segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Ter

Quanto melhor e mais maravilhosa é a vida que tenho, quanto mais ela me faz feliz e me enche, mais a morte custa. Pensava que não ia ser assim. Pensava que me ia sentir realizado e isso ia trazer tranquilidade. Mas é precisamente por isso que custa perder isto tudo. É que o mundo é tão lindo. Repleto de beleza em todos os cantos. O Sol na manhã, os cabelos ao vento, o cheiro de Lisboa ao Domingo. As crianças. As mulheres.

Será que isso, inconscientemente, faz com que muitas pessoas não lutem mais por aquilo que, muitas vezes nem chegam a ter consciência, querem? Será isso que faz com que algumas pessoas tentem gostar o menos possível de viver?

Por medo desse derradeiro momento? Para sentirem o menos possível de perda? 

Para quem gosta de viver, talvez se torne assim claro que a maneira certa de viver é tentar que o último suspiro seja o mais aterrador possível pela quantidade de coisas que perdemos. É que, logo logo a seguir, já cá não estamos.

E quanto mais se perder com a nossa partida, mais ela será sentida por quem ainda pode sentir. O Amor é realmente um ato de masoquismo. Fazer com que nos amem é fazer com que sofram por nós. Mas não se pode ter um sem o outro. Só se morre se se tiver vivido.

2 comentários:

Unknown disse...

a questão é onde se põe a ênfase. se na perda ou no ganho se no voo ou na queda. se conseguíssemos não viver sempre no passado e no futuro não havia medo de morrer, havia celebração até ao momento que tem de ser. até do momento que tem de ser. nada se perde tudo se transforma. mas a vida é demasiado grande e temos de fazer tempo com projectos e realizações fúteis. como somos um bicho que gosta muito de estabilidade o risco é nulo e não chegamos a aprender a gerir o dódói. nem o bombom.

na me parece disse...

Certas pessoas não lutam mais por coisas que querem porque pura e simplesmente não têm essa capacidade. Ou porque sabem não serem capazes de as alcançar. Ou ainda há quem não queira nada.
A meu ver a ideia de que as pessoas tentam gostar o menos possível da vida e do mundo, ou que pouco ou nada fazem para conseguirem algumas coisas boas nas suas vidas, para no final não terem o sentimento de perda é claramente a ideia de alguém que está ou tem vindo a ter uma vida que o preenche, que o deixa feliz e realizado mesmo que queira mais e mais.
Sinceramente não estou a ver alguém que tem de trabalhar umas 12 horas por dia, todo o santo dia, num trabalho que possivelmente odeia, para conseguir ter o mínimo de condições de vida para si e para uma possível carrada de filhos, a sentir o fascínio pela vida e pelo mundo de que se está a falar, ou de conseguir alcançar essa felicidade e realização, ou mesmo de se sentir capaz de fazer algo mais na luta pelas coisas que quer e a fariam feliz. Não me parece que seja pelo sentimento de perda que muitas pessoas tenham ou deixem de ter medo do derradeiro momento. A vida é-lhes demasiado difícil sequer para pensarem em tais coisas.
Não digo com isto que eu tenho uma vida difícil, muito pelo contrário. A minha vida tem passado, tal como a d'o homem terra, sem dificuldades maiores. De qualquer maneira a mim não me parece que vá custar tanto a morte como ao nosso amigo. Não me vejo realizado com tantas coisas como ele. Se bem que ele faz muito, muito mais do que eu. Tenho o fascínio pela beleza do nosso mundo mas não consigo ver no Homem e na sociedade as coisas boas que outros vêem. O que procuro é o abstracto que compõe a felicidade e ainda não sei como pegar nesse abstracto e concretizá-lo. Acho que são mais as coisas que não quero do que as que quero ou pelo menos sei as que não quero e as que quero espero vir a conhecer. Daí que o que me faz não ter medo desse fim não é o recear perder o que tiver quando ele chegar (até porque como disseste, logo que chegar já cá não estou) mas sim um reconhecimento da inevitabilidade e talvez a falta de um qualquer sentido ou objectivo. As coisas que não quero perder farei o possível por preservar para as aproveitar em vida porque no preciso momento da morte tudo deixa de me pertencer.
(Para se ter a noção de perda é necessário ter-se noção, e depois do fim será que há?)