terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uma ida ao Lux

Fui o primeiro a chegar. A Madalena e a Marta vinham ter comigo mais tarde. Fui sozinho até à porta e, como rapaz galante que sou, entrei sem pagar.

A primeira vez que fui ao Lux foi com uma ex-namorada, que era grande fã do lugar e até era amiga de um porteiro. A segunda foi numa festa do meu curso. A terceira numa Pecha Kucha em que a Madalena ajudou à organização. Esta vez foi a quarta. Poucas vezes, para alguém que se alimenta das coisas da vida, que gosta da noite, da boemia, de dançar, de festas, de pessoas. Porque fui lá tão poucas vezes então?

Eu não sou sovina, mas tenho noção do valor do dinheiro. (Que eu saiba não sou descendente de judeus, mas curiosamente a maioria dos meus ídolos são - o Leonard Cohen, o Bob Dylan, o Billy Wilder, o Woody Allen, o Chico Buarque. Quem sabe sou descendente de Cristãos Novos. Essa ofensa que o Marquês de Pombal baniu com a punição de chicotadas nas costas para o povo, perda de bens para o clero e perda dos títulos para a nobreza. Tudo pela unificação da nação e do seu povo. Grande Marquês.).

Tenho noção do valor do dinheiro e julgo que 12 € de mínimo à entrada é muito para aquilo que a suposta melhor discoteca de Lisboa oferece.

Subi as escadas com as mãos nos bolsos e um cigarro imaginário na boca. Cheio de estilo portanto. Sentei-me com as pernas esticadas num daqueles sofás-cama que estão espalhados por todo o primeiro andar, que parecem ter sido comprados na feira da ladra e que além disso são desconfortáveis (o encosto é a grade de uma cama e as almofadas são uns rolos que não dão jeito para nada). Mas o meu estilo era tal que até os sofás-cama pareceram giros.

Um empregado veio ter comigo e perguntou-me o que queria tomar. Pedi um Martini com uma pedra de gelo. O Martini voltou com a conta. 6 Euros. Eu já sabia o preço porque da terceira vez que lá fora tinha perguntado e o choque da resposta tinha-me durado até àquela noite (e ainda não passou). Passei-lhe uma nota de 20 €. O rapaz responde-me não tem mais pequeno? É que não temos trocos.

Sem mecher a cabeça, levantei o olhar devagar e subtilmente para ele. Tive vontade de dizer Preços altos, notas altas, mas não disse. Disse-lhe Não.

Afinal tinham trocos. Quando chegou levantei-me. Fui passear pelo lugar. Vi coisas como dois empregados a arrastarem com os pés uma mesa baixa onde os clientes põem as bebidas e a subirem para cima dela com os pés para mudarem as lâmpadas de um candeeiro todo estiloso. Estiloso o candeeiro, mas não os modos deles. Tive também a oportunidade de reparar nos ténis sujos e feios de uma empregada, que ainda por cima usava umas rastas muito feias a cair pelas costas. Uma frique a servir no lux. O mundo está mudado pensei. Mas o toque final de charme ainda estava por vir. Entre as pessoas, tive a sorte de ver um segurança pegar numa das almofadas compridas e brincar com ela simulando um enorme falo que insistiu em abanar para cima e para baixo até me ver a olhar para ele o ter pousado.

A Marta e a Madalena chegaram e fomos dançar. Se a música não era muito o meu estilo, até era boa. O mesmo não se podia dizer dos dançarinos. A noite de Lisboa são crianças de 16 aos 18 anos - os únicos cujos pais podem pagar estas brincadeiras - e turistas ridículos que, bêbados, montam o seu próprio circo de aberrações no meio da pista.

Poder-se-ia pensar que eu dar importância a isto tudo faz de mim uma pessoa pretensiosa, elitista, um snob, o que se quiser chamar. Não penso assim. Há uns dias vi na televisão um documentário sobre uma organização de apoio humanitário em África, a AfriKids. Nele contaram uma história de uma senhora que, sozinha, toma conta de umas trinta crianças órfãs, financiada pela AfriKids. Nunca deixou morrer nenhuma, menos num dia, em que faltou o dinheiro para medicamentos. Nesse dia, ela correu toda a aldeia à procura de alguém que lhe pudesse dar o dinheiro e ninguém deu. Ninguém tinha. Juntou as poupanças, mas não chegavam. Tentou vender coisas mas não conseguiu juntar o dinheiro que era preciso. Os medicamentos que a criança precisava eram muito caros. Custavam cinco cêntimos de euro.

Pelo preço da vida de 240 crianças africanas, espero bom divertimento.

3 comentários:

tomas disse...

será isto um documentário?
ou uma ficção?

seja o que for é um bom filme!

tomas disse...

ou será uma curta metragem?

Calor Humano disse...

Considerares que pode ser qualquer uma das três é para mim um grande elogio!

Para quem estiver interessado, uma fotografia dos meninos de quem a Mama Laadi toma conta:

http://www.afrikids.org/new/displayphoto_large.php?photodesc=Mama%20Laadi%20(bottom%20right%20with%20her%20thumbs%20up)%20with%20her%20entire%20family&photourl=images/photos/mangotree-outside_foster_home.jpg