sábado, 20 de setembro de 2008

Elogio ao trabalho

Ontem percebi exatamente porque o trabalho é a essência da civilização. Obviamente que sem trabalho não há casas, nem roupas, nem comida, nem pontes, nem Centros Comerciais. Mas essencialmente não é nisso que estou a pensar.

Estou a pensar em como o trabalho reduz o apetite sexual. Uma verdade absoluta. Ontem quando cheguei a casa, depois de umas semanas de oito horas de trabalho diárias consecutivas, senti que não há apetite que resista. Quer-se descansar. Quer-se dormir. É por isso que toda a boa mãe sabe instintivamente que só um homem trabalhador dá um bom marido. Não é só porque traz comida para casa. É sobretudo porque mais dificilmente será infiel. Não será infiel nas oito horas em que trabalha, nem nas duas que demora a ir para o trabalho e a voltar, nem nas duas reservadas para as refeições, nem nas duas que servem para ir às compras, nem nas outras duas que servem para cuidar da casa, nem nas últimas oito em que tem de dormir. E o melhor de tudo é que não terá vontade de ser.

E tudo encaixa na perfeição a partir daí. Foi este equilíbrio que permitiu que houvesse o casamento. Controlada a sexualidade, o que há de mais triste que chegar a casa depois de um dia de trabalho e estar sozinho? Tudo o que esse homem deseja é ter alguém de quem goste à sua espera. Arranjou-se um modo ideal de garantir isso. Como também não se pode passar demasiado tempo junto, entre duas e quatro horas, quando não se está nem a trabalhar nem a dormir, são o ideal.

E é assim que quanto mais trabalho há, menos sexo há e menos filhos há. É por isso que ter muitos filhos é olhado como algo pouco civilizado. Quem não trabalha tem muito tempo para fazer filhos e para os criar. Quem trabalha já tem trabalho. Há filhos também, mas menos.

Não pensem que me estou a queixar. Há algo de sublime no sofrimento e cansaço que o trabalho provoca. A sensação de que estamos gastos, vazios. Uma sensação que, também com muito trabalho, penso que os religiosos tentam alcançar. Estar estafado de trabalhar é uma experiência religiosa em si mesmo. E quem sofre aprende com a experiência e ecresce. Quem sofre aprende. Trabalhar é aprender a viver, é aprender a sofrer. Como diz o nosso Chico em Tem Mais Samba:

Tem mais samba no homem que trabalha
Tem mais samba no som que vem da rua
Tem mais samba no peito de quem chora
Tem mais samba no pranto de quem vê
Que o bom samba não tem lugar nem hora
O coração de fora
Samba sem querer


Assim é. Porque há coisas que só se fazem bem se se tiver trabalhado, se já se tiver sido desgastado, amassado. As coisas da vida. Como são bonitas duas pessoas sofridas a dançar, duas pessoas sofridas a dormir abraçadas, pessoas que têm sofrimento em si para a libertar cantando, para libertar criando Arte, para se libertarem e tornarem as suas almas numa coisa maior. Uma civilização interior. Para se tornarem grandes. Grandes pessoas humanas.

E o grande problema de Portugal é que as pessoas fazem tudo para evitar o sofrimento. E como não sofrem, não crescem. Como não crescem, continuam a sofrer na mesma, porque não sofrer é impossível, mas sem a recompensa do trabalho, sem a recompensa não só material, da construção, mas sobretudo a recompensa espiritual. A recompensa espiritual de ter expandido a caixinha do sofrimento e, assim, cada tristeza da vida passar a custar menos a suportar, por termos expandido a nossa capacidade de armazenamento.

As pessoas têm o direito a sofrer, mas não sabem. Quem não sofre, trabalhando, amando, fica a perder. Tudo o que faz parte da vida é para ser vivido. Se não se viver na altura certa, viver-se-á mais tarde de outra forma, talvez muito mais desequilibrada. Porque como dizia nas suas lições o Mestre Zen do Tiro com Arco em O Zen e a Arte do Tiro com Arco: Quem procura um princípio fácil, encontrará necessariamente um fim difícil.

6 comentários:

Aurora disse...

ó pedro, tu és de que signo?
é que esse pensamento é muito sagitariano...

Calor Humano disse...

Sou Touro :)

na me parece disse...

Eu diria que o pedro não é português :)

Calor Humano disse...

Ahahah, em muitas coisas sou :) nesta não sei!

Porque é sagitariano aurorinha?
O touro é um animal mesmo fixe. Um dia destes faço um post sobre isso...

Aurora disse...

é porque eu sou sagitário e conheço muitos sagitários. e os sagitários verão sempre aquilo que querem onde quiserem. podem pegar num trapo e dizer que é um rico pano ou pegar numa camisa de seda e usá-la para limpar um livro que querem ler.

este post parece ser um pouco assim, para mim.... ;)

Calor Humano disse...

Ehehe, nunca tinha olhado a coisa dessa perspectiva!

Mas é verdade. Seja um rico pano então ;)