Este Verão fui pela primeira vez ao Andanças. Fui só no último fim-de-semana - nada de abusos ou doses profissionais não fosse o meu metabolismo não aguentar - porque nisto dos festivais começava a perecer-me que estava a entrar numa espécie de pré-reforma.
O meu amor por dançar já vem de muito longe. Mesmo assim, só este ano venci o preconceito de ir a São Pedro do Sul. Desiludido com o Sudoeste massificado, com um Paredes de Coura desinspirado, com o Vilar de Mouros já morto (imagino que ter deixado de haver festival não impede os festivaleiros da velha guarda de continuaram a ir - acampam e montam um rádio com leitor de Mp3 e tá feito o festival, que vive é das pessoas - era o que eu faria, mas eu não sou da velha guarda - não me sinto velho nem tenho nada para guardar), com um Super Bock Super Rock que é um evento de propaganda (acho que para o ano se vai chamar só Super-Bock-Feira-da-Cerveja para realçar o que interessa) e porque o Oeiras Alive! é em Lisboa e a graça do Verão é acampar, lá fui eu com o Bruno para o Andanças. Os dois pela primeira vez.
Admito que a verdade é que nunca lá tinha ido - entre outras razões - por medo dessas criaturas perigosas: os friques. Tinha medo que me obrigassem a usar túnicas, ou que fosse preciso ter rastas para poder entrar. Ou que não houvessem casas de banho, ou até que à entrada fizessem algum tipo de teste ou charada para tirar a limpo se eu era frique ou estava disfarçado - um teste tipo obrigarem-me a fazer um ritmo no djembé com os pés - e que eu não fosse capaz e tivesse de voltar para Lisboa.
Não só vim a descobrir que não fazem nenhuma destas coisas, como que, de todos os festivais de Verão a que já fui no nosso Portugal, este é o melhor. Isso mesmo, o melhor. O que tem menos friques, o mais repousante, aquele em que vi menos drogas, o mais higiénico e aquele em em que vi mais pessoas bonitas e aquele em que me diverti mais. Incrível não é? Todos estes anos enganado.
Estávamos lá há um dia e, na manhã de Sábado, porque ainda era muito cedo para dançar, eu, o Bruno e duas amigas nossas (uma delas completamente nova, outra um feliz reencontro daqueles que me faz amar portugal - uma colega minha da escola primária, dois anos mais nova que eu e que nestes praí catorze anos que estive sem a ver se tornou numa bela e adorável pessoa) fomos andar. Queríamos descobrir as famosas cachoeiras de São Pedro do Sul.
Atravessámos uma pequena e linda floresta e chegámos. O silêncio da Natureza. O repouso da água a escorrer, em misteriosas correntezas que se perdiam entre as pedras e árvores e outras plantas. A cachoeirinha estava vazia àquela hora, com uma exceção. Uma elegante moça, de pele morena, de bikini, completamente nua da cintura para cima que, estendida numa toalha numa rocha no alto da cachoeira, nos olhava como uma deusa marinha. Como pareceu tolerar a nossa presença, mergulhámos. Subimos as rochas. Vimos borboletas e pequenos insetos voadores, alguns azuis, outros vermelhos, nunca antes vistos. Molhádos de água doce vimos cabras a pastar à nossa volta. O cheio fantástico da erva e dos bosques. O quente do Sol no corpo. Inspirámos fundo o oxigénio em bruto que brota da terra. Ficámos felizes. Não há nada como a Natureza. E a moça sempre ali, a olhar para nós a fingir que não olhava e nós para ela.
Desejámos a Natureza e o nosso desejo foi concedido. Como se tivéssemos atravessado uma fronteira de um bosque encantado, a dado momento, começaram a chegar pessoas. Chegou um rapaz. Chegou uma rapariga. Tudo bem. A certa altura chegou um rapaz, magro e de cabelo comprido igualzinho a este, e banhou-se exatamente assim como esse se banha na fotografia. E aí sim, a cachoeira desaguou realmente na Natureza dele e fez os nossos calções de praia parecerem umas coisas rídiculas e tão sem graça como se fôssemos uns turistas - que éramos - que tendo oportunidade de provar a excecionalidade da Naturza, preferimos provar uma espécie de versão higeanizada de plástico, um MacDonalds da vida campestre. Uma monstruosidade quase tão aberrante como fazer sexo com preservativo. E a menina de peitos desnudos sempre a olhar a cena toda, lá do alto da sua cachoeira.
O rapaz nu da nossa história, que era uma espécie de Jesus Cristo que gostava de ter sido o Mogli, escalou a rocha como quem a farejava e foi sentar-se ao lado da nossa rapariga semi-nua, que consentiu, sorrindo enigmáticamente (de notar que o rapaz não se sentou na rocha sem antes limpar o assento com um ramo cheio de folhinhas que arrancou de um arbusto). O Sol brilhava e as borboletas pousavam nos ombros deles e nos nossos e toda a gente era feliz.
Enquanto isto se passava, estava eu a fingir que a cena não era nada de especial e a mostar as cabrinhas tão giras a pastar à minha colega da escola primária - tentando por segundos desviar o olhar de Adão e Eva - quando vindo não sei de onde salta de trás de um arbusto - literalmente de trás de um arbusto - uma espanhola completamente nua a passear dois cães que corriam soltos à volta dela (os Espanhóis têm este jeito caraterístico de entrar em cena). Logo saltou de trás de outro arbusto o seu par, um rapaz também nuzinho como ela que gritava Javíííí, javíííí ou outra espanholada qualquer. Enquanto eu e a minha amiga continuávamos a figir que aquilo não era nada de mais, na outra ponta, onde estava o Bruno e a nossa outra amiga, surge outro grupo, de pessoas loiras e nuas, que o Bruno mais tarde me disse que tinham formas muito interessantes. Já era tarde e deu-nos imensa vontade de ir dançar.
Escusado será dizer que, desde a primeira moça de peito moreno à última loira, tive vontade de me despir e nadar nu pelo lago e pela cachoeira. Não o fiz mas está para breve a iniciação ao nudismo. Mas escrevi isto tudo até aqui nem foi por isso. Foi porque, há duas horas atrás, estava no comboio a caminho de casa e, à minha frente estava sentada a rapariga desnuda da cachoeira.
Muito mais feia. Nem uma gota do brilho e tensão sexual que inspirava no cimo daquela cascata. Só feiura, e ainda por cima uma feiura banal. Ali, vestida com umas roupinhas da feira, roxas e com uns folhos nas alças, uns óculos de Sol grandes de mais para a forma da cabeça dela que lhe ficavam péssimos e umas calças pretas muito cafonas, em condições normais nem teria reparado nela. Sentei-me ali a pensar Já te vi praticamente nua a tomar banho numa nascente. Penso que ela não me reconheceu (afinal, havia outras coisas a chamar mais a atenção naquela manhã de Agosto). Saiu na Amadora. Quando se levantou para sair, como eu já estava com a atenção predisposta, aí sim, vi-a de costas e, na justeza das calças, era mais que possível intuir aquele corpo fulgurante que eu já tinha visto.
Acho que se andássemos todos nus, passariam a ser completamente outras as pessoas do nosso dia a dia que consideramos atraentes, bonitas ou sexys. Certas raparigas que parecem mais gordas vestidas que despidas (basta ir à praia com elas para saber) passariam a ser mais apreciadas, assim como as que não sabem escolher roupa. Por outro lado, as meninas sem sal mas com bom gosto ficariam a perder. Quanto nos engana, formata, tipifica e estereotipifica a roupa que usamos!
Assim não surpreende que aquela rapariga se tivesse despido naquela manhã de Verão. Ela sabe bem como é que o corpo dela fica melhor. Quem sabe, o que a leva a despir-se até é o desejo inconsciente de se ver livre das suas roupas horríveis. São as pessoas mais próximas da natureza, mais selvagens. O certo é que nunca mais vou voltar a olhar para uma rapariga muito mal vestida da mesma maneira.
Ir a São Pedro do Sul no Verão pode ser como vislumbrar um bocadinho de um mapa qualquer do mundo do resto do ano.
O meu amor por dançar já vem de muito longe. Mesmo assim, só este ano venci o preconceito de ir a São Pedro do Sul. Desiludido com o Sudoeste massificado, com um Paredes de Coura desinspirado, com o Vilar de Mouros já morto (imagino que ter deixado de haver festival não impede os festivaleiros da velha guarda de continuaram a ir - acampam e montam um rádio com leitor de Mp3 e tá feito o festival, que vive é das pessoas - era o que eu faria, mas eu não sou da velha guarda - não me sinto velho nem tenho nada para guardar), com um Super Bock Super Rock que é um evento de propaganda (acho que para o ano se vai chamar só Super-Bock-Feira-da-Cerveja para realçar o que interessa) e porque o Oeiras Alive! é em Lisboa e a graça do Verão é acampar, lá fui eu com o Bruno para o Andanças. Os dois pela primeira vez.
Admito que a verdade é que nunca lá tinha ido - entre outras razões - por medo dessas criaturas perigosas: os friques. Tinha medo que me obrigassem a usar túnicas, ou que fosse preciso ter rastas para poder entrar. Ou que não houvessem casas de banho, ou até que à entrada fizessem algum tipo de teste ou charada para tirar a limpo se eu era frique ou estava disfarçado - um teste tipo obrigarem-me a fazer um ritmo no djembé com os pés - e que eu não fosse capaz e tivesse de voltar para Lisboa.
Não só vim a descobrir que não fazem nenhuma destas coisas, como que, de todos os festivais de Verão a que já fui no nosso Portugal, este é o melhor. Isso mesmo, o melhor. O que tem menos friques, o mais repousante, aquele em que vi menos drogas, o mais higiénico e aquele em em que vi mais pessoas bonitas e aquele em que me diverti mais. Incrível não é? Todos estes anos enganado.
Estávamos lá há um dia e, na manhã de Sábado, porque ainda era muito cedo para dançar, eu, o Bruno e duas amigas nossas (uma delas completamente nova, outra um feliz reencontro daqueles que me faz amar portugal - uma colega minha da escola primária, dois anos mais nova que eu e que nestes praí catorze anos que estive sem a ver se tornou numa bela e adorável pessoa) fomos andar. Queríamos descobrir as famosas cachoeiras de São Pedro do Sul.
Atravessámos uma pequena e linda floresta e chegámos. O silêncio da Natureza. O repouso da água a escorrer, em misteriosas correntezas que se perdiam entre as pedras e árvores e outras plantas. A cachoeirinha estava vazia àquela hora, com uma exceção. Uma elegante moça, de pele morena, de bikini, completamente nua da cintura para cima que, estendida numa toalha numa rocha no alto da cachoeira, nos olhava como uma deusa marinha. Como pareceu tolerar a nossa presença, mergulhámos. Subimos as rochas. Vimos borboletas e pequenos insetos voadores, alguns azuis, outros vermelhos, nunca antes vistos. Molhádos de água doce vimos cabras a pastar à nossa volta. O cheio fantástico da erva e dos bosques. O quente do Sol no corpo. Inspirámos fundo o oxigénio em bruto que brota da terra. Ficámos felizes. Não há nada como a Natureza. E a moça sempre ali, a olhar para nós a fingir que não olhava e nós para ela.
Desejámos a Natureza e o nosso desejo foi concedido. Como se tivéssemos atravessado uma fronteira de um bosque encantado, a dado momento, começaram a chegar pessoas. Chegou um rapaz. Chegou uma rapariga. Tudo bem. A certa altura chegou um rapaz, magro e de cabelo comprido igualzinho a este, e banhou-se exatamente assim como esse se banha na fotografia. E aí sim, a cachoeira desaguou realmente na Natureza dele e fez os nossos calções de praia parecerem umas coisas rídiculas e tão sem graça como se fôssemos uns turistas - que éramos - que tendo oportunidade de provar a excecionalidade da Naturza, preferimos provar uma espécie de versão higeanizada de plástico, um MacDonalds da vida campestre. Uma monstruosidade quase tão aberrante como fazer sexo com preservativo. E a menina de peitos desnudos sempre a olhar a cena toda, lá do alto da sua cachoeira.
O rapaz nu da nossa história, que era uma espécie de Jesus Cristo que gostava de ter sido o Mogli, escalou a rocha como quem a farejava e foi sentar-se ao lado da nossa rapariga semi-nua, que consentiu, sorrindo enigmáticamente (de notar que o rapaz não se sentou na rocha sem antes limpar o assento com um ramo cheio de folhinhas que arrancou de um arbusto). O Sol brilhava e as borboletas pousavam nos ombros deles e nos nossos e toda a gente era feliz.
Enquanto isto se passava, estava eu a fingir que a cena não era nada de especial e a mostar as cabrinhas tão giras a pastar à minha colega da escola primária - tentando por segundos desviar o olhar de Adão e Eva - quando vindo não sei de onde salta de trás de um arbusto - literalmente de trás de um arbusto - uma espanhola completamente nua a passear dois cães que corriam soltos à volta dela (os Espanhóis têm este jeito caraterístico de entrar em cena). Logo saltou de trás de outro arbusto o seu par, um rapaz também nuzinho como ela que gritava Javíííí, javíííí ou outra espanholada qualquer. Enquanto eu e a minha amiga continuávamos a figir que aquilo não era nada de mais, na outra ponta, onde estava o Bruno e a nossa outra amiga, surge outro grupo, de pessoas loiras e nuas, que o Bruno mais tarde me disse que tinham formas muito interessantes. Já era tarde e deu-nos imensa vontade de ir dançar.
Escusado será dizer que, desde a primeira moça de peito moreno à última loira, tive vontade de me despir e nadar nu pelo lago e pela cachoeira. Não o fiz mas está para breve a iniciação ao nudismo. Mas escrevi isto tudo até aqui nem foi por isso. Foi porque, há duas horas atrás, estava no comboio a caminho de casa e, à minha frente estava sentada a rapariga desnuda da cachoeira.
Muito mais feia. Nem uma gota do brilho e tensão sexual que inspirava no cimo daquela cascata. Só feiura, e ainda por cima uma feiura banal. Ali, vestida com umas roupinhas da feira, roxas e com uns folhos nas alças, uns óculos de Sol grandes de mais para a forma da cabeça dela que lhe ficavam péssimos e umas calças pretas muito cafonas, em condições normais nem teria reparado nela. Sentei-me ali a pensar Já te vi praticamente nua a tomar banho numa nascente. Penso que ela não me reconheceu (afinal, havia outras coisas a chamar mais a atenção naquela manhã de Agosto). Saiu na Amadora. Quando se levantou para sair, como eu já estava com a atenção predisposta, aí sim, vi-a de costas e, na justeza das calças, era mais que possível intuir aquele corpo fulgurante que eu já tinha visto.
Acho que se andássemos todos nus, passariam a ser completamente outras as pessoas do nosso dia a dia que consideramos atraentes, bonitas ou sexys. Certas raparigas que parecem mais gordas vestidas que despidas (basta ir à praia com elas para saber) passariam a ser mais apreciadas, assim como as que não sabem escolher roupa. Por outro lado, as meninas sem sal mas com bom gosto ficariam a perder. Quanto nos engana, formata, tipifica e estereotipifica a roupa que usamos!
Assim não surpreende que aquela rapariga se tivesse despido naquela manhã de Verão. Ela sabe bem como é que o corpo dela fica melhor. Quem sabe, o que a leva a despir-se até é o desejo inconsciente de se ver livre das suas roupas horríveis. São as pessoas mais próximas da natureza, mais selvagens. O certo é que nunca mais vou voltar a olhar para uma rapariga muito mal vestida da mesma maneira.
No comboio mandei uma mensagem ao Bruno, que me diria que se acabara de cruzar com o meu professor de Forró, com quem estive no Andanças e que praticamente não vejo desde lá.
Apercebi-me o quanto estamos todos tão ligados. Invadimos os silêncios e entramos na cabeça uns dos outros pelas mensagens, já vimos nus os nossos vizinhos no comboio, vivemos todos nos mesmos lugares sem sabermos.
A vida é um sem fim de andanças cruzadas.
Apercebi-me o quanto estamos todos tão ligados. Invadimos os silêncios e entramos na cabeça uns dos outros pelas mensagens, já vimos nus os nossos vizinhos no comboio, vivemos todos nos mesmos lugares sem sabermos.
A vida é um sem fim de andanças cruzadas.
Ir a São Pedro do Sul no Verão pode ser como vislumbrar um bocadinho de um mapa qualquer do mundo do resto do ano.
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