinheiro estiver igualmente repartido se estabilizará permitindo de novo aumento da riqueza nos países que já são hoje mais ricos, tudo isto porque, quanto mais pobre, mais barata a mão de obra, mas por isso, mais baratos os produtos que, assim, ocupam o lugar dos produtos mais caros, dos países com mão de obra mais cara)

e se, neste momento na China, um trabalhador na sua hora de almoço come uma sandes tão pobre mas tão digna quanto a minha (sendo que os que antes estavam no lugar dele nem para a sandes tinham), que ele pode pagar por causa desse dinheiro que antes estaria aqui no meu bolso e agora está lá,

então isso quer dizer que há uma relação direta entre a minha sandes e a sandes chinesa do chinês, e que nós os dois, com o nosso dinheiro, estamos na verdade a fazer uma vaquinha e a, juntos, partilhar o almoço.

Amigo chinês, é um prazer almoçar contigo. Espero que a tua sandes esteja boa. Não tens de quê. Espero que as coisas te corram bem aí na China. Eu? Tenho imensa sorte. Ah, já agora, se tiveres ocasião, diz ao Jia Zhang Ke que ele é o maior realizador do mundo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A alma é regida pela lei do milagre

É uma ilusão pensar que se pode chegar ao mesmo lugar por caminhos diferentes.

sábado, 7 de agosto de 2010

O sentimento invisível

Incomoda-me que as outras pessoas não saibam quanto a amei.

Incomoda-me que exista apenas uma palavra namorada para dizer o que ela foi para mim. Que seja a mesma usada para pessoas que amaram menos, ou nada, ou diferente, e para sentimentos que foram banais.

Incomoda-me que alguém fale dela e lhe chame o mesmo que chama a outra mulher, ou mesmo à sua namorada, sendo que o amor deles nada tem a ver com o meu, e que essas pessoas nem conseguem compreender a grandiosidade de certos sentimentos mas pensem que sim ou então que eles não existem.

Como se ao chamarem-lhe minha ex-isso estivessem a mentir.

Incomoda-me que falte essa palavra para designar o sentimento invisível.

Incomoda-me ainda mais que seja um clichê dizer que é preciso inventar palavras novas para designar o que ela foi para mim.

E incomoda-me que mesmo assim seja verdade que é preciso inventar essa palavra única, só minha, só dela, donzela do meu coração, pessoa com quem fui um, pessoa a quem me entreguei.

Incomoda-me eu querer provar que o que eu tive foi mais do que a maioria dos outros tem, quando eu já sei que foi, e que isso seja considerado arrogante, quando eu apenas estou a tentar dizer a verdade do que eu sinto, a tentar reclamar de um direito.

Como seria lindo se houvesse maneira de medir o amor, e houvesse uma organização consagrada e reconhecida por todos, oficial e inequívoca, que distinguisse os amores maiores dos mais pequenos, e desse medalhas e troféus para os grandes amantes, de modo a que alguém pudesse dizer Bem, nem sabes, aquele gajo ali, teve em tempos um amor nível 7 por uma tal rapariga, e alguém pudesse responder Namorados nível 7? Foda-se, nunca conheci ninguém que tivesse amado tanto!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Mensagem recebida às 17:10 de uma amiga regressada ante-ontem da europa, ou As coisas Boas da Vida

" Adoro portugal..adoro lisboa :) as pessoas são limpa,bonitas e mesmo duma maneira simples, são sempre bem arranjadas..já vi tantos sorrisos hj, e gargalhadas pelas ruas :) bem..viajar faz-nos ver destas coisas "

Esfolei os joelhos a brincar com crianças na praia

Tenho sangue de criança nos joelhos.

Tenho a minha infância em crosta nos joelhos.

Tenho sangue da minha infância vivo nos meus joelhos. 

Tenho o meu sangue nos meus joelhos.

E afinal, é isto ser uma pessoa.

Estas crostas aqui vivas. E são iguais às de 1992 anos atrás.


domingo, 1 de agosto de 2010

A verdadeira faculdade de amar

está em amar sem precisar ser correspondido.



E a ainda mais perfeita capacidade de amar está em perceber quando não se é.

sábado, 31 de julho de 2010

Um amor

O milagre de, com tão pouco, termos feito tanto.

Hoje, restam disso apenas algumas marcas. Como acontece com o grande império de Alexandre. 

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Povos

Se é tão forte a experiência de Deus quando se é parte do balanço oceânico, quando somos embalados pelo ritmo natural, que é também o do nosso coração, o que pensar da religiosidade de um povo que todo ele é e foi entregue ao mar? Deste povo que vive em barcos?

Deus encontra-se em todo o lado. Mas quando o procuramos nos espaços entre as coisas e não nas coisas, Ele é mais fácil de achar, pois não temos as coisas para nos distrair.

Os povos que vivem entre as coisas, nas ligações, no mar, no céu, no espaço, no deserto, no vazio da montanha, nas florestas profundas, sempre foram povos de Deus. Pois fomos privilegiados no nosso ponto de vista.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O balanço também em nós

A diferença entre olhar o balanço do mar de fora da água - em que vemos mais, mas de um só ponto - e de olhar o balanço do mar dentro de água - em que vemos menos, mas o nosso ponto de vista é constantemente reajustado ao lugar novo que é o mesmo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O ritmo de Deus

não é o do mais profundo silêncio e imobilidade, embora esse nos possa fazer senti-Lo.

O ritmo de Deus é o balanço de quando nos entregamos sozinhos ao mar, e boiamos de acordo com a corrente. Onde o nosso parado passa a ser a cadência da vida.

E depois saímos para a areia como aquele embarcadiço que em terra andava segundo o sabor das ondas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O drama

A condição essencial para o drama é a verdade.

Porque a verdade é sempre conflitual. Quando está viva.

É esta a beleza do mundo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Não gosto de raparigas

Gosto de meninas. De moças. E de mulheres.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma mulher, a minha avó

Todo um gigantesco saber viver concentrado naquele guardanapo de papel sobre a tigela vazia na sala que esperava por nós em silêncio para que nela jantássemos.

domingo, 18 de julho de 2010

Viver para lá do amor

Vista do cimo do castelo de São Jorge, que nunca verás.

Que não verás e que por isso dentro de ti permanecerá para sempre de uma lindeza maior, um plano para sempre futuro.

Não foste a mulher que eu queria, foste a mulher que tinhas de ser

O nosso amor já morreu. Mas no meu pulso ainda não partiu a fita de quando fomos ao senhor do bom fim.

sábado, 17 de julho de 2010

Um amor

onde o corpo dela era as minhas mãos aprisionadas, a pedirem para sair e que eu tentava em vão arrancar delas mesmas.

Feitos para os outros

Somos feitos numa forma em que a capacidade que temos de fazer algo pelos outros é muito maior que a que temos de fazer algo por nós.

Por isso é muito mais produtivo quando todos ajudam os outros do que quando cada um se ajuda a si mesmo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

As obras e a pobreza

Os artistas levam ao limite essa característica humana transcendente que se manifesta quando olhamos para eles sem sabermos que eles o são - artistas - e eles se revelam aos nossos olhos como os seres mais ridículos do mundo, mas que depois, quando passamos a ter em conta a sua obra, faz com que fique claro que aquela pessoa para quem estamos a olhar é das pessoas mais incríveis que há.

Esta beatitude vem de as suas obras não terem como critérios o lucro (no sentido mais amplo da palavra).

Um artista só pode ser pobre. Porque a sua obra não tem preço.

sábado, 10 de julho de 2010

O lugar do outro

Numa conversa há aqueles que querem compreender o outro.

Há depois aqueles que estão mais interessados em corrigir o discurso do outro, em convencê-lo, em fazerem-se compreender a si mesmos, em superar o outro, em anulá-lo.

Como em qualquer relação. Há aqueles que querem sentir o que o outro sente. Viver o amor do outro e fazer desse amor o seu amor. E há os que querem obrigar o outro a compreendê-los, que querem que as suas exigências sejam atendidas, que o outro seja aquilo que eles querem.

Em tudo, há pelo menos duas maneiras de agir. A atenção ao que está fora de nós e a atenção ao que está dentro de nós.

Tentar compreender o outro ou tentar que o outro nos compreenda a nós.

Eu acredito que nos compreendemos a nós compreendendo o outro.

Para que serve estar com o outro se não for para o compreender? Sozinhos já estamos o resto do tempo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Aos que de nós nasceram com uma sensibilidade demasiado apurada, ou que, por outras palavras, não fecharam os olhos quando deviam

A sabedoria está com os que não olharam diretamente o sol.

Pois não deixaram de o fazer por cobardia,
mas porque a palpebra os fez fortes o suficiente
para conseguirem viver sem precisar ver a fonte da luz,
bastando-lhes aquilo que ela ilumina.

Aprenderam a confiar no sol
sem para isso terem de perder os olhos.
Pois deve haver sempre uma subtil película,
entre nós e os nossos sentimentos,
para nos permitir vivê-los.

Não é preciso ver toda a luz de uma só vez.

E por falar em cobardia,
haverá cobardia maior que a de não conseguir viver sem olhar diretamente o sol?

terça-feira, 6 de julho de 2010

A trágica escolha de uma vida

Vá lá senhora, chegou a hora.
Vá lá senhora, chegou a hora de escolher o seu par.
De escolher o seu par. Alguém para amar. Alguém para a amar.


Vá lá senhora, a hora é pouca.
Vá lá senhora, que o tempo esgota. Vá escolher o seu par.
Vá escolher o seu par. Alguém para amar. Alguém para a amar.


O sofrimento agonizante, sob o pavimento da escuridão.
Raparigas e rapazes, monumentos tão audazes.
Há azul na tua mão. Sangue inocente, palpitação.
Alegria, tradição, euforia, excitação, para escolher o seu par.
Para escolher o seu par. Alguém para amar. Alguém para a amar.



Uma grande banda é aquela que faz as canções que a nossa vida pede.

Vá Lá Senhora é a canção nova d'Os Golpes.

Manifesto II

Um outro nome para o calor?

Felicidade.

domingo, 4 de julho de 2010

Traição

Ele era um menino que não se importava de emprestar os seus brinquedos. Só não gostava que os outros os estragassem.

Todos aqueles legos, que outrora se ergueram tão altos, castelos firmes, com passagens secretas, com os seus cavaleiros com um dragão para cada um, ou a ilha dos piratas, que recebi no dia em que o meu irmão nasceu, ou as naves do planeta do gelo que demorei semanas a montar e com que brinquei um milhão de histórias, para enganar a solidão e que eram os meus únicos amigos, ou os caubóis, que já mais crescido, roubei no supermercado, abrindo as caixas e escondendo nas mangas do casaco, todos eles, despedaçados.

Isto é, não só desmanchados, mas com peças a faltar. Peças que nunca serão reencontradas.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O meu maior sonho?

Que o Brasil invadisse Portugal e nos libertasse da ocupação europeia.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Para mim o fado é um amigo

A maldição do fado só existe se acreditarmos nela.

Se, pelo contrário, acreditarmos no trabalho, seremos invencíveis.

Para mim o fado é um amigo, é a língua em que converso quando estou sozinho.

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Quando quebramos um compromisso com alguém,
não privamos o outro só de nós,
privamo-lo também de si.

Para que, como nós, o outro possa seguir em frente,
terá, como nós, de passar a acreditar um bocadinho menos em compromissos,
para que o sofrimento não o impeça de viver.

É aí que o privamos de si.
Levamos do outro um bocadinho de tudo aquilo que, nele, o fez acreditar no compromisso conosco.

sábado, 26 de junho de 2010

Sem medo

Entornar o caldo.
Assumir que se entornou o caldo.
Viver sem medo de entornar o caldo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O lugar onde acabam as dúvidas

A razão consegue lidar com aquilo que é racional.

Aquilo que não é racional, a razão destrói e transforma.




A vida não é racional.

A felicidade

de a poesia existir.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Flor

Há quem olhe uma Flor como um isco para propagar o pólen, mas há ainda quem saiba olhar o pólen como apenas uma desculpa para que possa, neste mundo, haver Flores.

As coisas são o que parecem

No dia em que descobri que aquilo que pensava ser a minha melhor qualidade é, afinal, o pior dos meus defeitos.

sábado, 19 de junho de 2010

Quem é o inimigo?

Há algum tempo atrás, no berço da civilização, todas as cidades estado se juntaram para combater Atenas, a mais forte de todas, porque ela tinha ambições imperialistas sobre os seus vizinhos. Grande foi a festa da vitória. Atenas em ruínas, os doces helénicos celebravam a fundação de uma nova Grécia, região de paz e prosperidade, agora que Atenas não ameaçava mais com a sua força.

No dia seguinte, os Turcos invadiram e conquistaram toda a Grécia. Aquilo que os povos helénicos afinal celebravam, sem saberem, era o fim da Grécia.

A coragem de viver de olhos a sorrir

Só pode ter a coragem de se atirar ao desconhecido da maravilhosa aventura da vida alguém que ame a Deus. Mesmo que não saiba que ama. Quantas vezes na vida amámos sem saber?

Porque é diferente saber que se há de morrer de ter a certeza de que se está a morrer.

Sem Deus não há forças para aceitar viver com esta certeza. Logo algo está mal. Mas com Deus, como se pode ter medo do que quer que seja? O pior que pode acontecer é sentirmos o doce e amigo amparo da mão d'Ele. A alegria e emoção de saber que nada nos pode acontecer se Lhe formos fiéis.

Saltemos então depressa, rumo ao desconhecido, rumo à coragem!

Não deixemos o medo convencer-nos a não Acreditar.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O gesto mais ousado de todos entre uma amiga e um amigo

Não é apalpar certas partes do corpo do outro no escuro,

É caminhar de mãos dadas na rua, ao claro.

A parte soculenta da fruta

Em Cabo Verde, nádega diz-se polpa.

Isto são pessoas que sabem tudo o que há para saber sobre anatomia.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Pedido sincero de desculpas

Peço desculpa a todas as pessoas a quem faço sofrer, diariamente, por ser quem sou.

domingo, 13 de junho de 2010

Deixar as emoções transformar-nos

Tentar não fechar nem formatar uma emoção que é livre - a ser vivida em transformação, aberta, e que ainda não se sabe para onde vai - em função de um preconceito, em função de uma ideologia.

Não tentar encaminhá-las, nem forçá-las. Deixá-las fluir e misturar-se umas com as outras e produzir um resultado transformador em nós. Não viciar o jogo. Não deturpar sentimentos. Nem recusar nenhuns.

Não se trata de nos deixarmos dominar pelas emoções. Trata-se de nos conhecermos melhor a nós mesmos, para justamente sabermos para onde queremos ir.

E mais ainda, não nos precipitarmos a transformar um sentimento, de uma situação, numa ideologia. Pois um sentimento de um momento, não é aplicável, enquanto ideologia, a qualquer situação.

Cada caso é um caso.

De como se processou a evolução para a felicidade

Naquele tempo, o capitalismo foi de uma grande audácia.

Percebeu que não se conseguiria manter só com os homens.

Depois de já lhes ter explicado que a vida no amor da família não era a felicidade, havia porém sempre a sua característica fraqueza que os puxava de novo para sentimetos irracionais.

Por mais que o capitalismo lhes explicasse que ter filhos era, para além de desnecessário, desagradável porque os impedia de pensar nos seus prazeres, havia sempre uma minoria menos apta para a evolução que não se deixava iluminar, e que estranhamente, influenciava muitos outros. O amor por uma mulher e uma família fazia-os perder tempo, tempo esse que deviam usar para o trabalho, para, através dele, rumarem à evolução.

Foi aí que o capitalismo percebeu que só poderia sobreviver através da correção desse defeito nas mulheres que fazia com que os prazeres por elas dados aos homens superassem os oferecidos pelo capitalismo.

Explicou então às mulheres que elas eram maltratadas, injustiçadas e discriminadas por não serem homens.

As mulheres, nas quais o capitalismo criara há muito necessidades enormes de consumo - técnica através da qual tinha conseguido que os homens trabalhassem, pois as necessidades materiais das mulheres obrigavam os homens à riqueza se as quisessem manter - perceberam que o capitalismo tinha razão, que tinham de ser elas a sustentar as suas necessidades de prazer, pois os homens não o faziam na perfeição.

Foi assim que o capitalismo melhorou as mulheres.

Os resultados foram magníficos, pois resultaram na duplicação da mão de obra disponível, o que permitiu ao capitalismo multiplicar várias vezes a sua velocidade evolutiva e um aumento exponencial do lucro.

Mas houve, como sempre, uma reacção contra-evolucionária.

Com a sua habitual fraqueza, os homens sentiram-se perdidos. Não tinham mais as mulheres para nelas depositar o seu sentimento irracional. Logo, não tinham pelo que trabalhar, pois os prazeres que os motivavam, tinham agora desaparecido.

O capitalismo não tinha, naquele tempo, previsto que a fraqueza masculina fosse tão grande. Mas também para isso encontrou uma solução.

Lembrou aos homens as dificuldades de manter uma mulher. As zangas, as chatiçes de ter de aturar alguém que não é igual a nós. Alguém que não compreendemos, alguém que exige tempo que deve ser gasto no trabalho para a evolução.

Os homens, que depois de tanto tempo, já não se lembravam bem do que era uma mulher, perceberam finalmente que o esforço não compensava, e que a felicidade era sim encontrar alguém igual a eles, outro homem, que os compreenda, de modo a que possam ter mais prazer com menos esforço.

As ex-mulheres, que nesse tempo já odiavam os homens, ficaram felizes ao saberem que estes iam desaparecer e não as iam impedir de se amarem entre si, e tornaram-se grandes defensoras dos ex-homens, pois eles garantiam também a sua posição de ex-mulheres.

Os ex-homens e as ex-mulheres, tornados assim cada vez mais idênticos, venceram desta forma os homens e as mulheres e completaram a evoução capitalista, tornando-se super-homens e super-mulheres.

Os super-humanos viveram assim felizes para sempre. Fazendo sexo entre si, trabalhando muito para garantir que os prazeres eram o mais satisfatórios possíveis e nunca desapareceriam, já que, como a ciência tinha feito deles imortais, durariam para sempre.