terça-feira, 30 de setembro de 2008
Histórias do Verão III
O meu amor por dançar já vem de muito longe. Mesmo assim, só este ano venci o preconceito de ir a São Pedro do Sul. Desiludido com o Sudoeste massificado, com um Paredes de Coura desinspirado, com o Vilar de Mouros já morto (imagino que ter deixado de haver festival não impede os festivaleiros da velha guarda de continuaram a ir - acampam e montam um rádio com leitor de Mp3 e tá feito o festival, que vive é das pessoas - era o que eu faria, mas eu não sou da velha guarda - não me sinto velho nem tenho nada para guardar), com um Super Bock Super Rock que é um evento de propaganda (acho que para o ano se vai chamar só Super-Bock-Feira-da-Cerveja para realçar o que interessa) e porque o Oeiras Alive! é em Lisboa e a graça do Verão é acampar, lá fui eu com o Bruno para o Andanças. Os dois pela primeira vez.
Admito que a verdade é que nunca lá tinha ido - entre outras razões - por medo dessas criaturas perigosas: os friques. Tinha medo que me obrigassem a usar túnicas, ou que fosse preciso ter rastas para poder entrar. Ou que não houvessem casas de banho, ou até que à entrada fizessem algum tipo de teste ou charada para tirar a limpo se eu era frique ou estava disfarçado - um teste tipo obrigarem-me a fazer um ritmo no djembé com os pés - e que eu não fosse capaz e tivesse de voltar para Lisboa.
Não só vim a descobrir que não fazem nenhuma destas coisas, como que, de todos os festivais de Verão a que já fui no nosso Portugal, este é o melhor. Isso mesmo, o melhor. O que tem menos friques, o mais repousante, aquele em que vi menos drogas, o mais higiénico e aquele em em que vi mais pessoas bonitas e aquele em que me diverti mais. Incrível não é? Todos estes anos enganado.
Estávamos lá há um dia e, na manhã de Sábado, porque ainda era muito cedo para dançar, eu, o Bruno e duas amigas nossas (uma delas completamente nova, outra um feliz reencontro daqueles que me faz amar portugal - uma colega minha da escola primária, dois anos mais nova que eu e que nestes praí catorze anos que estive sem a ver se tornou numa bela e adorável pessoa) fomos andar. Queríamos descobrir as famosas cachoeiras de São Pedro do Sul.
Atravessámos uma pequena e linda floresta e chegámos. O silêncio da Natureza. O repouso da água a escorrer, em misteriosas correntezas que se perdiam entre as pedras e árvores e outras plantas. A cachoeirinha estava vazia àquela hora, com uma exceção. Uma elegante moça, de pele morena, de bikini, completamente nua da cintura para cima que, estendida numa toalha numa rocha no alto da cachoeira, nos olhava como uma deusa marinha. Como pareceu tolerar a nossa presença, mergulhámos. Subimos as rochas. Vimos borboletas e pequenos insetos voadores, alguns azuis, outros vermelhos, nunca antes vistos. Molhádos de água doce vimos cabras a pastar à nossa volta. O cheio fantástico da erva e dos bosques. O quente do Sol no corpo. Inspirámos fundo o oxigénio em bruto que brota da terra. Ficámos felizes. Não há nada como a Natureza. E a moça sempre ali, a olhar para nós a fingir que não olhava e nós para ela.
Desejámos a Natureza e o nosso desejo foi concedido. Como se tivéssemos atravessado uma fronteira de um bosque encantado, a dado momento, começaram a chegar pessoas. Chegou um rapaz. Chegou uma rapariga. Tudo bem. A certa altura chegou um rapaz, magro e de cabelo comprido igualzinho a este, e banhou-se exatamente assim como esse se banha na fotografia. E aí sim, a cachoeira desaguou realmente na Natureza dele e fez os nossos calções de praia parecerem umas coisas rídiculas e tão sem graça como se fôssemos uns turistas - que éramos - que tendo oportunidade de provar a excecionalidade da Naturza, preferimos provar uma espécie de versão higeanizada de plástico, um MacDonalds da vida campestre. Uma monstruosidade quase tão aberrante como fazer sexo com preservativo. E a menina de peitos desnudos sempre a olhar a cena toda, lá do alto da sua cachoeira.
O rapaz nu da nossa história, que era uma espécie de Jesus Cristo que gostava de ter sido o Mogli, escalou a rocha como quem a farejava e foi sentar-se ao lado da nossa rapariga semi-nua, que consentiu, sorrindo enigmáticamente (de notar que o rapaz não se sentou na rocha sem antes limpar o assento com um ramo cheio de folhinhas que arrancou de um arbusto). O Sol brilhava e as borboletas pousavam nos ombros deles e nos nossos e toda a gente era feliz.
Enquanto isto se passava, estava eu a fingir que a cena não era nada de especial e a mostar as cabrinhas tão giras a pastar à minha colega da escola primária - tentando por segundos desviar o olhar de Adão e Eva - quando vindo não sei de onde salta de trás de um arbusto - literalmente de trás de um arbusto - uma espanhola completamente nua a passear dois cães que corriam soltos à volta dela (os Espanhóis têm este jeito caraterístico de entrar em cena). Logo saltou de trás de outro arbusto o seu par, um rapaz também nuzinho como ela que gritava Javíííí, javíííí ou outra espanholada qualquer. Enquanto eu e a minha amiga continuávamos a figir que aquilo não era nada de mais, na outra ponta, onde estava o Bruno e a nossa outra amiga, surge outro grupo, de pessoas loiras e nuas, que o Bruno mais tarde me disse que tinham formas muito interessantes. Já era tarde e deu-nos imensa vontade de ir dançar.
Escusado será dizer que, desde a primeira moça de peito moreno à última loira, tive vontade de me despir e nadar nu pelo lago e pela cachoeira. Não o fiz mas está para breve a iniciação ao nudismo. Mas escrevi isto tudo até aqui nem foi por isso. Foi porque, há duas horas atrás, estava no comboio a caminho de casa e, à minha frente estava sentada a rapariga desnuda da cachoeira.
Muito mais feia. Nem uma gota do brilho e tensão sexual que inspirava no cimo daquela cascata. Só feiura, e ainda por cima uma feiura banal. Ali, vestida com umas roupinhas da feira, roxas e com uns folhos nas alças, uns óculos de Sol grandes de mais para a forma da cabeça dela que lhe ficavam péssimos e umas calças pretas muito cafonas, em condições normais nem teria reparado nela. Sentei-me ali a pensar Já te vi praticamente nua a tomar banho numa nascente. Penso que ela não me reconheceu (afinal, havia outras coisas a chamar mais a atenção naquela manhã de Agosto). Saiu na Amadora. Quando se levantou para sair, como eu já estava com a atenção predisposta, aí sim, vi-a de costas e, na justeza das calças, era mais que possível intuir aquele corpo fulgurante que eu já tinha visto.
Acho que se andássemos todos nus, passariam a ser completamente outras as pessoas do nosso dia a dia que consideramos atraentes, bonitas ou sexys. Certas raparigas que parecem mais gordas vestidas que despidas (basta ir à praia com elas para saber) passariam a ser mais apreciadas, assim como as que não sabem escolher roupa. Por outro lado, as meninas sem sal mas com bom gosto ficariam a perder. Quanto nos engana, formata, tipifica e estereotipifica a roupa que usamos!
Assim não surpreende que aquela rapariga se tivesse despido naquela manhã de Verão. Ela sabe bem como é que o corpo dela fica melhor. Quem sabe, o que a leva a despir-se até é o desejo inconsciente de se ver livre das suas roupas horríveis. São as pessoas mais próximas da natureza, mais selvagens. O certo é que nunca mais vou voltar a olhar para uma rapariga muito mal vestida da mesma maneira.
Apercebi-me o quanto estamos todos tão ligados. Invadimos os silêncios e entramos na cabeça uns dos outros pelas mensagens, já vimos nus os nossos vizinhos no comboio, vivemos todos nos mesmos lugares sem sabermos.
A vida é um sem fim de andanças cruzadas.
Ir a São Pedro do Sul no Verão pode ser como vislumbrar um bocadinho de um mapa qualquer do mundo do resto do ano.
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
O nosso mundo
Talvez isto seja a essência de muitas problemas modernos. Não só das depressões. Hoje em dia, com tantos mundos alternativos onde viver - sejam o mundo da publicidade com pessoas com corpos esculturais, seja a internet onde todas as relações são fingidas - as pessoas ficam desfasadas da realidade e começam a viver em função de um mundo que não existe. Assim tornam-se incapazes de interagir no mundo real, que não conhecem.
Enquanto não for possível viver só nos paraísos artificiais, vai ser sempre preciso sair à rua.
A solução de um problema está sempre contida nele próprio. Como numa equação matemática. A solução já lá está. É só resolvê-la. A solução para quem tem medo de sair de casa é sair de casa. Problema resolvido.
domingo, 28 de setembro de 2008
Histórias do Verão II
Estava a cantá-la numa versão mais próxima da do Jeff Buckley que, adolescentes nos anos 90, a Catarina e eu, inevitavelmente conhecemos primeiro que a original. Estava a cantar baixinho (que é o nível máximo do respeito que conheço) acompanhado pelas ondas.
Com a cultura de massas, a televisão, a internet, a rádio, tudo a tocar ao mesmo tempo, as pessoas sempre a falarem, tanto nas lojas como na escola, como no trabalho, uma palavra não tem mais o valor divino que lhe é natural. Tudo é fugaz. Deixamos de ter atenção às coisas porque as coisas vêm direcionadas por nós. Tudo vem com instruções, soluções e previamente interpretado, estilo batatas pré-fritas congeladas. Já não aprendemos a interpretar. como não aprendemos a cozinhar. Já não sabemos por a atenção nas coisas para ver onde está a essência. Se não soa alegre não é alegre. Não há tempo para prestar mais atenção. Somos a pior geração de detetives da história. Não admira que ande toda a gente à nora à procura das causas e dos sentidos de tudo. Não é o nosso mundo no século XX que está um caos, as nossas cabeças é que estão.
E agora a canção que tem na letra a resposta a todo o problema deste meu post. E haverá alguma felicidade mais absoluta que a de encontrar a Fé numa mulher?
Podemos dizer
Now I've heard there was a secret chord
That David played, and it pleased the Lord
But you don't really care for music, do you?
It goes like this
The fourth, the fifth
The minor fall, the major lift
The baffled king composing Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Hallelujah
Your faith was strong but you needed proof
You saw her bathing on the roof
Her beauty and the moonlight overthrew you
She tied you
To a kitchen chair
She broke your throne, and she cut your hair
And from your lips she drew the Hallelujah
Baby I have been here before
I know this room, I've walked this floor
I used to live alone before I knew you.
I've seen your flag on the marble arch
Love is not a victory march
It's a cold and it's a broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
There was a time you let me know
What's really going on below
But now you never show it to me, do you?
And remember when I moved in you
The holy dove was moving too
And every breath we drew was Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
You say I took the name in vain
I don't even know the name
But if I did, well really, what's it to you?
There's a blaze of light
In every word
It doesn't matter which you heard
The holy or the broken Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
I did my best, it wasn't much
I couldn't feel, so I tried to touch
I've told the truth, I didn't come to fool you
And even though
It all went wrong
I'll stand before the Lord of Song
With nothing on my tongue but Hallelujah
Hallelujah, Hallelujah
Este post é dedicado à Catarina, que é das pessoas que conheço com melhor gosto musical. Esta versão é só para ela e talvez eu devesse ter tentado cantá-la assim. Eu sei que ela gosta. À anos 00. O erro foi meu, eu é que estou desatualizado, Catarina, desculpa.
Linhas tortas
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Partilhar a solidão
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
A geração está em festa
Era de tarde e era uma tarde como só em Lisboa pode haver. E eu estava a trabalhar, descansado.
Subitamente ouve-se ao longe um som grave indistinto. Não pára. Começa a aumentar de volume. Parecem explosões, gritos. As pessoas para quem trabalho, mais velhas que eu, olharam para mim assustados incapazes de achar explicação. Mas não ficaram muito tempo com essa expressão. Deu logo lugar a um sorriso condescendente quando lhes disse a explicação provável contemporânea para a algazarra. Devem ser as praxes.
E foi assim que fomos para a varanda ver desfilar a minha geração.
Umas centenas de pessoas, ora vestidos de capa e batina preta, ora de t-shirt branca com a cara pintada e os cabelos enfarinhados, seguravam com uma mão uma cerveja e com a outra um estandarte - como as legiões romanas fizeram outrora - em que estava escrito o nome do seu curso. Urravam. Gritavam as iniciais dos cursos com a energia com que gritariam gritos de guerra. Com um ar sério, os mais velhos tentavam coordenar esta multidão de hooligans com os cérebros temperados em álcool, que disfarçados de estudantes, marchavam não pela rua, mas pelo passeio.
A minha geração sente-se rebelde. Mas que rebeldia é esta que não ousa sair do passeio? Que pára na passadeira? Que avisa a polícia que vai manifestar-se e, pior, manifestar-se sobre nada? Que revolução de vida é essa em que do outro lado da rua as mães, amorosas, fotografam, num comovente esforço de registo da infância interminável dos filhos?
Estes pequenos rebeldes estavam bêbados demais para perceberem que estavam numa festa de aniversário enorme, em que eles, criançada, foram postos para correrem um bocado até se cansarem. É que os meninos, quando ficam grandes, requerem brincadeiras cada vez mais dispendiosas. O Estado paga, pois é preciso divertir estes meninos grandes. Que sorte a deles. Noutros regimes seriam mandados para a guerra. E é assim que em 2008 se gasta a energia que há. Não a melhorar o mundo ou na construção de algo para partilhar com os outros. Gasta-se inconsequentemente. Mas quem sou eu para julgar. Talvez o mundo já esteja tão perto da perfeição que nos possamos dar a estes luxos.
Os recém-licenciados queixam-se de não terem emprego. Se isto faz parte de se tornar licenciado, eu se tivesse uma empresa também não lhes dava emprego.
Nada disto me importava se eu não tivesse de partilhar o mundo com eles. E pensar que daqui a uns anos os filhos destas pessoas vão ser colegas dos meus filhos na escola.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
O Amor verdadeiro
Como diz um extremamente sábio amigo meu a que decido que vou chamar Rafael neste blogue, as pessoas só sentem a fé se aprenderem a exercitar o músculo da fé de pequeninas. Ao Rafael ninguém ensinou e por isso ele não consegue. Uma espécie de capacidade telepática que tem de ser aprendida como quando se aprende a andar ou a falar, na altura certa. Eu sou como ele. Nunca aprendi a fé, como muitas pessoas nos dias de hoje parecem também não ter aprendido, ao contrário de muitas outras. Mas percebo de onde vem, e percebo a sua força. Digamos que se me concentrar, até consigo imaginar como é senti-la. Sentir que a estou a sentir mesmo sabendo que não é a verdadeira. Não tenho os instrumentos humanos que preciso para chegar a deus.
Passa-se exatamente o mesmo com o Amor. Há muitas pessoas que não acreditam no amor. Provavelmente nunca o sentiram. Eu, como um bom e devoto praticante, tenho pena dessas pessoas. Eu acredito no Amor e sei que existe. Mas aprendi-o de pequenino, com um fabuloso primeiro amor. Coitados dos que não tiveram essa sorte.
Até à chegada do romantismo, a ideia de amor não existia. Possivelmente os sentimentos estavam lá, como uma espécie de patologia, mas não eram estimulados nem aprefeiçoados. Como diz Don Draper em MadMen: O Amor foi uma coisa que nós (os publicitários) inventámos para vender papel higiênico. Se estivesse eu à mesa com ele nessa cena e não aquela bela judia, ter-lhe-ia respondido A partir do momento que inventaram Don, eu passei a acreditar. A partir do momento em que o inventaram, passou a existir.
Já pensaram na quantidade de sentimentos fantásticos que podem estar escondidos dentro do nosso potencial humano e que ainda não descobrimos? Que aprendidos e treinados na idade certa se revelarão até à idade adulta, mas que em adulto são impossíveis de auto-estimular? Que maravilhas andarão escondidas! Telepatia? Capacidade de levitação? Quem sabe. Mas sobretudo interessa-me pensar Qual será o próximo sentimento a ser descoberto? Qual nos fará passar para uma nova era, tal como passámos da era da Fé para a era do Amor?
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Uma ida ao Lux
A primeira vez que fui ao Lux foi com uma ex-namorada, que era grande fã do lugar e até era amiga de um porteiro. A segunda foi numa festa do meu curso. A terceira numa Pecha Kucha em que a Madalena ajudou à organização. Esta vez foi a quarta. Poucas vezes, para alguém que se alimenta das coisas da vida, que gosta da noite, da boemia, de dançar, de festas, de pessoas. Porque fui lá tão poucas vezes então?
Eu não sou sovina, mas tenho noção do valor do dinheiro. (Que eu saiba não sou descendente de judeus, mas curiosamente a maioria dos meus ídolos são - o Leonard Cohen, o Bob Dylan, o Billy Wilder, o Woody Allen, o Chico Buarque. Quem sabe sou descendente de Cristãos Novos. Essa ofensa que o Marquês de Pombal baniu com a punição de chicotadas nas costas para o povo, perda de bens para o clero e perda dos títulos para a nobreza. Tudo pela unificação da nação e do seu povo. Grande Marquês.).
Tenho noção do valor do dinheiro e julgo que 12 € de mínimo à entrada é muito para aquilo que a suposta melhor discoteca de Lisboa oferece.
Subi as escadas com as mãos nos bolsos e um cigarro imaginário na boca. Cheio de estilo portanto. Sentei-me com as pernas esticadas num daqueles sofás-cama que estão espalhados por todo o primeiro andar, que parecem ter sido comprados na feira da ladra e que além disso são desconfortáveis (o encosto é a grade de uma cama e as almofadas são uns rolos que não dão jeito para nada). Mas o meu estilo era tal que até os sofás-cama pareceram giros.
Um empregado veio ter comigo e perguntou-me o que queria tomar. Pedi um Martini com uma pedra de gelo. O Martini voltou com a conta. 6 Euros. Eu já sabia o preço porque da terceira vez que lá fora tinha perguntado e o choque da resposta tinha-me durado até àquela noite (e ainda não passou). Passei-lhe uma nota de 20 €. O rapaz responde-me não tem mais pequeno? É que não temos trocos.
Sem mecher a cabeça, levantei o olhar devagar e subtilmente para ele. Tive vontade de dizer Preços altos, notas altas, mas não disse. Disse-lhe Não.
Afinal tinham trocos. Quando chegou levantei-me. Fui passear pelo lugar. Vi coisas como dois empregados a arrastarem com os pés uma mesa baixa onde os clientes põem as bebidas e a subirem para cima dela com os pés para mudarem as lâmpadas de um candeeiro todo estiloso. Estiloso o candeeiro, mas não os modos deles. Tive também a oportunidade de reparar nos ténis sujos e feios de uma empregada, que ainda por cima usava umas rastas muito feias a cair pelas costas. Uma frique a servir no lux. O mundo está mudado pensei. Mas o toque final de charme ainda estava por vir. Entre as pessoas, tive a sorte de ver um segurança pegar numa das almofadas compridas e brincar com ela simulando um enorme falo que insistiu em abanar para cima e para baixo até me ver a olhar para ele o ter pousado.
A Marta e a Madalena chegaram e fomos dançar. Se a música não era muito o meu estilo, até era boa. O mesmo não se podia dizer dos dançarinos. A noite de Lisboa são crianças de 16 aos 18 anos - os únicos cujos pais podem pagar estas brincadeiras - e turistas ridículos que, bêbados, montam o seu próprio circo de aberrações no meio da pista.
Poder-se-ia pensar que eu dar importância a isto tudo faz de mim uma pessoa pretensiosa, elitista, um snob, o que se quiser chamar. Não penso assim. Há uns dias vi na televisão um documentário sobre uma organização de apoio humanitário em África, a AfriKids. Nele contaram uma história de uma senhora que, sozinha, toma conta de umas trinta crianças órfãs, financiada pela AfriKids. Nunca deixou morrer nenhuma, menos num dia, em que faltou o dinheiro para medicamentos. Nesse dia, ela correu toda a aldeia à procura de alguém que lhe pudesse dar o dinheiro e ninguém deu. Ninguém tinha. Juntou as poupanças, mas não chegavam. Tentou vender coisas mas não conseguiu juntar o dinheiro que era preciso. Os medicamentos que a criança precisava eram muito caros. Custavam cinco cêntimos de euro.
Pelo preço da vida de 240 crianças africanas, espero bom divertimento.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Uma frase que mudou a minha vida
- Wilhelm Stekel
Sobre Sobre o Elogio ao trabalho
domingo, 21 de setembro de 2008
Sobre o elogio ao trabalho ou O Homenzinho Português
Basta ser português para saber que a maior ambição de um português normal é trabalhar o menos possível (felizmente a nossa História é feita de muitos portugueses anormais, os melhores - mas isso é para outro post). Os estudos comprovam-no. Parece que no último semestre, a produtividade dos portugueses voltou a descer.
Diz um amigo meu de há muito tempo, com grande sabedoria - vamos chamar-lhe, para fins deste blogue, Roberto - que só em Portugal se ouve aquela frase fantástica Hoje tive o dia todo sem fazer nada! (seguida de um esfregar de mãos) como se isso significasse que se teve um dia fantástico. Sublime. Um dia invejado por todos. O dia perfeito. E o pior é que é realmente invejado. Fui para o Brasil, estive lá 12 dias na praia, sem fazer nada! Foram os melhores dias da minha vida ou então Epá, hoje quando chegar a casa, não vou fazer nada!, por exemplo, são normalmente seguidas de um coro que canta que sorte, quem me dera.
Os homens que dizem isto são homens pequenos e é exatamente por não trabalharem que o são.
Os homenzinhos portugueses não tem a coragem de sofrer trabalhando. É por isso que face à mais pequena contrariedade, o homenzinho português desiste, se desmotiva, entristece. É por isso que é capaz de sofrer com uma coisa como o Futebol. O homenzinho português não está treinado para sofrer. Pelo contrário. Desde petiz, o português é treinado por suas mães e seus pais a não trabalhar. Como é dura a vida, que faz com que tenhamos de trabalhar para sobreviver, pensa o português adulto, que já descobriu a verdade, e acrescenta Vou dar aos meus filhos a maior felicidade da vida enquanto podem tê-la, enquanto são pequeninos, pois não quero que sofram. E o que faz o homenzinho português? Dá tudo ao filho e cultiva a preguiça no seu rebento. Quando chegamos à adolescência, somos profissionais no descanso. E se dormir fosse modalidade olímpica, eramos uma potência.
A preguiça é a causa direta da nossa infelicidade crónica portuguesa. Nem estou a falar em trabalhar para melhorar a nossa situação económica, ou cultural, ou social. Isso é óbvio. Estou a falar de como é impossível que um homemzinho seja amado por uma mulher. Não, o homemzinho português tem de ser amado por uma Mulherzona. Alguém duvida que é por isso que tantas mulheres portuguesas são tão brutas, tão amargas, tão entristecidas, tão amassadas da vida? Alguém ainda não se apercebeu que é por isso que têm de se transformar em camiões, tanques de guerra humanos, frios, que levam tudo à frente e gritam e são agressivas? É precisamente por isso e por mais nada. Tudo bem para o homemzinho, que gosta de mulheres assim. Mas não para os homens.
Não podemos dizer que as mulherzonas não têm culpa de ser mulherzonas. A educarem os seus filhos como homenzinhos, mimados e atrofiados, e a educarem as suas filhas como quem treina cães de caça, não conseguem quebrar o ciclo. Mas a culpa é só indireta, porque se reflete na geração seguinte. Quem pode quebrar o ciclo, na hora, no segundo, são os homens (este parágrafo pressupõe a coisa óbvia que é os homenzinhos não serem capazes de educar ninguém).
Eu acho bem que as mulheres trabalhem, e não é isso que faz delas mulherzonas. O trabalho é só condição da vida. O que faz delas mulherzonas é não terem em casa um homem que seja capaz de lhes dar segurança e proteção. Um homem que sintam que é mais forte, que já sofreu mais que elas, que aguenta mais que elas. Um homem capaz de as abraçar com honra de ser um ser superior, não a ela, mas superior àquilo que já foi, superior à criancinha que era, superior ao homemzinho que era. Não há destes por aí. Não há nas casas, mas também não há na rua, nem nos bares ,nem nas praias, nem nos locais de trabalho (existem alguns locais de trabalho em Portugal, ainda em período experimental).
Já ouviram falar no mito de que as mulheres israelitas são as mais bonitas do mundo? Parece que é mesmo verdade. Não sei se já ouviram falar no mito de que os judeus são uns trabalhadores gananciosos e obsessivos como um raio. Já?
Este post é dedicado ao Roberto, que sabe quem é.
sábado, 20 de setembro de 2008
Elogio ao trabalho
Ontem percebi exatamente porque o trabalho é a essência da civilização. Obviamente que sem trabalho não há casas, nem roupas, nem comida, nem pontes, nem Centros Comerciais. Mas essencialmente não é nisso que estou a pensar.
Estou a pensar em como o trabalho reduz o apetite sexual. Uma verdade absoluta. Ontem quando cheguei a casa, depois de umas semanas de oito horas de trabalho diárias consecutivas, senti que não há apetite que resista. Quer-se descansar. Quer-se dormir. É por isso que toda a boa mãe sabe instintivamente que só um homem trabalhador dá um bom marido. Não é só porque traz comida para casa. É sobretudo porque mais dificilmente será infiel. Não será infiel nas oito horas em que trabalha, nem nas duas que demora a ir para o trabalho e a voltar, nem nas duas reservadas para as refeições, nem nas duas que servem para ir às compras, nem nas outras duas que servem para cuidar da casa, nem nas últimas oito em que tem de dormir. E o melhor de tudo é que não terá vontade de ser.
E tudo encaixa na perfeição a partir daí. Foi este equilíbrio que permitiu que houvesse o casamento. Controlada a sexualidade, o que há de mais triste que chegar a casa depois de um dia de trabalho e estar sozinho? Tudo o que esse homem deseja é ter alguém de quem goste à sua espera. Arranjou-se um modo ideal de garantir isso. Como também não se pode passar demasiado tempo junto, entre duas e quatro horas, quando não se está nem a trabalhar nem a dormir, são o ideal.
E é assim que quanto mais trabalho há, menos sexo há e menos filhos há. É por isso que ter muitos filhos é olhado como algo pouco civilizado. Quem não trabalha tem muito tempo para fazer filhos e para os criar. Quem trabalha já tem trabalho. Há filhos também, mas menos.
Não pensem que me estou a queixar. Há algo de sublime no sofrimento e cansaço que o trabalho provoca. A sensação de que estamos gastos, vazios. Uma sensação que, também com muito trabalho, penso que os religiosos tentam alcançar. Estar estafado de trabalhar é uma experiência religiosa em si mesmo. E quem sofre aprende com a experiência e ecresce. Quem sofre aprende. Trabalhar é aprender a viver, é aprender a sofrer. Como diz o nosso Chico em Tem Mais Samba:
Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer
Assim é. Porque há coisas que só se fazem bem se se tiver trabalhado, se já se tiver sido desgastado, amassado. As coisas da vida. Como são bonitas duas pessoas sofridas a dançar, duas pessoas sofridas a dormir abraçadas, pessoas que têm sofrimento em si para a libertar cantando, para libertar criando Arte, para se libertarem e tornarem as suas almas numa coisa maior. Uma civilização interior. Para se tornarem grandes. Grandes pessoas humanas.
E o grande problema de Portugal é que as pessoas fazem tudo para evitar o sofrimento. E como não sofrem, não crescem. Como não crescem, continuam a sofrer na mesma, porque não sofrer é impossível, mas sem a recompensa do trabalho, sem a recompensa não só material, da construção, mas sobretudo a recompensa espiritual. A recompensa espiritual de ter expandido a caixinha do sofrimento e, assim, cada tristeza da vida passar a custar menos a suportar, por termos expandido a nossa capacidade de armazenamento.
As pessoas têm o direito a sofrer, mas não sabem. Quem não sofre, trabalhando, amando, fica a perder. Tudo o que faz parte da vida é para ser vivido. Se não se viver na altura certa, viver-se-á mais tarde de outra forma, talvez muito mais desequilibrada. Porque como dizia nas suas lições o Mestre Zen do Tiro com Arco em O Zen e a Arte do Tiro com Arco: Quem procura um princípio fácil, encontrará necessariamente um fim difícil.
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Regresso ao futuro
Canção para alguém que não sei quem é
Gostava de dedicar esta canção do meu músico favorito de todos os tempos à minha futura namorada, que não sei quem é, mas que andará necessariamente por aí na Terra. Se ela se reconhecer nesta canção, por favor avise.
Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.
Chico Buarque
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Dar é preciso
Quem tiver amor para dar, dá-lo-á.
Se não conseguir dá-lo à pessoa que ama, dá-lo-á a outra pessoa.
É demasiado avassalador para estar guardado.
Quem não ama ninguém, nunca tem amor para dar.
Mas quem ama, induz em erro e faz com que o amem, mesmo quando aquele amor era para outro.
É por isso que é tão fácil ter amantes e tão difícil ser correspondido.
É que quando o amor está nos outros, conseguimos vê-lo.
E o amor é cobiçado.
Não devemos tentar guardar o amor.
É uma batalha duplamente perdida.
Nada é mais democrático que o amor.
Quem recebe volta sempre para dar.
Um dia apareceram umas pessoas que quiseram regular o mercado.
E não se podia dar a toda a gente, passou a ser preciso fazer reserva.
O amor estava contado e registado e até se cobravam taxas.
Foi preciso redistribuir artificialmente o que já estava naturalmente organizado.
Começou-se a quantificar.
E o valor do amor passou a ser medido ao ciúme.
E cobrou-se em vez de se dar.
E emprestou-se em vez de se receber.
E não mais se trocou.
Nunca mais floresceu selvagem aquilo que sempre foi nosso só por existir.
Passou a ser cultivado, destilado e empacotado.
E foi preciso inventar embalagens novas para o que antes andava à solta,
Novos nomes para os produtos complexos.
Novas maneiras de fazer o que sempre se fez.
Teve de se desaprender de como dar para poder comprar.
E é por isso que hoje nem todos têm.
Porque já não se dá, só se guarda.
E há cada vez menos.
Aviso à navegação através do tempo
Escola da vida
Sobre a amizade
Sobre a arte de dormir e o sonho e a cidade
Sobre a arte de dormir e a esquerda e a direita
O elogio do sono poderia ser interpretado pela esquerda como preguiça de um jovem favorecido de direita que não sabe o que custa trabalhar e ao mesmo tempo como um grito por socorro de um trabalhador da classe inferior explorado pelo capitalismo. A direita por seu lado, iria chamar-me preguiçoso relaxado de esquerda que não sabe que a vida custa graças ao qual a economia não cresce, ou podia ver nisto um exemplo de alguém que encontrou uma solução para como viver de forma saudável ou seja, como um dos seus.
Gostar de dormir faz de mim uma pessoa de direita ou de esquerda?
Para já, acho que faz de mim uma pessoa.
Como já disse antes, pessoas de esquerda e de direita a dormir abraçadas chegariam a conclusões bem mais claras.
A arte de dormir
Estranho paradoxo, que com a entrada na adolescência tenha começado a ser conhecido por dormir muito. E também por ser bem disposto e otimista. Nos últimos anos cheguei mesmo a ser apontado como exemplo de pessoa feliz.
Recentemente, comecei a trabalhar mais e tenho podido dormir pouco. Para algumas pessoas isto não será nada de especial, mas eu noto que fico incrivelmente mais mal disposto e chato para as outras pessoas. Sem paciência para ninguém. O meu sentido de humor quase desaparece. E todos sabemos que sentido de humor é sintoma de inteligência.
Será que é a falta de sono na nossa civilização - em que cada um tem de trabalhar no mínimo 8 horas por dia - a causa da má-disposição e pessimismo geral da grande maioria das pessoas? De eleições em que ganham políticos pessimistas? Das discussões familiares constantes? Da insatisfação? Do ódio?
Todos devíamos dormir pelo menos 10 horas por dia abraçados a alguém de quem gostamos. Se toda a gente fizesse isso, o mundo seria um lugar muito mais simpático. Menos evoluído, mas muito mais simpático.
Pena que os países latinos estejam a desaprender a arte da preguiça, a arte do descanso. Era um grande contributo que podíamos dar ao mundo. Naturalmente, o trabalho esmaga a preguiça e está a fazê-la desaparecer. O trabalho é ativo, o descanso é passivo.
Mas talvez esteja na hora de uma nova ofensiva do descanso, essa essência do ser humano. Urge inventar o descanso-ativo.
Países latinos - ao trabalho!
(ou melhor, ao descanso)
terça-feira, 16 de setembro de 2008
O Sonho e a Cidade
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Sobre ter
Ter
domingo, 14 de setembro de 2008
Coisa boa #3
Acordar cedo.
N'O livro das coisas boas
Era uma vez, na Cinemateca
sábado, 13 de setembro de 2008
Bairrismo pós-moderno
O mundo real
O Mistério dos Olhares
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Três coisas que fazem as raparigas menos bonitas
Mais uma pedra
Rock Bottom Riser
I love my mother
I love my father
I love my sisters, too.
I bought this guitar
To pledge my love
To pledge my love to you.
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I saw a gold ring
At the bottom of the river
Glinting at my foolish heart
So my foolish heart
Had to go diving
Diving, diving, diving
Into the murk
And from the bottom of the river
I looked up for the sun
Which had shattered in the water
And pieces were rained down
Like gold rings
That passed through my hands
As I thrashed and I grabbed
I started rising, rising, rising
I left my mother
I left my father
I left my sisters, too
I left them standing on the banks
And they pulled me out
Of this mighty, mighty, mighty river
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I am a rock bottom riser
And I owe it all to you
I love my mother
I love my father
I love my sisters, too.
I bought this guitar
To pledge my love
To pledge my love to you
de Bill Callahan
Sou um bocadinho assim. Como não comprei a viola, vou fazendo blogues.
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Arrogância e humildade
O dia de hoje
A arte da subtileza
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Mais uma pedra
Pedra roliça não cria bolor.
Sobre a solidez, a solidão e a Arte
Será que não pode ser demasiado perfeita, como as pessoas sem defeitos, por quem não nos conseguimos apaixonar?
terça-feira, 9 de setembro de 2008
A propósito da solidez e solidão vem-me à cabeça a frase do Almada Negreiros
Portugal, um povo para ser amado.
(talvez um bom slogan turístico)
Sobre a solidez e a solidão
Solidez e Solidão
Fazer grande Arte é um gesto pacifista
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Histórias do Verão I
O que eu sei acerca da verdade
A Av. Almirante Reis parece o Fallout
domingo, 7 de setembro de 2008
Uma entrevista a um homem estátua
Sem medo da auto-crítica
Uma canção sobre a salvação do mundo (o amor entre a esquerda e a direita)
Conto de Fadas de Sintra a Lisboa
Ele era um cavalheiro
Todo ele transpirava elegância
Ela era gata borralheira
Tivera que limpar a sua infância
Ele velejava no verão
E esquiava no inverno
Ela trabalhava ao balcão
De um qualquer estabelecimento moderno
Ele gostava de reluzir em si
O estilo da capital
Ela já não conseguia distinguir as cores
Da bandeira nacional
Ele tinha entre os seus títulos
Uma futura ordem do infante
Ela achava o levantar do dedo mindinho
Algo deselegante
Mas ele um dia curvou-se a seus pés
E ela passou a ocupar o tempo
A descobrir o que era a cultura
E ele confinou-se aos seus aposentos
E descobriu a costura
Ela quis vir a entender o universo
E começou a ler Platão
E ele resolveu perceber o que era a justiça
Em frente à televisão
A ele de nada lhe valeu a aparência
Nem a casa no largo do rato
Porque ela sabia que era Cinderela
E enganou-o com um sapato
Ele que um dia fora príncipe
Agora rendia-se à evidência
Com mulheres que calçam o quarenta
É melhor revelar prudência
Hoje ele ainda beija os seus pés.
sábado, 6 de setembro de 2008
A propósito do futebol e da salvação do mundo
Mais uma pedra
O primeiro comentário que recebi aqui, da minha maravilhosa amiga que sabe quem é, que merece ascender a post:
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
por João Cabral de Melo Neto
Odeio futebol
A exceção (acordo ortográfico?) aberta hoje deve-se a ter descoberto que este ódio que me veio do berço (o meu pai não cuidava de mim recém-nascido porque estava a ver o Mundial de 86) talvez me tenha sido ainda mais proveitoso que pensava.
Ajudou-me, decerto, a ter mais tempo para coisas enriquecedoras. Mas mais, ajudou-me a perceber que uma das coisas que nos empobrece mais, nos corta ao meio e formata, são os clubes e as bandeiras da vida. Talvez por nunca ter treinado esse músculo do seguidismo, eu veja coisas boas na esquerda e na direita, nos religiosos e nos ateus.
Graças à indiferença desportiva, consegui perceber que grandes são o Cristiano Ronaldo, ou o Mourinho (o meu único verdadeiro ídolo no futebol) e não as camisolas coloridas com emblemas com passarinhos, seres mitológicos ou animais da selva.
Assim, a melhor equipa é a composta pelos melhores de cada uma. É que há qualidades em todos os lados.
Mas é aqui que me apercebo: formada a super equipa, não haveria ninguém à altura de a defrontar.
E então surge-se-me a solução da questão: além do sentimento de pertença, o ser humano precisa é do confronto.
A excelência interessa a poucos. Falta-lhe paixão. É por isso que quando vemos o Mourinho ou o Cristiano dá a sensação que eles não são bem humanos.
Quem dera houvesse políticos e artistas assim em Portugal.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Coisa boa #2
A Família.
N'O livro das coisas boas
A propósito do amor entre a esquerda e a direita
A solução para a salvação do mundo
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
O triunfo da amizade
É o mais próximo de um harém que é possível ter sem todas as coisas más de um harém.
Isto não é um comentário machista. É um comentário de amor, de alguém que ama umas quantas pessoas que conheceu ao longo da vida e não se quer desfazer delas. Os homens e as mulheres tem o dever de proteger e oferecer amor a quem amam. A amizade não é isso? É só o que faço. Na sociedade que tenta controlar os impulsos sexuais poligâmicos, para destruir o amor livre ainda há muito por fazer.
E fazer isto é ser um Homem. Chega de homenzinhos (elogio das mães e avós portuguesas aos filhos, com que alguns homenzinhos ficam satisfeitos).
Este post é uma homenagem às mulheres, que são os seres mais extraordinários da terra.
Coisa boa #1
A Praia.
N'O Livro das Coisas Boas
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Mais uma pedra
Disse Søren Kierkegaard.
Agradecimentos ao Tiago Guillul.
O casamento
Dar-vos uma pedra
Dá-me algo mais que silêncio ou doçura
Algo que tenhas e não saibas
Não quero dádivas raras
Dá-me uma pedra
Não fiques imóvel fitando-me
como se quisesses dizer
que há muitas coisas mudas
ocultas no que se diz
Dá-me algo lento e fino
como uma faca nas costas
E se nada tens para dar-me
dá-me tudo o que te falta!
Original de Carlos Edmundo de Ory, na versão portuguesa de Herberto Hélder