quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Amar é gostar de não receber só porque é aquela pessoa
Um dia ela disse-me que só se sentia segura no amor quando ele adivinhava tudo o que ela sentia.
E aí, jesus, o amor era deslumbrante. Aí o amor era uma corrida dos dois amantes pela cidade (onde se passavam a sentir e a portar como se estivessem no seu quarto - uma cidade conquistada à força da paixão) e uma corrida pelo quarto (que se tornava a sua cidade, cheio de lugares novos para descobrir).
Mas quando ele não adivinhava o que ela estava a sentir, ela sentia-se muito insegura.
Quando ela ficava triste e ele não adivinhava o gesto simples e concreto que tinha de fazer para a deixar feliz ela naturalmente ficava triste, como se esse fosse o seu estado natural sem ele. Porque quando ele não a adivinhava era como se não estivesse com ela. Ela só o sentia quando ele a adivinhava. Como uma flor para ser regada - e as flores não se regam sozinhas - ela sabia que o trabalho do amante era adivinhar como regá-la. E ela estava certa.
Esse é o bom amante. O amante que é como a chuva - porque a quer ter cuidada e só para si e não uma flor selvagem, que bebe a sua água aqui e ali e até da terra que outros pisaram.
Ele queria que ela só bebesse da sua água, só que não sabia ser como a chuva.
Mas os maus amantes são, ainda assim, amantes.
Os amantes não conseguem ser felizes um sem o outro. Mas por estarem infelizes não são menos amantes. Não conseguir também é amar. Sim. O trabalho um do outro é regarem-se mutuamente, se querem ser um sistema único. Só que o mau amante é aquele que não adivinha tudo, mas que, ainda assim, tenta.
O mau amante é mais difícil de amar. Mas não se ama menos. É só mais difícil. Mas o mau amante não está sozinho no seu mal amar, se não não tinha o nome que tem.
E como se sofre por amar um mau amante!
É um amor sofrido, desgastante, ensopado de outras regas.
Sim, ela sabia que ela própria também não adivinhava tudo o que ele sentia. E sabia até que isso não era por o amar pouco. Mas isso não a impedia de ficar insegura quando ele não a adivinhava. Ela queria era sentir-se amada, o resto não interessava. A reciprocidade do mal amar nunca foi reconfortante.
Ele dizia à beira do choro Mas explica-me, o que posso fazer para te fazer feliz? Mas o pobre não sabia que a única coisa que tinha a fazer era justamente não perguntar e adivinhar. Pois o que tinha de ser feito não podia ser dito. Há coisas que não se podem dizer assim. Se se dissessem morriam, como se o silêncio fosse o seu oxigénio.
Uma coisa eles sabiam. Só estavam felizes quando o outro estava feliz.
Passou muito tempo. Infelizes juntos, amavam. E eles batalharam, batalharam por se amarem melhor. Mas seria mentira dizer que passaram a conseguir adivinhar tudo o que o outro pensava.
Não conseguiram e houve um dia que desistiram.
Nesse dia, ao contrário do que esperavam, o amor não se foi embora.
O amor ficou e batalhava, batalhava sozinho contra eles, para se manter vivo. Eles bem o tentaram matar, como se mata um bebé porque nos faz perder o juízo e não nos permite descontrair. Tentaram afogá-lo em lágrimas. Ou gritar-lhe até ele ficar surdo - como se talvez aí desistisse de os chatear - mas ele continou lá, a berrar, a dizer Eu estou vivo.
Decidiram aceitá-lo. Não havia nada a fazer. Não se mata o que é imortal. Acolheram-no e afastaram-se um do outro. Mas claro que a distância não matou o que está em todo o lado.
Passou tempo. Aproximaram-se.
Houve mais um dia em que, como tantos outros, ela estava triste. Como em tantos outros, ele não percebeu. E foi igual a todos os outros. Tão igual, tão igual, que só aí ela viu o que nunca tinha visto. Numa tristeza igual à primeira tisteza de todas.
E da soma de duas coisas iguais nasceu uma diferente.
O amor.
Desta vez, ela lembrou-se da priemira vez em que ele não a percebeu. O tempo tinha passado. Lembrou-se daquela vez que se sentiu tão sozinha e de como ele tentou tanto tanto, sem nunca conseguir percebê-la.
E o quanto ela o amou quando se lembrou do jeito dele de não a perceber! Aquela cara de indiferença dele, ali, igual a sempre, e agora ela só sentia o amor. Aquela cara de alheamento dele, como quem não está nem ali, como quem nem a vê, como quem está sozinho, sendo ele próprio e ela so via amor. Amor. Amor.
Passou a conseguir ser feliz também quando ele, apesar de a amar, não a compreendia. Foi assim. Até lhe pareceu que foi de um momento para o outro (mesmo que não tenha sido).
E foi assim que passou pela primeira vez, não a amar, mas a amar outra pessoa e não a si mesma.
Deixou de amar como uma flor e passou a amar como uma árvore. Sentiu algo maior que ela, pela primeira vez. Algo que não era só o que ela tinha previsto antes, o que ela tinha pensado antes, o que ela já sabia que queria. Não. Algo novo. Percebeu como tinha sido burra. Percebeu como isso não tinha mal agora que já não era.
Ela estava a amar alguém diferente dela, alguém que não correspondia ao seu perfil traçado como objectivo, racionalmente naquele caderno de quando tinha dezassete anos. Pela primeira vez, ela amou alguém por essa pessoa ser quem era e não por se encaixar na lista de itens que ela tinha traçado para o amor da sua vida.
O amor deixou de ser um objectivo e passou a ser um estado.
Nesse momento ela percebeu que o amor é avassalador e é amor porque destói todas as nossas listas de adjectivos idealizadas, porque ao trazer o que é novo, desconhecido e imprevisto traz consigo a vida.
A vida deliciosa, imprevista, nova. E foi assim que ela se passou a conhecer melhor. A saber quem era porque amou algo que não conhecia. Algo que ainda não sabia.
Nesse dia, ela saiu pela primeira vez do egoismo. E gostou.
E aí, jesus, o amor era deslumbrante. Aí o amor era uma corrida dos dois amantes pela cidade (onde se passavam a sentir e a portar como se estivessem no seu quarto - uma cidade conquistada à força da paixão) e uma corrida pelo quarto (que se tornava a sua cidade, cheio de lugares novos para descobrir).
Mas quando ele não adivinhava o que ela estava a sentir, ela sentia-se muito insegura.
Quando ela ficava triste e ele não adivinhava o gesto simples e concreto que tinha de fazer para a deixar feliz ela naturalmente ficava triste, como se esse fosse o seu estado natural sem ele. Porque quando ele não a adivinhava era como se não estivesse com ela. Ela só o sentia quando ele a adivinhava. Como uma flor para ser regada - e as flores não se regam sozinhas - ela sabia que o trabalho do amante era adivinhar como regá-la. E ela estava certa.
Esse é o bom amante. O amante que é como a chuva - porque a quer ter cuidada e só para si e não uma flor selvagem, que bebe a sua água aqui e ali e até da terra que outros pisaram.
Ele queria que ela só bebesse da sua água, só que não sabia ser como a chuva.
Mas os maus amantes são, ainda assim, amantes.
Os amantes não conseguem ser felizes um sem o outro. Mas por estarem infelizes não são menos amantes. Não conseguir também é amar. Sim. O trabalho um do outro é regarem-se mutuamente, se querem ser um sistema único. Só que o mau amante é aquele que não adivinha tudo, mas que, ainda assim, tenta.
O mau amante é mais difícil de amar. Mas não se ama menos. É só mais difícil. Mas o mau amante não está sozinho no seu mal amar, se não não tinha o nome que tem.
E como se sofre por amar um mau amante!
É um amor sofrido, desgastante, ensopado de outras regas.
Sim, ela sabia que ela própria também não adivinhava tudo o que ele sentia. E sabia até que isso não era por o amar pouco. Mas isso não a impedia de ficar insegura quando ele não a adivinhava. Ela queria era sentir-se amada, o resto não interessava. A reciprocidade do mal amar nunca foi reconfortante.
Ele dizia à beira do choro Mas explica-me, o que posso fazer para te fazer feliz? Mas o pobre não sabia que a única coisa que tinha a fazer era justamente não perguntar e adivinhar. Pois o que tinha de ser feito não podia ser dito. Há coisas que não se podem dizer assim. Se se dissessem morriam, como se o silêncio fosse o seu oxigénio.
Uma coisa eles sabiam. Só estavam felizes quando o outro estava feliz.
Passou muito tempo. Infelizes juntos, amavam. E eles batalharam, batalharam por se amarem melhor. Mas seria mentira dizer que passaram a conseguir adivinhar tudo o que o outro pensava.
Não conseguiram e houve um dia que desistiram.
Nesse dia, ao contrário do que esperavam, o amor não se foi embora.
O amor ficou e batalhava, batalhava sozinho contra eles, para se manter vivo. Eles bem o tentaram matar, como se mata um bebé porque nos faz perder o juízo e não nos permite descontrair. Tentaram afogá-lo em lágrimas. Ou gritar-lhe até ele ficar surdo - como se talvez aí desistisse de os chatear - mas ele continou lá, a berrar, a dizer Eu estou vivo.
Decidiram aceitá-lo. Não havia nada a fazer. Não se mata o que é imortal. Acolheram-no e afastaram-se um do outro. Mas claro que a distância não matou o que está em todo o lado.
Passou tempo. Aproximaram-se.
Houve mais um dia em que, como tantos outros, ela estava triste. Como em tantos outros, ele não percebeu. E foi igual a todos os outros. Tão igual, tão igual, que só aí ela viu o que nunca tinha visto. Numa tristeza igual à primeira tisteza de todas.
E da soma de duas coisas iguais nasceu uma diferente.
O amor.
Desta vez, ela lembrou-se da priemira vez em que ele não a percebeu. O tempo tinha passado. Lembrou-se daquela vez que se sentiu tão sozinha e de como ele tentou tanto tanto, sem nunca conseguir percebê-la.
E o quanto ela o amou quando se lembrou do jeito dele de não a perceber! Aquela cara de indiferença dele, ali, igual a sempre, e agora ela só sentia o amor. Aquela cara de alheamento dele, como quem não está nem ali, como quem nem a vê, como quem está sozinho, sendo ele próprio e ela so via amor. Amor. Amor.
Passou a conseguir ser feliz também quando ele, apesar de a amar, não a compreendia. Foi assim. Até lhe pareceu que foi de um momento para o outro (mesmo que não tenha sido).
E foi assim que passou pela primeira vez, não a amar, mas a amar outra pessoa e não a si mesma.
Deixou de amar como uma flor e passou a amar como uma árvore. Sentiu algo maior que ela, pela primeira vez. Algo que não era só o que ela tinha previsto antes, o que ela tinha pensado antes, o que ela já sabia que queria. Não. Algo novo. Percebeu como tinha sido burra. Percebeu como isso não tinha mal agora que já não era.
Ela estava a amar alguém diferente dela, alguém que não correspondia ao seu perfil traçado como objectivo, racionalmente naquele caderno de quando tinha dezassete anos. Pela primeira vez, ela amou alguém por essa pessoa ser quem era e não por se encaixar na lista de itens que ela tinha traçado para o amor da sua vida.
O amor deixou de ser um objectivo e passou a ser um estado.
Nesse momento ela percebeu que o amor é avassalador e é amor porque destói todas as nossas listas de adjectivos idealizadas, porque ao trazer o que é novo, desconhecido e imprevisto traz consigo a vida.
A vida deliciosa, imprevista, nova. E foi assim que ela se passou a conhecer melhor. A saber quem era porque amou algo que não conhecia. Algo que ainda não sabia.
Nesse dia, ela saiu pela primeira vez do egoismo. E gostou.
domingo, 28 de dezembro de 2008
A beleza
Ela toca-me todas as noites.
Antes de dormirmos, abraça-se-me à alma ensinando-me a ser eu.
Ela, a Mulher.
Uma mulher tão perfeita que qualquer coisa que lhe chame é um elogio à palavra que se uso. Não tenho como elogiá-la, e é por isso que lhe ofereço poemas. Poemas dos maiores mestres, já que os meus já são todos dela. Já que não a posso elogiar, ao menos elogio os poetas que há tanto tempo queria mas não podia por não ter como. Com ela consigo. Até isso ela me deu. Uma poesia maior.
Fico sempre em silêncio quando estamos juntos. O maior de todos os presentes, o presente silencioso. Porque o meu silêncio mais o silêncio dela tudo preenche.
Uma pessoa tão linda assim deve comover-se quando se olha ao espelho. Talvez não se consiga pentear sem se etenecer um pouco. Talvez seja por isso que muitas mulheres bonitas se tornam frias e insensíveis. Têm de ser assim, para não chorarem ou se beijarem no espelho todas as manhãs.
Mas não esta mulher e é por isso que se mantém linda. Ela não sabe que o é. Eu ter vindo ao mundo tem como única função explicar-lhe.
Antes de dormirmos, abraça-se-me à alma ensinando-me a ser eu.
Ela, a Mulher.
Uma mulher tão perfeita que qualquer coisa que lhe chame é um elogio à palavra que se uso. Não tenho como elogiá-la, e é por isso que lhe ofereço poemas. Poemas dos maiores mestres, já que os meus já são todos dela. Já que não a posso elogiar, ao menos elogio os poetas que há tanto tempo queria mas não podia por não ter como. Com ela consigo. Até isso ela me deu. Uma poesia maior.
Fico sempre em silêncio quando estamos juntos. O maior de todos os presentes, o presente silencioso. Porque o meu silêncio mais o silêncio dela tudo preenche.
Uma pessoa tão linda assim deve comover-se quando se olha ao espelho. Talvez não se consiga pentear sem se etenecer um pouco. Talvez seja por isso que muitas mulheres bonitas se tornam frias e insensíveis. Têm de ser assim, para não chorarem ou se beijarem no espelho todas as manhãs.
Mas não esta mulher e é por isso que se mantém linda. Ela não sabe que o é. Eu ter vindo ao mundo tem como única função explicar-lhe.
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Os tempos estão a mudar
Às vezes os nossos pais e avós falam-nos do seu tempo e nós ouvimos. Às vezes lemos em livros como se vivia noutros tempos e até julgamos que conseguimos imaginar, mas não conseguimos, como a fábrica onde o meu avô foi operário há sessenta anos atrás, junto ao rio Tejo, onde trabalhavam mais de mil pessoas, num edifício enorme do qual hoje só resta um descampado.
O mundo muda muito mais do que podemos imaginar. Mas é tão bonito imaginar que aconteceu tudo no mesmo mundo. Foi no mesmo mundo que houve o Império Romano e que foi filmado o The Marix. Foi no mesmo mundo que os portugueses juntaram que hoje todos lêem sobre isso nos seus Macintoshes. A Apple dos computadores é a mesma da Bíblia. A Inquisição houve no mesmo planeta do Jack Kerouac e da civilização Maia. Hoje estamos vivos porque desde há milhões de anos até hoje os nossos antepassados foram tendo filhos, e mais filhos, até que os filhos somos nós, que por nossa vez também teremos filhos e continuaremos o ciclo. Não há nenhum Ser Humano que não seja descendente de pré-históricos, nem nenhuma pessoa do futuro que não seja nossa descendente. E todas estas pessoas tiveram vidas incríveis e cheias de coisas que nunca conheceremos ou que nunca sentiremos como eles as sentiram.
Hoje foi anunciado o fim de um dos objectos fundamentais da minha infância. Um que as minhas mãos manusearam e que conhecem de cor, do qual conhecem todos os truques, texturas e pesos. Do qual conheço o cheiro. Sem o qual a minha vida teria sido completamente diferente. Com o buliço dos tempos, as pessoas não olham para trás. Um dia vamos ficar muito admirados de termos oitenta anos (se lá chegarmos). Hoje morreu um objecto fundamental da minha infância e um dia todos ficarão muito admirados sequer de ele ter existido. E essas pessoas não serão nem melhores nem piores que nós, nem os seus tempos serão piores ou melhores que o nosso, serão só outras elas e diferentes os tempos. Pessoas que um dia dirão Lembras-te do VHS?
Nesse dia não saberão dizer, mas foi hoje que morreu.
Proponho a alguém que perceba do assunto editar um livro chamado O Grande Livro dos Objectos Desaparecidos. Eu comprava. Será um sucesso, garanto-vos.
Vários passos aleatórios para a felicidade
- Dar todos os dias pelo menos um abraço forte a todas as pessoas de quem gostamos.
- Percebermos que cada pessoa tem direito a ser como é e que podemos tentar mudá-la, mas não podemos não gostar dessa pessoa por ela se recusar a mudar. Nem toda a gente pode ser como nós.
- Perceber que cada minuto da nossa vida é sagrado e que devemos honrá-lo como tal, apreciando-o e celebrando a sua existência.
- Percebermos que a maior parte das vezes só alimentamos os nossos problemas porque não os resolvemos de uma vez por todas e que pensar neles não serve de nada, só resolvê-los. Pensar neles é agravá-los.
- Perceber que cada minuto da nossa vida é sagrado e que devemos honrá-lo como tal, apreciando-o e celebrando a sua existência.
- Percebermos que a maior parte das vezes só alimentamos os nossos problemas porque não os resolvemos de uma vez por todas e que pensar neles não serve de nada, só resolvê-los. Pensar neles é agravá-los.
domingo, 21 de dezembro de 2008
O meu sonho
Os amigos deviam todos trabalhar juntos.
Criar empresas.
E famílias.
Então a vida seria boa. Só quem ou nunca trabalhou ou nunca teve amigos é que não percebe como isto é verdade. É que não há qualquer interesse em a vida ser de outra maneira. Tenho saudades das pessoas de quem gosto.
Se admitíssemos de uma vez por todas que a liberdade não existe e que temos todos de trabalhar, para toda a vida, talvez começássemos a pensar a sério em soluções para as nossas vidas. Em vez disso, para não pensarmos no problema, dizemos Ah, a liberdade, tão bonita, continuamos a sonhar com ela e, quando der por mim, já não tenho amigos.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Sobre experimentar
Os artistas andam aí todos sem pudor a dizer que fazem experiências, como se todas as experiências não implicassem uma cobaia, e ser uma cobaia não implicasse sofrimento.
É por isso que as experiências se fazem em privadas salinhas escuras e não em grandes salas públicas. Sob o risco de criarmos grandes salas escuras.
Não se deve sorrir quando se diz que se faz uma experiência. Porque é que os cientistas não riem às gargalhadas? Porque não é por acaso que o cientista louco é o vilão de tantas histórias. Devem fazer-se experiências, mas sempre com vergonha. Fazer experiências sem vergonha é feio.
Em busca da expressão toda
Por favor não me ofereças enigmas. A verdade já é um enigma. Complicar mais o que se tentasses que fosse simples seria ainda assim complicado, o que pode ser se não arrogância? Tentemos antes usar as palavras certas e não as erradas para podermos rir da verdade e não da mentira.
A ousadia de complicar. É brincar com o fogo por se achar que se está a brincar com o fogo quando realmente não se está. Isso é que queima, pois é pela ignorância que se passa a estar. Quem se diverte ao pensar que está a arriscar queimar-se quando não está, queima-se de certeza. Tentar que os outros não percebam bem, ser misterioso só pode ser discordar da Vida. Criar enigmas é mórbido. Sermos todos loucos não é motivo para enlouquecer mais mas para tentar ser são. O facto de sermos mortais também não é motivo para nos matarmos, mas para vivermos.
Quem cria enigmas e procura complicar o mundo é talvez porque só saiba mover-se na ignorância. Eu não quero que compliquem, por favor, porque eu não sei. Quero a cada dia que passa tentar perceber um pouquinho mais, a cada dia que passa estar mais próximo de mim por estar mais próximo dos outros. Quero falar, ouvir, perceber e ser percebido. Quero comunicar. Palavras cheias como um pão ainda por rasgar. Não façam tudo em migalhas, por favor. Vejam o todo e não as partes. É tão simples, tão simples, que até parece não ser nada.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
O amor dela
Um dia, uma grande amiga chorou-me o ombro. As suas lágrimas fertilizaram no meu corpo uma ideia e ainda hoje estão em mim as marcas da água dos olhos dela.
Ela chorava todo o amor que deu a quem não lho deu de volta. Ela chorava toda a bondade que sofreu e que não lhe foi retribuida. Ela chorava ser tão boa num mundo de tão maus.
Então eu disse-lhe o que, num sermão, me disse António Vieira e que por sua vez lhe foi dito a ele pela Bíblia e que um dia também ela dirá a alguém.
Jesus amava os homens. Jesus amava os homens e os homens não sabiam que ele os amava e Jesus não os amava menos por isso. Jesus amou, amou os homens e sofreu, sofreu por eles. E nunca quis que se soubesse do seu amor nem que o seu amor fosse pago. Então era masoquista foram as palavras dela. Não. Jesus não queria que o seu amor fosse pago porque quando algo está pago, acaba a transação. Vai-se embora e é o fim da obrigação. Jesus nunca quis que o seu amor fosse pago para que o seu amor fosse eterno. Jesus nunca trocou ou vendeu o amor, só deu. E a forma mais nobre de amar é, como se diz, dando amor. E dando-o porque dá-lo nos faz feliz. E não por esperarmos outra coisa em troca. O único amor é o que é dado, para sempre. Sem o pedir de volta.
E numa luz que se fez na cara dela e num sorriso que sorriu ela compreendeu. Soube (dentro dela) que a ideia de negócio só lhe tinha sido ensinada pelo capitalismo e que não era real. Deixou de chorar por não mais sentir culpa nem vergonha de amar sem ser retribuida e partiu, feliz. E naquele momento, parado na rua a vê-la partir, via-a tornar-se mais nela própria.
No início daquela noite, ela mostrara-me o seu casaco novo de inverno, lindo, que fazia dela uma sensualíssima mulher, pondo o longo capuz do casaco sobre a cabeça e dizendo Faz-me parecer uma monge.
Ela chorava todo o amor que deu a quem não lho deu de volta. Ela chorava toda a bondade que sofreu e que não lhe foi retribuida. Ela chorava ser tão boa num mundo de tão maus.
Então eu disse-lhe o que, num sermão, me disse António Vieira e que por sua vez lhe foi dito a ele pela Bíblia e que um dia também ela dirá a alguém.
Jesus amava os homens. Jesus amava os homens e os homens não sabiam que ele os amava e Jesus não os amava menos por isso. Jesus amou, amou os homens e sofreu, sofreu por eles. E nunca quis que se soubesse do seu amor nem que o seu amor fosse pago. Então era masoquista foram as palavras dela. Não. Jesus não queria que o seu amor fosse pago porque quando algo está pago, acaba a transação. Vai-se embora e é o fim da obrigação. Jesus nunca quis que o seu amor fosse pago para que o seu amor fosse eterno. Jesus nunca trocou ou vendeu o amor, só deu. E a forma mais nobre de amar é, como se diz, dando amor. E dando-o porque dá-lo nos faz feliz. E não por esperarmos outra coisa em troca. O único amor é o que é dado, para sempre. Sem o pedir de volta.
E numa luz que se fez na cara dela e num sorriso que sorriu ela compreendeu. Soube (dentro dela) que a ideia de negócio só lhe tinha sido ensinada pelo capitalismo e que não era real. Deixou de chorar por não mais sentir culpa nem vergonha de amar sem ser retribuida e partiu, feliz. E naquele momento, parado na rua a vê-la partir, via-a tornar-se mais nela própria.
No início daquela noite, ela mostrara-me o seu casaco novo de inverno, lindo, que fazia dela uma sensualíssima mulher, pondo o longo capuz do casaco sobre a cabeça e dizendo Faz-me parecer uma monge.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Sobre a descoberta de hoje
A descoberta de hoje é do campo da paixão.
Apesar de muito intensa, não é ainda do campo do amor eterno de há anos como este manifesto a toda a beleza do mundo em forma de puro pedaço de paraíso em som e imagem, apesar dos pontos de contacto.
Post-Scriptum: E depois disto, ainda há hoje quem, em resposta a este post, me venha privadamente argumentar que fio-dental é que é... Ainda bem que há gostos diferentes.
Post-Scriptum parte II: Há até quem me critique por usar camisolas de alças brancas (são os mesmos).
Apesar de muito intensa, não é ainda do campo do amor eterno de há anos como este manifesto a toda a beleza do mundo em forma de puro pedaço de paraíso em som e imagem, apesar dos pontos de contacto.
Post-Scriptum: E depois disto, ainda há hoje quem, em resposta a este post, me venha privadamente argumentar que fio-dental é que é... Ainda bem que há gostos diferentes.
Post-Scriptum parte II: Há até quem me critique por usar camisolas de alças brancas (são os mesmos).
Descoberta de hoje
É possível estar perdidamente apaixonado por esta canção e vídeo e não ser homossexual.
sábado, 6 de dezembro de 2008
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
Vamos petiscar
Começou hoje em Lisboa o Super Bock em Stock. Pela primeira vez em Portugal, um festival de grande dimensão baseia-se no novíssimo e inovador conceito de, durante dois dias, ter cinco salas com concertos sem parar e em simultâneo, com o espectador a pagar um bilhete único e a ter a grande vantagem proporcionada pela organização, de poder ver (cito) Quatro ou cinco canções de cada banda e ir rodando por todos os palcos.
Ora isto é de facto uma grande vantagem se os concertos forem maus. Pela primeira vez, a organização de um evento tem a visão (e tiro-lhes sinceramente o chapéu por terem percebido o público contemporâneo) de perceber que o mundo de hoje em dia se baseia em provar. Provar daqui, provar dali, dizer Mnham, este David Fonseca é ótimo, vamos embora, hummm, este Rui Reininho também é engraçado, vamos embora, haaa, que porreiros estes Pontos Negros, chau.
Basicamente agora vai-se a concertos como se ouvem mp3 em casa. Não se ouve nada a sério. Vai-se ouvindo. Conhece-se umas músicas. É a geração do Olha esta canção tão gira mas não tenho paciência para as outras. Este estilo de festival premia, portanto, as bandas de duas ou três canções boas. Espero sinceramente que na edição do próximo ano em vez de no cartaz virem apenas as horas a que cada banda toca em simultâneo, venha também a hora a que tocam a sua melhor canção, ou o single, e que isso seja concertado de forma a que nunca seja à mesma hora, sempre a horas diferentes, para que dê para o espectador apanhar todos os singles ou melhores canções de todas, já que não dá para ver mais que isso.
Mas este festival não é só isto. É muito bom porque se a pessoa estiver a gostar pode ficar, se não estiver pode ir-se embora. GENIAL! Então agora posso pagar para ir a concertos maus e tenho a vantagem de me ir embora?! Espetacular.
Sejamos sérios. Claro que este conceito de festival é para pessoas que não gostam de todas as bandas que lá estão, ou gostam mais de umas e menos de outras e só irão aos concertos daquelas de que gostam. Então para quê pagar por bandas que não se vai ver porque não se gosta?? Ou que não se gosta realmente? E 40 euros? É que um bilhete para uma banda da qual se gosta realmente custa 25, 30 euros (está bem, se for brasileiro sabe-se lá porquê custa sempre 50)
Acho que estamos a chegar ao cerne da questão. As pessoas que se identificam com este conceito de festival não gostam das bandas. Gostam é de saltitar. É que quando eu gosto de uma banda, gosto de ver o seu espetáculo de uma ponta à outra e de berrar e chorar baba e ranho por mais. Gosto de berrar por um encore, gosto de não ouvir mais nada nesse dia e ir para casa a cantar, quando chego pôr todos os discos a tocar em cadeia e ficar o próximo mês a sonhar com aquela noite mágica.
Imaginemos um festival com concertos em simultâneo do Leonard Cohen, do Jeff Buckley (eu sei que infelizmente já não é vivo, é só um exemplo já que todos os artistas que admiramos morrerão um dia), do Bob Dylan, do Chico Buarque, do Caetano Veloso e do Morrissey. Isto passa pela cabeça de alguém? Poderia passar, são tudo artistas tãaaaao diferentes! Pelo menos o Dylan, o Caetano e o Morrissey são. Porque não pô-los todos ao mesmo tempo? Sabem porquê? Porque são todos mesmo bons.
Está bem, digam-me que, além de os gostos variarem, há espaço na vida para concertos muito bons e para concertos só bons, ou médios. Concertos muito sérios e concertos just for fun (excepcionalmente uso uma expressão em inglês porque identifico o tipo de pessoas que a usam com a superficialidade que ela contém). Mas porque há de ser assim? Porque é que eu hei de ir a um conerto assim assim? É que os artistas que adoramos vão todos morrer um dia, como o Jeff Buckley... Podem estar a morrer agora, enquanto eu estou a esrever este post... E o dinheiro não é infinito, nem o tempo (que é dinheiro), por isso não dá para irmos a todos! Para quê ir a concertos medianos só por ir? Só para ver quatro ou cinco canções?
Eu sei porque é. É porque vivemos numa cultura em que as pessoas não têm paciência nem se esforçam para nada que lhes dê prazer, em que o que é um bocadinho difícil de gostar, não é gostável, em que o que implica dedicação, esforço (como ficar 6 horas a ver concertos maus para guardar um lugar à frente para ver o Bob Dylan a quinze metros de nós e com os nossos próprios olhos, não em ecrãs (só um à parte - qualquer dia fazem-se festivais de verão em que são actores a fazer de músicos e põe-se a passar um DVD dos músicos ao vivo no ecrã gigante e ninguém nota a diferença)) não vale a pena, em que não se cultiva um gosto artístico, uma cultura em que as pessoas não gostam realmente de nada nem de ninguém porquê dá trabalhoooo.
Como no sexo. Vivemos numa cultura de rapidinhas. De quecas fernéticas de mudar de um para outro parceiro para experimentar, experimentar, experimentar sabe-se lá o quê, talvez a estupidez de quem vive assim, ou talvez experimentar a vida. E porquê experimentar a vida? Porque não vivê-la? Eu pessoalmente - assumo, é uma questão de gosto como na música, admito - não gosto de rapidinhas. Gosto de disfrutar, de saborear, gosto de me apaixonar por uma pessoa com quem me estou a partilhar (sim, a mim!), gosto de degostar do acto de conhecer a pessoa - delicadamente, lentamente, com tempo, sem pressas - gosto de a saborear, gosto de a ter sempre ao meu lado e chorar quando não está. Não gosto de experimentar - voltando à expressão inicial, de provar, nem de deitar fora. Especialmente porque deitar uma coisa fora gera lixo e o lixo é o grande problema do Séc. XXI.
E como sou no sexo sou na Arte. Quando eu gosto de uma coisa, eu gosto dela arrebatadoramente, loucamente, incondicionalmente, até ao limite de mim próprio. Gosto de comprar todos os DVDs, todos os livros, todos os discos (eu ainda compro discos pessoal dos mp3 que quando o computador se avaria e ficam sem toda a sua música para ouvir nem dão conta porque não gostam realmente de música!), ver todas as exposições, etc. Como quando gosto de uma mulher gosto mesmo dela.
Podem ainda dizer-me Mas pode-se gostar muito de umas coisas e menos de outras, comer muito de umas e só provar de outras. Sim, pode-se. Mas qual é o interesse? Qual é o interesse se se pode estar sempre a comer coisas espectaculares? Qual é o interesse de comer uma fatia de uma pizza do Pizza Hut se se pode comer uma do melhor restaurante italiano de Lisboa? É que neste caso o preço não é assim tão diferente. 40 euros é muito dinheiro para petiscar, é o que eu vos digo.
Para terminar, este festival faz outra coisa espectacular. Como está tudo a acontecer ao mesmo tempo, cada crítico também só ouve Quatro ou cinco canções. Assim, todos os concertos podem ter sido uma merda, que a organização e o artista podem sempre afirmar Ahh, que pena, só ouviste a pior parte do concerto. Antevê-se, portanto, um sucesso na crítica.
Esta é a primeira edição de um festival que vai continuar entre nós por muitos e longos anos.
Ora isto é de facto uma grande vantagem se os concertos forem maus. Pela primeira vez, a organização de um evento tem a visão (e tiro-lhes sinceramente o chapéu por terem percebido o público contemporâneo) de perceber que o mundo de hoje em dia se baseia em provar. Provar daqui, provar dali, dizer Mnham, este David Fonseca é ótimo, vamos embora, hummm, este Rui Reininho também é engraçado, vamos embora, haaa, que porreiros estes Pontos Negros, chau.
Basicamente agora vai-se a concertos como se ouvem mp3 em casa. Não se ouve nada a sério. Vai-se ouvindo. Conhece-se umas músicas. É a geração do Olha esta canção tão gira mas não tenho paciência para as outras. Este estilo de festival premia, portanto, as bandas de duas ou três canções boas. Espero sinceramente que na edição do próximo ano em vez de no cartaz virem apenas as horas a que cada banda toca em simultâneo, venha também a hora a que tocam a sua melhor canção, ou o single, e que isso seja concertado de forma a que nunca seja à mesma hora, sempre a horas diferentes, para que dê para o espectador apanhar todos os singles ou melhores canções de todas, já que não dá para ver mais que isso.
Mas este festival não é só isto. É muito bom porque se a pessoa estiver a gostar pode ficar, se não estiver pode ir-se embora. GENIAL! Então agora posso pagar para ir a concertos maus e tenho a vantagem de me ir embora?! Espetacular.
Sejamos sérios. Claro que este conceito de festival é para pessoas que não gostam de todas as bandas que lá estão, ou gostam mais de umas e menos de outras e só irão aos concertos daquelas de que gostam. Então para quê pagar por bandas que não se vai ver porque não se gosta?? Ou que não se gosta realmente? E 40 euros? É que um bilhete para uma banda da qual se gosta realmente custa 25, 30 euros (está bem, se for brasileiro sabe-se lá porquê custa sempre 50)
Acho que estamos a chegar ao cerne da questão. As pessoas que se identificam com este conceito de festival não gostam das bandas. Gostam é de saltitar. É que quando eu gosto de uma banda, gosto de ver o seu espetáculo de uma ponta à outra e de berrar e chorar baba e ranho por mais. Gosto de berrar por um encore, gosto de não ouvir mais nada nesse dia e ir para casa a cantar, quando chego pôr todos os discos a tocar em cadeia e ficar o próximo mês a sonhar com aquela noite mágica.
Imaginemos um festival com concertos em simultâneo do Leonard Cohen, do Jeff Buckley (eu sei que infelizmente já não é vivo, é só um exemplo já que todos os artistas que admiramos morrerão um dia), do Bob Dylan, do Chico Buarque, do Caetano Veloso e do Morrissey. Isto passa pela cabeça de alguém? Poderia passar, são tudo artistas tãaaaao diferentes! Pelo menos o Dylan, o Caetano e o Morrissey são. Porque não pô-los todos ao mesmo tempo? Sabem porquê? Porque são todos mesmo bons.
Está bem, digam-me que, além de os gostos variarem, há espaço na vida para concertos muito bons e para concertos só bons, ou médios. Concertos muito sérios e concertos just for fun (excepcionalmente uso uma expressão em inglês porque identifico o tipo de pessoas que a usam com a superficialidade que ela contém). Mas porque há de ser assim? Porque é que eu hei de ir a um conerto assim assim? É que os artistas que adoramos vão todos morrer um dia, como o Jeff Buckley... Podem estar a morrer agora, enquanto eu estou a esrever este post... E o dinheiro não é infinito, nem o tempo (que é dinheiro), por isso não dá para irmos a todos! Para quê ir a concertos medianos só por ir? Só para ver quatro ou cinco canções?
Eu sei porque é. É porque vivemos numa cultura em que as pessoas não têm paciência nem se esforçam para nada que lhes dê prazer, em que o que é um bocadinho difícil de gostar, não é gostável, em que o que implica dedicação, esforço (como ficar 6 horas a ver concertos maus para guardar um lugar à frente para ver o Bob Dylan a quinze metros de nós e com os nossos próprios olhos, não em ecrãs (só um à parte - qualquer dia fazem-se festivais de verão em que são actores a fazer de músicos e põe-se a passar um DVD dos músicos ao vivo no ecrã gigante e ninguém nota a diferença)) não vale a pena, em que não se cultiva um gosto artístico, uma cultura em que as pessoas não gostam realmente de nada nem de ninguém porquê dá trabalhoooo.
Como no sexo. Vivemos numa cultura de rapidinhas. De quecas fernéticas de mudar de um para outro parceiro para experimentar, experimentar, experimentar sabe-se lá o quê, talvez a estupidez de quem vive assim, ou talvez experimentar a vida. E porquê experimentar a vida? Porque não vivê-la? Eu pessoalmente - assumo, é uma questão de gosto como na música, admito - não gosto de rapidinhas. Gosto de disfrutar, de saborear, gosto de me apaixonar por uma pessoa com quem me estou a partilhar (sim, a mim!), gosto de degostar do acto de conhecer a pessoa - delicadamente, lentamente, com tempo, sem pressas - gosto de a saborear, gosto de a ter sempre ao meu lado e chorar quando não está. Não gosto de experimentar - voltando à expressão inicial, de provar, nem de deitar fora. Especialmente porque deitar uma coisa fora gera lixo e o lixo é o grande problema do Séc. XXI.
E como sou no sexo sou na Arte. Quando eu gosto de uma coisa, eu gosto dela arrebatadoramente, loucamente, incondicionalmente, até ao limite de mim próprio. Gosto de comprar todos os DVDs, todos os livros, todos os discos (eu ainda compro discos pessoal dos mp3 que quando o computador se avaria e ficam sem toda a sua música para ouvir nem dão conta porque não gostam realmente de música!), ver todas as exposições, etc. Como quando gosto de uma mulher gosto mesmo dela.
Podem ainda dizer-me Mas pode-se gostar muito de umas coisas e menos de outras, comer muito de umas e só provar de outras. Sim, pode-se. Mas qual é o interesse? Qual é o interesse se se pode estar sempre a comer coisas espectaculares? Qual é o interesse de comer uma fatia de uma pizza do Pizza Hut se se pode comer uma do melhor restaurante italiano de Lisboa? É que neste caso o preço não é assim tão diferente. 40 euros é muito dinheiro para petiscar, é o que eu vos digo.
Para terminar, este festival faz outra coisa espectacular. Como está tudo a acontecer ao mesmo tempo, cada crítico também só ouve Quatro ou cinco canções. Assim, todos os concertos podem ter sido uma merda, que a organização e o artista podem sempre afirmar Ahh, que pena, só ouviste a pior parte do concerto. Antevê-se, portanto, um sucesso na crítica.
Esta é a primeira edição de um festival que vai continuar entre nós por muitos e longos anos.
Valores à lá carte
Ir à Difusora Bíblica comprar uma Bíblia e ela ser-me dada num saco da Casa dos Doces Hansel e Gretel do Centro Comercial Colombo.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Os objectos
No dia em que concorri ao sorteio do Green Card, os objectos sobre os quais apoiei a máquina fotográfica com a qual tirei um auto-retrato para enviar para os Estados Unidos da América foram:
A antologia bilingue de poemas do Leonard Cohen, uma compilação de Tanka dos séculos IX ao XI e outra de Haiku, um livro de entrvistas ao Billy Wilder, uma caixa de chocolates que há anos atrás pertencia a uma amiga, a Poesia Toda do Herberto Hélder, a edição em livro do argumento do Manhattan do Woody Allen, uma caixa que roubei do meu antigo emprego porque precisava para arrumar os meus papéis, a Bíblia, uma caixinha cheia de tesouros do outro lado do Atlântico que me foram dados pela mais bela pirata da história, O Culto do Chá de Wenceslau de Moraes, o Medo de Existir do José Gil e um livro de cartoons que o meu pai me deu.
Foi um acaso. Estes objectos, empilhados na vertical sobre a minha secretária, fazem a altura exata que precisava para me fotografar num bom enquadramento.
Se daqui a dezenas de anos toda a minha vida tiver mudado graças a este sorteio, estes objetos estavam aqui comigo. Eles estavam aqui. Estão na fotografia. Estão comigo porque os li. São estas coisas que fazem uma pessoa.
Espero que me dêem sorte.
sábado, 29 de novembro de 2008
Um canção para todas as pessoas que não gostam da vida
Já aqui dediquei uma canção à minha futura namorada.
Gostava de hoje dedicar uma a todas as pessoas que não gostam da vida.
Força Estranha
Eu vi um menino correndo
eu vi o tempo brincando ao redor
do caminho daquele menino,
Eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando
outra pessoa
O tempo parou para eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista
o tempo não pára
e no entanto ele nunca envelhece.
Aquele que conhece o jogo,
do fogo das coisas que são.
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.
Eu vi muitos homens brigando.
Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta,
E a coisa mais certa de todas as coisas.
não vale um caminho sob o sol.
É o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Caetano Veloso
Gostava de hoje dedicar uma a todas as pessoas que não gostam da vida.
Força Estranha
Eu vi um menino correndo
eu vi o tempo brincando ao redor
do caminho daquele menino,
Eu pus os meus pés no riacho.
E acho que nunca os tirei.
O sol ainda brilha na estrada que eu nunca passei.
Eu vi a mulher preparando
outra pessoa
O tempo parou para eu olhar para aquela barriga.
A vida é amiga da arte
É a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista
o tempo não pára
e no entanto ele nunca envelhece.
Aquele que conhece o jogo,
do fogo das coisas que são.
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.
Eu vi muitos homens brigando.
Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta,
E a coisa mais certa de todas as coisas.
não vale um caminho sob o sol.
É o sol sobre a estrada, é o sol sobre a estrada, é o sol.
Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha no ar.
Por isso é que eu canto, não posso parar.
Por isso essa voz tamanha.
Caetano Veloso
As meninas e o amor
- Parte I
Tenho uma amiga que numa viagem há um ano atrás a uma capital europeia, comprou um postal lindíssimo. Esse postal, decidiu, seria para oferecer ao homem da vida dela.
Esse homem seria aquele que mais felicidade lhe trouxesse, mais alegrias, mais risos, mais sonhos acordados, mais sorrisos, mais projetos em comum, mais vida.
Há uns dias atrás, a minha amiga encontrou esse postal perdido no fundo de um armário.
Então ela percebeu que era lá que estava o seu amor. No fundo de um armário, perdido no fundo da cabeça dela. Ela tinha esquecido o amor. Tinha até esquecido que aquele postal já tem um dono, e que é o dever dela restituí-lo.
- Parte II
Nos últimos dias tenho contado às minhas amigas o quanto preciso do amor de uma mulher amada. Digo-o na esperança de ganhar um beijinho, mas não. Pelo contrário, todas me respondem o que começo a desconfiar ser um código de uma seita feminina qualquer. Sem excepção, todas (até a minha mãe [!!]) responderam aos meus lamentos com Vais encontrar o amor quando menos esperares.
Considero que as mulheres, como um oráculo, têm resposta a todas as questões da vida. Só temos de saber interpretá-las. Inicialmente levei este ensinamento a sério. Não esperei nada. Como quem tem uma dor, tentei não pensar nela (nela dor, ou nela mulher da minha vida, não sei já que não pensei nisso). Tive fé que o amor viria e, sem ânsias, não o esperei. Desconfio que no dia em que me veio bater à porta eu não estivesse em casa.
Foi o mesmo que aconteceu à minha amiga e ao seu postal. O amor não se cruzou conosco.
Assim, enquanto lambia as minhas feridas, pensei melhor. Algo escapava. E foi aí que percebi o ensinamento oculto, que afinal sempre tinha estado lá perante os meus olhos mas que eu não vira. Quando menos esperares dizem elas. Qual é o contrário de esperar? É ir à procura.
Então o ensinamento que eu pensava que me dizia para estar desatentamente à espera de nada, como para passear descansadamente pela minha vida que o amor dobraria a minha esquina, afinal não. Afinal diz para eu esperar o menos possível. Para eu não esperar.
Foram estas duas histórias que me levaram a mudar o rumo da minha vida.
Obrigado bravas meninas.
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Poema XII
Tudo à volta são suicídios lentos.
Meticulosas degradações
subtrações
experiências
na era em que a única arte é a da morte.
Quando um dia sobre os despojos da guerra
só eu e tu restarmos
Quando já não houverem coisas
só meias coisas, escombros
Quando só restarem mulheres enlouquecidas
e homens gastos, ratos
Quando todos os outros falharam
endoideceram
ou se fecharam em caixas e casas,
Aí nos encontraremos, sobreviventes porque inteiros,
eu e tu, mulher sã.
Simples mãe da dignidade, que não pensa, vive
e não destruiu o seu sorriso.
Tratarei de te manter assim,
pois é o meu ofício.
Não há loucura nas flores, nem nas lagoas, nem nos vestidos
de noiva.
Sozinhos eternamente, acompanhados por sermos únicos,
o mundo será nosso
e construiremos cabanas
com trapos
a que outros chamaram bandeiras.
Meticulosas degradações
subtrações
experiências
na era em que a única arte é a da morte.
Quando um dia sobre os despojos da guerra
só eu e tu restarmos
Quando já não houverem coisas
só meias coisas, escombros
Quando só restarem mulheres enlouquecidas
e homens gastos, ratos
Quando todos os outros falharam
endoideceram
ou se fecharam em caixas e casas,
Aí nos encontraremos, sobreviventes porque inteiros,
eu e tu, mulher sã.
Simples mãe da dignidade, que não pensa, vive
e não destruiu o seu sorriso.
Tratarei de te manter assim,
pois é o meu ofício.
Não há loucura nas flores, nem nas lagoas, nem nos vestidos
de noiva.
Sozinhos eternamente, acompanhados por sermos únicos,
o mundo será nosso
e construiremos cabanas
com trapos
a que outros chamaram bandeiras.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Bons I
"- Qual é a sua política?"
"- A minha política é ser amigo de todos."
- Rui Nabeiro
Uma das pessoas mais exemplares à face da terra.
"- A minha política é ser amigo de todos."
- Rui Nabeiro
Uma das pessoas mais exemplares à face da terra.
Olhar as estrelas
Fala-se em olhar as estrelas. Mas poucos realmente olham as estrelas.
Quem olha as estrelas? A maioria sabe que elas lá estão. Não precisa de olhar. Essas são as pessoas para quem saber que uma coisa existe é saber tudo.
É como olhar o fogo. Uma vez conheci uma rapariga que tinha o milagre do fogo nos dedos.
Pegava numa pinha e num tronco duro de madeira e punha-os em cima um do outro e havia uma lareira. Eu e ela olhávamos o fogo. Viamos o fogo queimar, víamos as texturas do fogo, percebíamos que havia um lugar que era o fogo. E havia a madeira. E o fogo e a madeira juntos faziam a madeira desaparecer. O que fica no lugar da madeira? perguntava ela como se fosse criminosamente dona de um milagre.
Quando as pessoas que olham as estrelas olham para elas, vêem como que um pequeno carnaval, uma pequena festa de aldeira com fogo de artifício infinito sobre o vasto negro eterno, a acontecer a milhares de milhões de quilómetros lá em cima.
Já ali em cima de nós, a milhares de milhões de quilómetros. Quando eu olho as estrelas sinto a noite mais quente, e vejo com os meus próprios olhos outras galáxias. Poucas pessoas perdem tempo a olhar as outras galáxias. Essas são as pessoas realmente santas, para quem saber que elas existem basta. As pessoas com o milagre do olhar, olham.
Para elas, olhar é como pensar. Olhar é ser.
Essas pessoas quando olham para uma toalha de praia não vêem um rectângulo, vêem milhões de pontinhas de tecido suave e colorido juntas umas às outras, em muito complexas estruturas, que não é por isso que deixam de ser simples. Essas pessoas vêem numa toalha de praia toda a explicação das estruturas do mundo e percebem como complexidade e simplicidade podem ser sinónimos. Não chamam a isto filosofia.
Às pessoas que olham as estrelas, não é preciso deitar-se na praia para olhá-las, embora seja agradável. Basta-lhes uma janela, numa casa. Basta-lhes o céu.
Estas são pessoas que, como o Teddy, sabem que um braço não existe. Sabem que um braço é só um nome. Sabem que o braço está ligado ao ombro e o ombro ao peito, mas que são tudo uma só coisa. Onde acaba um braço?
Estas pessoas quando vêem madeira não vêem uma superfície, vêem paisagens. São pessoas para quem o tamanho não faz parte das coisas.
São pessoas que vêem os intervalos entre as coisas, e sabem que o nada não existe, só o tudo.
Normalmente são pessoas que dançam bem.
Sabem que a dança reside espaço entre os passos, e que os passos são só uma posição transitória para o corpo se poder mexer de uma posição para outra, que o completa a si mesmo.
Sempre que olho as estrelas lembro-me daquela noite de Verão, na Costa da Caparica quando tinha oito anos e anunciaram os extra-terrestres na televisão. Desde aí que sei instintivamente que o céu está vivo.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Só
É assim uma espécie de solidão absoluta, que não deve ser consfundida com tristeza. É triste, a solidão, mas não é a tristeza em si mesma. A Solidão é sentir que não há ninguém que queria estar comigo e perceber que também não há ninguém com quem queira estar. Mas que não quero estar sozinho. A solidão é querer estar com alguém que não existe. A solidão pode ser amansada com música da Joanna Newsom, ou com fotografias bonitas a preto e branco, mas não se vai embora. Podemos escrever sobre ela e não se vai embora. Pode ser temperada com mensgens de pessoas a acusarem-nos de não querermos estar com elas como se isso não fosse um direito nosso, mas isso não a torna mais gostosa. E o pior de tudo sobre a solidão é que nem sequer tem um twist final e quando escrevemos sobre ela, o texto parece completamente desprovido de objectivo dramático ou até de importância. Somos só mais um solitário que não consegue dar a volta por cima e vem lamentar-se para um blogue que ninguém lê... É isso que é triste na solidão.
sábado, 22 de novembro de 2008
Poema XI
Há um tempo que não acaba.
Está dentro de nós
e é uma porta de entrada,
onde só a dignidade passa
quando se torna a carapaça
contra a nossa intensa idade.
Contra a explosão dos tempos,
o temporal,
a tempestade.
Está dentro de nós
e é uma porta de entrada,
onde só a dignidade passa
quando se torna a carapaça
contra a nossa intensa idade.
Contra a explosão dos tempos,
o temporal,
a tempestade.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
O pré-fabricado
Ele mandou-a calar. Amava-a e não suportava ver lixo sair da boca dela. Só que ele não tinha estudado artes, e o que tomou por lixo era na verdade um ready-made. Ela ficou muito ofendida. Hoje é namorada de um reputado crítico de arte.
domingo, 16 de novembro de 2008
Poema IX
Não fumes.
Vinga antes sobre mim esse desejo
de um prazer que te mate
pouco a pouco.
Guarda esse fôlego.
Se vais morrer nos meus braços
deixa-me ser eu a matar-te
ensinando-te uma nova maneira de respirar.
Une-te a mim para sempre.
Eu sei que assusta porque só a morte é eterna
mas se te casares comigo um bocadinho todos os dias
prometo que morreremos juntos sem darmos conta.
Vinga antes sobre mim esse desejo
de um prazer que te mate
pouco a pouco.
Guarda esse fôlego.
Se vais morrer nos meus braços
deixa-me ser eu a matar-te
ensinando-te uma nova maneira de respirar.
Une-te a mim para sempre.
Eu sei que assusta porque só a morte é eterna
mas se te casares comigo um bocadinho todos os dias
prometo que morreremos juntos sem darmos conta.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
A moral
Este post é para ser lido ao som desta canção. E tem de estar a tocar muito alto.
- Já a pôs a tocar? - pode continuar:
- Já a pôs a tocar? - pode continuar:
É para ser ouvida ao som desta canção, porque foi escrita ao som desta canção.
Nada de original portanto, como tudo o resto neste banal - e ao qual uma amiga minha já chamou egocêntrico - blogue. Pois seja já que não há nada a perder.
Foi escrita ao som do
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
do contrabaixo. (Claro que eu a ouvi em disco, pois ainda compro discos).
Hoje estou a usar um perfume que gosto muito. É o truque das pessoas sozinhas, que procuram fazer-se acompanhar da melhor solidão possível. A minha cheira bem, e soa bem.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
Hoje estava no banho e consegui finalmente pôr por palavras uma ideia que já tinha à muito tempo. Lembrei-me dela porque na novela que dá há hora do almoço a duquesa portuguesa disse aos seus filhos nascidos no Brasil que O amor é uma coisa passageira, as coisas que ficam para sempre são a família e a moral.
Não podia estar mais de acordo. É por isso que se deve tentar construir uma família perfeita. Mas o interessante é que, mais que a família, a moral vem sempre carregada de um peso negativo, diz-se moral e arrepiam-se os cabelos atrás do pescoço. Diz-se moral e aperta-se-nos o coração. E é bom que assim seja.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
É bom que assim seja porque - e isto foi o que eu consegui pôr por palavras hoje - a moral é boa, o que é mau é obrigar alguém a segui-la. É mau porque é imoral. A moral tem de ser uma coisa que decidimos voluntariamente seguir. Claro, podem dar-nos uma ajuda. Mas obrigar não. E porquê? O Mestre do Tiro com Arco em O Zen e Arte do Tiro com Arco, já aqui citado uma vez noutro contexto, explica muito bem porquê, quando diz ao seu aluno para esticar um arco muito pesado sem fazer força nos braços, só nas mãos, e não lhe diz como. Passa uma semana e o aluno continua a tentar sem sucesso. Passam duas semanas e três e meses, e o aluno é levado ao desespero e à convicção de que é impossível ser virtuoso no tiro com arco. Vê a monstruosidade do seu falhanço. Então chega ao pé do mestre e implora-lhe uma vez mais Explique-me como mestre. E então o mestre explica, e ele consegue. E é aí que o aluno pergunta Porque me levou a este desespero mestre, porque me fez perder todo este tempo e chegar a tamanha frustração? Ao que o mestre respondeu Para que saibas o valor deste ensinamento.
É o mesmo com a moral. Pode-se explicar, mas não obrigar. Cada um tem de fazer muita merda para depois perceber qual é o caminho virtuoso.
Quando tiver filhos - muitos - vou ensinar-lhes a moral, sem os obrigar a segui-la.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
Nada de original portanto, como tudo o resto neste banal - e ao qual uma amiga minha já chamou egocêntrico - blogue. Pois seja já que não há nada a perder.
Foi escrita ao som do
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
do contrabaixo. (Claro que eu a ouvi em disco, pois ainda compro discos).
Hoje estou a usar um perfume que gosto muito. É o truque das pessoas sozinhas, que procuram fazer-se acompanhar da melhor solidão possível. A minha cheira bem, e soa bem.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
Hoje estava no banho e consegui finalmente pôr por palavras uma ideia que já tinha à muito tempo. Lembrei-me dela porque na novela que dá há hora do almoço a duquesa portuguesa disse aos seus filhos nascidos no Brasil que O amor é uma coisa passageira, as coisas que ficam para sempre são a família e a moral.
Não podia estar mais de acordo. É por isso que se deve tentar construir uma família perfeita. Mas o interessante é que, mais que a família, a moral vem sempre carregada de um peso negativo, diz-se moral e arrepiam-se os cabelos atrás do pescoço. Diz-se moral e aperta-se-nos o coração. E é bom que assim seja.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
É bom que assim seja porque - e isto foi o que eu consegui pôr por palavras hoje - a moral é boa, o que é mau é obrigar alguém a segui-la. É mau porque é imoral. A moral tem de ser uma coisa que decidimos voluntariamente seguir. Claro, podem dar-nos uma ajuda. Mas obrigar não. E porquê? O Mestre do Tiro com Arco em O Zen e Arte do Tiro com Arco, já aqui citado uma vez noutro contexto, explica muito bem porquê, quando diz ao seu aluno para esticar um arco muito pesado sem fazer força nos braços, só nas mãos, e não lhe diz como. Passa uma semana e o aluno continua a tentar sem sucesso. Passam duas semanas e três e meses, e o aluno é levado ao desespero e à convicção de que é impossível ser virtuoso no tiro com arco. Vê a monstruosidade do seu falhanço. Então chega ao pé do mestre e implora-lhe uma vez mais Explique-me como mestre. E então o mestre explica, e ele consegue. E é aí que o aluno pergunta Porque me levou a este desespero mestre, porque me fez perder todo este tempo e chegar a tamanha frustração? Ao que o mestre respondeu Para que saibas o valor deste ensinamento.
É o mesmo com a moral. Pode-se explicar, mas não obrigar. Cada um tem de fazer muita merda para depois perceber qual é o caminho virtuoso.
Quando tiver filhos - muitos - vou ensinar-lhes a moral, sem os obrigar a segui-la.
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
TUM-TUM; TAM TAM, TUM...
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Sobre o saber ocupar lugar
Os profetas não sabiam só o que ninguém sabia.
Também não sabiam aquilo que todos sabiam.
Foi por isso que foram profetas.
Também não sabiam aquilo que todos sabiam.
Foi por isso que foram profetas.
Saber ocupa lugar
Há coisas que é preciso não saber para saber outras. Diz-se que o saber não ocupa lugar, mas não é verdade.
Há saberes que anulam outros. Há saberes que se anulam uns aos outros. Certos saberes ocupam o lugar de saberes opostos a eles. Há quem não perceba isto. Não é complicado. Por exemplo (é sempre mais fácil com um exemplo), é preciso nunca ter "vivido" o que é ter pai e mãe para compreender o que é ser órfão.
Para perceber a vida de outra pessoa, não basta conhecer os elementos que levaram a essa vida. É preciso também ignorar os nossos. E é impossível. Quando falo em compreender, falo em sentir como verdade aquilo que o outro sente como verdade. É isso que é compreender o outro. É compreender tudo nele.
Ora isso é impossível. E era isso que queria dizer às pessoas que tiram conclusões sobre os outros partindo do princípio que os compreendem só porque sabem tudo sobre eles.
Saber tudo sobre alguém, não é saber tudo, na medida em que não se sabe só isso. Na medida em que sabemos algo sobre nós.
Saber tudo é impossível. Para saber umas coisas, é preciso não saber outras. E a cada coisa que aprendemos, estamos a destruir outra que sabíamos, que era o não sabermos. Cada pessoa devia ter muito cuidado com aquilo que aprende.
Partamos do princípio que é impossível alguém compreender completamente outra pessoa e talvez nos consigamos começar a compreender um pouco melhor. Prestar mais atenção ao que podemos, por termos noção do que não podemos.
Ora isso é impossível. E era isso que queria dizer às pessoas que tiram conclusões sobre os outros partindo do princípio que os compreendem só porque sabem tudo sobre eles.
Saber tudo sobre alguém, não é saber tudo, na medida em que não se sabe só isso. Na medida em que sabemos algo sobre nós.
Saber tudo é impossível. Para saber umas coisas, é preciso não saber outras. E a cada coisa que aprendemos, estamos a destruir outra que sabíamos, que era o não sabermos. Cada pessoa devia ter muito cuidado com aquilo que aprende.
Partamos do princípio que é impossível alguém compreender completamente outra pessoa e talvez nos consigamos começar a compreender um pouco melhor. Prestar mais atenção ao que podemos, por termos noção do que não podemos.
domingo, 9 de novembro de 2008
Poema VIII
Mulher
Meu gracioso potente porte negro
Que vives a vida como a proa de um navio
Que me beijas a boca como uma mãe que mede a febre
e como uma filhinha que pede beijos antes de adormecer
Os teus lábios reanimam-me numa beira-mar só nossa
onde o único alimento é o sal dos teus cabelos.
Ao meu colo, envolta no teu xaile preto
Fazes lágrimas para me explicares a grandeza do mar
Meu gracioso potente porte negro
Que vives a vida como a proa de um navio
Que me beijas a boca como uma mãe que mede a febre
e como uma filhinha que pede beijos antes de adormecer
Os teus lábios reanimam-me numa beira-mar só nossa
onde o único alimento é o sal dos teus cabelos.
Ao meu colo, envolta no teu xaile preto
Fazes lágrimas para me explicares a grandeza do mar
sábado, 8 de novembro de 2008
A arrogância do artista
Recorrentemente encontro pessoas que se surpreendem por os grandes artistas serem arrogantes. Oiço pessoas dizerem que "até gostariam" de tal artista, não fosse tal artista "ser arrogante". Como quem diz Até fazia o esforço de gostar. Nunca percebi estas pessoas.
Tal grande artista não é humilde? Mas já não tinha sido humilde quando decidiu ser grande. Não foi humilde quando decidiu extravasar todos os seus limites e aspirou ser mais de si mesmo do que ele próprio pensava poder ser. Os grandes não foram talhados para a humildade. Por isso é que são grandes. São pessoas que não couberam em si - o que há de mais arrogante que isso? O ponto de partida deles já é a arrogância, não é um ponto de chegada.
Tal grande artista não é humilde? Mas já não tinha sido humilde quando decidiu ser grande. Não foi humilde quando decidiu extravasar todos os seus limites e aspirou ser mais de si mesmo do que ele próprio pensava poder ser. Os grandes não foram talhados para a humildade. Por isso é que são grandes. São pessoas que não couberam em si - o que há de mais arrogante que isso? O ponto de partida deles já é a arrogância, não é um ponto de chegada.
Arrogância não é o mesmo que má educação. Arrogância é simplesmente alguém que não aceita ser do tamanho que é. Nem é não aceitar ser pequeno. É não aceitar ser normal. Isso sim, é arrogância. Não é um defeito, também não é uma qualidade. É uma característica. Um aspecto com que alguns cresceram.
Ser artista é ser arrogante, então ser um grande artista só pode ser o cúmulo da arrogância. Fazer uma obra e achar que os outros vão estar interessados? Ou o caso contrário, que ainda é pior, que é fazer uma obra só para si?? Isso além de arrogância já é egocentrismo. Não há por onde escapar, um artista tem de ser arrogante. E não há nenhum mal nisso. Depois de ser arrogante, pode ser ao mesmo tempo simpático, amável, generoso, educado, cortês, delicado - tudo isso são características que um artista, como qualquer boa pessoa, pode e deve cultivar. Mas a humildade não. Só se for perante Deus e, mesmo assim, depende o que cada um entende por Deus. Talvez assim tenha chegado a uma definição de Deus que sinto verdadeira. Deus: a única coisa perante a qual um artista deve ser humilde.
Os grandes artistas são alguém que tem a coragem de olhar nos olhos. Olhar nos olhos o destino, olhar nos olhos os outros, acima de tudo, olhar-se nos olhos a si próprio. Há mais arrogância que isso? Na Coreia (do Norte e do Sul) é má educação olhar nos olhos uma pessoa com quem não sejamos íntimos. É verdade que os artistas com as suas obras nos fazem sentir íntimos deles. Mas isso é porque são capazes de nos dar a ilusão de que os conhecemos, porque na verdade são eles que nos conhecem a nós, e bem demais. Os artistas conhecem-nos melhor que nós próprios nos conhecemos.
Olhar nos olhos um artista é que é arrogância. Porque enquanto que eles nos conhecem melhor que nós a nós próprios, nós nem um miligrama deles conseguimos compreender. E se achamos que sim ainda pior. Ser um grande artista é poder olhar nos olhos alguém mas não o fazer a não ser através da alma. Quando olhamos nos olhos um artista e exigimos que não sejam arrogantes, somos nós que o estamos a ser, por acharmos que somos dignos de pedir o que quer que seja. Pedir? Nós, que não lhes demos nada, ainda lhes exigimos que não sejam arrogantes? Ainda lhes pedimos coisas? Nós é que não merecemos a sua Arte. Não admira que não olhem para nós. Não admira que sejam arrogantes connosco. Quando o mar de críticos só sabe falar do carácter deles quando eles acabam de por uma posta da sua alma ali em exposição para todos verem, não me surpreende que não tenham paciência para os seres pequeninos que lhes apontam o dedo.
E assim concluo que afinal os artistas não são arrogantes. Comparados com o público até são bastante humildes.
Nova definição de artista: ser humilde sendo arrogante.
Nunca confio num artista que não seja assim.
Ser artista é ser arrogante, então ser um grande artista só pode ser o cúmulo da arrogância. Fazer uma obra e achar que os outros vão estar interessados? Ou o caso contrário, que ainda é pior, que é fazer uma obra só para si?? Isso além de arrogância já é egocentrismo. Não há por onde escapar, um artista tem de ser arrogante. E não há nenhum mal nisso. Depois de ser arrogante, pode ser ao mesmo tempo simpático, amável, generoso, educado, cortês, delicado - tudo isso são características que um artista, como qualquer boa pessoa, pode e deve cultivar. Mas a humildade não. Só se for perante Deus e, mesmo assim, depende o que cada um entende por Deus. Talvez assim tenha chegado a uma definição de Deus que sinto verdadeira. Deus: a única coisa perante a qual um artista deve ser humilde.
Os grandes artistas são alguém que tem a coragem de olhar nos olhos. Olhar nos olhos o destino, olhar nos olhos os outros, acima de tudo, olhar-se nos olhos a si próprio. Há mais arrogância que isso? Na Coreia (do Norte e do Sul) é má educação olhar nos olhos uma pessoa com quem não sejamos íntimos. É verdade que os artistas com as suas obras nos fazem sentir íntimos deles. Mas isso é porque são capazes de nos dar a ilusão de que os conhecemos, porque na verdade são eles que nos conhecem a nós, e bem demais. Os artistas conhecem-nos melhor que nós próprios nos conhecemos.
Olhar nos olhos um artista é que é arrogância. Porque enquanto que eles nos conhecem melhor que nós a nós próprios, nós nem um miligrama deles conseguimos compreender. E se achamos que sim ainda pior. Ser um grande artista é poder olhar nos olhos alguém mas não o fazer a não ser através da alma. Quando olhamos nos olhos um artista e exigimos que não sejam arrogantes, somos nós que o estamos a ser, por acharmos que somos dignos de pedir o que quer que seja. Pedir? Nós, que não lhes demos nada, ainda lhes exigimos que não sejam arrogantes? Ainda lhes pedimos coisas? Nós é que não merecemos a sua Arte. Não admira que não olhem para nós. Não admira que sejam arrogantes connosco. Quando o mar de críticos só sabe falar do carácter deles quando eles acabam de por uma posta da sua alma ali em exposição para todos verem, não me surpreende que não tenham paciência para os seres pequeninos que lhes apontam o dedo.
E assim concluo que afinal os artistas não são arrogantes. Comparados com o público até são bastante humildes.
Nova definição de artista: ser humilde sendo arrogante.
Nunca confio num artista que não seja assim.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Poema VII
Fazes esculturas no chá
de não lhe tocares
Aumentas-me a sede
ao respirares
Quando deixas o calor entrar
nos espaços entre as coisas
Constróis na água quente
a beleza dos não lugares
Abraças o passar do tempo
sem nada forçares
Deixas nascer o alimento
fecundado por olhares
E quando nessa flor
acordas o paladar
Libertas nele a cor
do meu sangue a escaldar
de não lhe tocares
Aumentas-me a sede
ao respirares
Quando deixas o calor entrar
nos espaços entre as coisas
Constróis na água quente
a beleza dos não lugares
Abraças o passar do tempo
sem nada forçares
Deixas nascer o alimento
fecundado por olhares
E quando nessa flor
acordas o paladar
Libertas nele a cor
do meu sangue a escaldar
Poema VI
Se cada gargalhada
for acabada por ti
e cada lágrima
como aquela que vi
Ao cruzarmos as nossas vidas
até agora mal vividas
talvez conseguíssemos nunca terminar
de juntos celebrar
uma abraço a cada choque
um casamento a cada toque
e seguir a nossa sorte
sem medo nem agonias
for acabada por ti
e cada lágrima
como aquela que vi
Ao cruzarmos as nossas vidas
até agora mal vividas
talvez conseguíssemos nunca terminar
de juntos celebrar
uma abraço a cada choque
um casamento a cada toque
e seguir a nossa sorte
sem medo nem agonias
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Poema V
Não querias que eu dissesse
aquelas coisas que te faziam corar.
Mas como podia parar
se a cada palavra dita
fazias bonita
a tua beleza aumentar?
Dizias que era especial o que eu fazia
mas estavas enganada.
O que era especial era o que acontecia
quando o que eu fazia te encontrava.
aquelas coisas que te faziam corar.
Mas como podia parar
se a cada palavra dita
fazias bonita
a tua beleza aumentar?
Dizias que era especial o que eu fazia
mas estavas enganada.
O que era especial era o que acontecia
quando o que eu fazia te encontrava.
Poema IV
Quando te conheci
Não sonhei que viesses a ser para mim
Metade da toda que és hoje
E se a tua beleza
Não cabe na minha poesia
É para mim um mistério
Como tu cabes em ti
Não sonhei que viesses a ser para mim
Metade da toda que és hoje
E se a tua beleza
Não cabe na minha poesia
É para mim um mistério
Como tu cabes em ti
Os olhos
Há uns dias cruzei-me na rua com um amigo. Parámos e falámos de coisas intelectuais e interessantes. Falámos de livros e ele apresentou-me um amigo seu. Esta história começa quando o amigo está a falar e eu reparo nos olhos dele.
Emprenhados pelo Sol laranja de fim de tarde, eram da cor do mel brilhante, como âmbar, mas mais bonitos. Eram intensos e eram elegantes. Fiquei a ouvi-lo mas a certa altura foi como se a voz dele se separasse do corpo e, subitamente, ficasse silêncio, enquanto na minha cabeça fazia um zoom de 46 vezes, 3000 mega-pixels aos olhos dele.
Dei por mim a pensar que aqueles olhos tinham algo de fulminante. Nunca senti atração por um rapaz, mas por aqueles olhos, sim, naqueles olhos eu podia ser feliz. Fiz o zoom out - 46 vezes e 3000 mega-pixels para trás - e vi-me debruçado sobre aqueles olhos, que agora pertenciam a uma moça. Linda de morrer, toda a sua beleza correspondia à daqueles olhos. Como diz o John Cusack no Hi Fidelity, ela compatia a cem por cento com os meus sentidos. E foi aí que percebi pela primeira vez na vida, que os olhos são a única parte do corpo humano que, pelo menos à vista, é igual entre homens e mulheres. E vi a mulher linda que aquele rapaz podia ter sido, no lugar do barbudo que ali estava. Pensei no que poderia ter acontecido entre nós se ele tivesse nascido mulher. E foi assim que nos olhos de um rapaz eu vi a mulher dos meus sonhos.
E percebi que não há nada de homossexual em apreciar os olhos de outros rapazes. Os olhos não têm género, e talvez sejam até a única forma de um rapaz heterossexual ou de uma lésbica apreciarem sexualmente um rapaz .
(a frase Os olhos dela não fazem o meu génro acaba de perder qualquer sentido)
Emprenhados pelo Sol laranja de fim de tarde, eram da cor do mel brilhante, como âmbar, mas mais bonitos. Eram intensos e eram elegantes. Fiquei a ouvi-lo mas a certa altura foi como se a voz dele se separasse do corpo e, subitamente, ficasse silêncio, enquanto na minha cabeça fazia um zoom de 46 vezes, 3000 mega-pixels aos olhos dele.
Dei por mim a pensar que aqueles olhos tinham algo de fulminante. Nunca senti atração por um rapaz, mas por aqueles olhos, sim, naqueles olhos eu podia ser feliz. Fiz o zoom out - 46 vezes e 3000 mega-pixels para trás - e vi-me debruçado sobre aqueles olhos, que agora pertenciam a uma moça. Linda de morrer, toda a sua beleza correspondia à daqueles olhos. Como diz o John Cusack no Hi Fidelity, ela compatia a cem por cento com os meus sentidos. E foi aí que percebi pela primeira vez na vida, que os olhos são a única parte do corpo humano que, pelo menos à vista, é igual entre homens e mulheres. E vi a mulher linda que aquele rapaz podia ter sido, no lugar do barbudo que ali estava. Pensei no que poderia ter acontecido entre nós se ele tivesse nascido mulher. E foi assim que nos olhos de um rapaz eu vi a mulher dos meus sonhos.
E percebi que não há nada de homossexual em apreciar os olhos de outros rapazes. Os olhos não têm género, e talvez sejam até a única forma de um rapaz heterossexual ou de uma lésbica apreciarem sexualmente um rapaz .
(a frase Os olhos dela não fazem o meu génro acaba de perder qualquer sentido)
sábado, 1 de novembro de 2008
Poema III
Quando me abraçavas
Sentia que pedias perdão por não seres minha mulher.
Quando me abraçavas
Sentia a tua alma quente nas tuas mãos frias
Quando me abraçavas
Sentia que querias ser mais que uma qualquer mas não sabias
Quando me abraçavas
Sentia que dizias que ali eras mais que uma despedida
Quando me abraçavas
Sentia que já então esculpias a nossa promessa de vida
Quando me abraçavas
Sentia que juravas não querer esquecer
Quando me abraçavas
Sentia que não era só o frio da tua cidade que estavas a aquecer
Quando me abraçavas
Sentia que fugias do beijo que me querias dar
Quando me abraçavas
Sentia que pedias que não te deixasse escapar
Quando me abraçavas
Sentia que nos casavas
Quando me abraçavas
Sentia que nos abraçavas
Quando me abraçavas
Sentia que pedias perdão por não seres minha mulher.
Quando me abraçavas
Sentia a tua alma quente nas tuas mãos frias
Quando me abraçavas
Sentia que querias ser mais que uma qualquer mas não sabias
Quando me abraçavas
Sentia que dizias que ali eras mais que uma despedida
Quando me abraçavas
Sentia que já então esculpias a nossa promessa de vida
Quando me abraçavas
Sentia que juravas não querer esquecer
Quando me abraçavas
Sentia que não era só o frio da tua cidade que estavas a aquecer
Quando me abraçavas
Sentia que fugias do beijo que me querias dar
Quando me abraçavas
Sentia que pedias que não te deixasse escapar
Quando me abraçavas
Sentia que nos casavas
Quando me abraçavas
Sentia que nos abraçavas
Quando me abraçavas
Poema II
Mulher robusta
Que encontras nos próprios passos
O caminho da beleza
Mini poema sobre a mulher dos meus sonhos.
Que encontras nos próprios passos
O caminho da beleza
Mini poema sobre a mulher dos meus sonhos.
Poema I
Eu tinha encontrado em ti
Aquilo que via quando olhava para dentro
Mas que nunca seria capaz de pôr cá fora
E tu ensinaste-me que sim
E chamámos-lhe Ana.
Poema para a minha futura mulher que não sei quem virá a ser, sobre a nossa filha que ainda não nasceu.
Aquilo que via quando olhava para dentro
Mas que nunca seria capaz de pôr cá fora
E tu ensinaste-me que sim
E chamámos-lhe Ana.
Poema para a minha futura mulher que não sei quem virá a ser, sobre a nossa filha que ainda não nasceu.
sábado, 25 de outubro de 2008
Pequenos pedaços de mim
Tive uma ex-namorada. Devia dizer que a tive ou que a tenho? Será que as ex-namoradas também se têm, no presente, como resultado do que já foi? Eu sinto que sim, pelo menos. Tive-a de um maneira que não posso voltar a não a ter. Foi minha - e eu dela - de uma forma que faz que ela esteja para sempre comigo, mesmo que eu não queira (e não queria mesmo, gostava de ser capaz de destilar todo o meu sistema, com uma daquelas máquinas que há para purificar o sangue só que para a alma. Curiosamente, a Vida parece ser uma máquina dessas). Houve uma ex-namorada. Não, houve também não está bem.
Não posso julgar o que passou com os tempos verbais de hoje. Têm de ser os tempos verbais justos, do tempo dela. Sem a ter tido, não seria hoje quem sou, não teria aprendido com a experiencia de a ter, as coisas que eu antes dela não tinha e que tenho já sem a ter. Ela pode ter feito mais estragos que coisas boas, mas foi assim como um desbastar do calhau antes de começar a escultura, e alguém tem de fazer esse trabalho. Foi ela. Prestemos-lhe essa honra. Aprendi muito com ela. Tenho uma ex-namorada.
Parece que já não namoramos há muito tempo. De facto já passou algum tempo. Mas ela ainda tem coisas minhas na casa dela. Com que coragem é que eu lhas posso pedir (ou de que serve pedir) se eu sei que ela as tem porque quer ficar com um bocado de mim para sempre?
Eu sei que ela nunca me vai poder devolver aquelas lágrimas que me tirou, porque também não as tem. Lágrimas são sempre a fundo perdido.
Mas será que eu sou mesmo fútil ao ponto de ser capaz de lhe pedir que me devolva os meus livros, discos e filmes? São só coisas, mas sinto que se lhas tirar é como se lhe tirasse uma costela. Ela quer tê-las como se fossem um relicário de mim, eu sei. Só que eu não quero os meus livros de volta para apagar o passado. Quero-os só porque são meus, e o passado está dentro da gente, os livros são para ser lidos e aposto que ela não os lê. Mas será que são realmente meus? Talvez sejam algo que perdi quando, ao pertencemos um ao outro, na mistura de um com o outro e na separação e reconstrução de novo dos dois sozinhos, em tigelas separadas depois da receita estar pronta. Será que os meus livros são como aqueles tesouros que se perdem nos naufrágios?
Em todo o caso, ganhei e perdi muito mais com essa relação que DVDs. Perdi a minha ingenuidade (levou uns socos valentes) e a minha inocência não ficou intacta (está hoje suspensa num arame de trapezista que lhe dá um aspeto muito mais poético). Em compensação, ganhei um armamento de Rambo para resistir às agressões emocionais. Hoje mato víboras com passos de dança e afasto demónios com expressões solenes no Bairro Alto.
É por isso que me parece de uma grande futilidade estar a falar de livros, discos com música e com filmes a esta hora. São o menos importante de tudo isto. E em todo o caso não é tão fútil como se falasse no dinheiro que gastei com ela. Porque o dinheiro não existe, é muito feio misturar dinheiro e amor nas mesmas frases. São dois assuntos que não se podem misturar. Um desrói o outro.
Estes objetos sagrados não são como dinheiro. São pedaços de mim que ela tem em seu poder e que existem. Têm uma história.
Eu nunca lhos dei. Mas dei-me a mim e se já foi muito feio pedir-me de volta, porque quem dá não tira. Não posso voltar a fazê-lo. Em todo o caso, há mais pedaços de mim aí espalhados pelo mundo (alguns bem espalhados, aliás, alguns que quando os dei foi para nunca os ter de volta e assim é muito bonito, assim não há melhor coisa na vida). Não quero recolher tudo o que é meu e anda aí no mundo. É bom espalharmo-nos. Se pudesse, deixava um livro a cada pessoa que estimo a cada encontro. Adoro dar prendas. É sempre bom aprendermos a libertarmo-nos de nós próprios.
Não posso julgar o que passou com os tempos verbais de hoje. Têm de ser os tempos verbais justos, do tempo dela. Sem a ter tido, não seria hoje quem sou, não teria aprendido com a experiencia de a ter, as coisas que eu antes dela não tinha e que tenho já sem a ter. Ela pode ter feito mais estragos que coisas boas, mas foi assim como um desbastar do calhau antes de começar a escultura, e alguém tem de fazer esse trabalho. Foi ela. Prestemos-lhe essa honra. Aprendi muito com ela. Tenho uma ex-namorada.
Parece que já não namoramos há muito tempo. De facto já passou algum tempo. Mas ela ainda tem coisas minhas na casa dela. Com que coragem é que eu lhas posso pedir (ou de que serve pedir) se eu sei que ela as tem porque quer ficar com um bocado de mim para sempre?
Eu sei que ela nunca me vai poder devolver aquelas lágrimas que me tirou, porque também não as tem. Lágrimas são sempre a fundo perdido.
Mas será que eu sou mesmo fútil ao ponto de ser capaz de lhe pedir que me devolva os meus livros, discos e filmes? São só coisas, mas sinto que se lhas tirar é como se lhe tirasse uma costela. Ela quer tê-las como se fossem um relicário de mim, eu sei. Só que eu não quero os meus livros de volta para apagar o passado. Quero-os só porque são meus, e o passado está dentro da gente, os livros são para ser lidos e aposto que ela não os lê. Mas será que são realmente meus? Talvez sejam algo que perdi quando, ao pertencemos um ao outro, na mistura de um com o outro e na separação e reconstrução de novo dos dois sozinhos, em tigelas separadas depois da receita estar pronta. Será que os meus livros são como aqueles tesouros que se perdem nos naufrágios?
Em todo o caso, ganhei e perdi muito mais com essa relação que DVDs. Perdi a minha ingenuidade (levou uns socos valentes) e a minha inocência não ficou intacta (está hoje suspensa num arame de trapezista que lhe dá um aspeto muito mais poético). Em compensação, ganhei um armamento de Rambo para resistir às agressões emocionais. Hoje mato víboras com passos de dança e afasto demónios com expressões solenes no Bairro Alto.
É por isso que me parece de uma grande futilidade estar a falar de livros, discos com música e com filmes a esta hora. São o menos importante de tudo isto. E em todo o caso não é tão fútil como se falasse no dinheiro que gastei com ela. Porque o dinheiro não existe, é muito feio misturar dinheiro e amor nas mesmas frases. São dois assuntos que não se podem misturar. Um desrói o outro.
Estes objetos sagrados não são como dinheiro. São pedaços de mim que ela tem em seu poder e que existem. Têm uma história.
Eu nunca lhos dei. Mas dei-me a mim e se já foi muito feio pedir-me de volta, porque quem dá não tira. Não posso voltar a fazê-lo. Em todo o caso, há mais pedaços de mim aí espalhados pelo mundo (alguns bem espalhados, aliás, alguns que quando os dei foi para nunca os ter de volta e assim é muito bonito, assim não há melhor coisa na vida). Não quero recolher tudo o que é meu e anda aí no mundo. É bom espalharmo-nos. Se pudesse, deixava um livro a cada pessoa que estimo a cada encontro. Adoro dar prendas. É sempre bom aprendermos a libertarmo-nos de nós próprios.
Exploração divina
Vi num programa de televisão que alguns tipos de seguros têm uma cláusula em letras pequeninas que diz "Não cobre actos de Deus".
Bolas, realmente não há direito. Por actos de deus, referem-se a tufões que possam cair em cima da nossa casa, ou a tremores de terra. Que visão do mundo esta em que só os desastres naturais é que são Deus? Fico entristecido quando vejo que há pessoas - isto é, civilizações inteiras (porque para compreender determinada civilização, não há melhor que olhar para a papelada das suas seguradoras) - dizia eu - civilizações para quem Deus existe, mas não é mais que um requintado anarquista fazedor de maremotos.
Hoje, Deus não está morto, mas já não é o Velhinho de Barbas Brancas no Céu, é o Velho de Barbas Brancas à porta do Metro na estação da Baixa-Chiado, de muletas a gritar com um braço no ar Panfleto Anarquista! (que vi uma vez há cerca de cinco anos atrás e nunca mais).
Ao mesmo tempo, fico encantado com o pudor religioso com que as seguradoras se recusam a deixar o cliente fazer dinheiro à custa do senhor. Parece-me muito nobre. Apostar a sorte das pessoas sim, mas é melhor não fazer apostas com Nosso Senhor, que nunca se sabe, ele tem vantagem, e pode entrar no jogo à séria. Exato, deve ser isso então. Não fosse deus por-se para aí a fazer seguros, a rebentar com os bens e a lixar as seguradoras. Estes tipos são espertos.
Ao mesmo tempo, será que devo respeitar um negócio cuja prosperidade depende de deixar Deus de fora?
Bolas, realmente não há direito. Por actos de deus, referem-se a tufões que possam cair em cima da nossa casa, ou a tremores de terra. Que visão do mundo esta em que só os desastres naturais é que são Deus? Fico entristecido quando vejo que há pessoas - isto é, civilizações inteiras (porque para compreender determinada civilização, não há melhor que olhar para a papelada das suas seguradoras) - dizia eu - civilizações para quem Deus existe, mas não é mais que um requintado anarquista fazedor de maremotos.
Hoje, Deus não está morto, mas já não é o Velhinho de Barbas Brancas no Céu, é o Velho de Barbas Brancas à porta do Metro na estação da Baixa-Chiado, de muletas a gritar com um braço no ar Panfleto Anarquista! (que vi uma vez há cerca de cinco anos atrás e nunca mais).
Ao mesmo tempo, fico encantado com o pudor religioso com que as seguradoras se recusam a deixar o cliente fazer dinheiro à custa do senhor. Parece-me muito nobre. Apostar a sorte das pessoas sim, mas é melhor não fazer apostas com Nosso Senhor, que nunca se sabe, ele tem vantagem, e pode entrar no jogo à séria. Exato, deve ser isso então. Não fosse deus por-se para aí a fazer seguros, a rebentar com os bens e a lixar as seguradoras. Estes tipos são espertos.
Ao mesmo tempo, será que devo respeitar um negócio cuja prosperidade depende de deixar Deus de fora?
O regresso ou O Napoleão dos blogues
Como se isto fosse um livro do nosso saudoso Machado de Assis, devo afirmar que o post anterior não era sério.
É certo que a irritação ainda cá está, e me faz franzir o sobrolho desconfiado das minhas próprias ideias.
Mas como podia eu acabar com esta tribuna estilo folhetim virtual, por causa de uma irritação, quando há tanta coisa para dizer, por dizer, tanta coisa ainda para ser pensada, tanta coisa a acontecer e por acontecer e quando, tenho de admitir, me apetece tanto escrever? Acabar com o que já se começou por uma irritação parece-me agora de uma meninice inqualificável. Era como se o Napoleão tivesse parado a invasão porque lhe doía a barriga, ou porque se viu ao espelho e se achou feio (ele era feio). Temos que ser fortes. Este blogue tem de ser como a invasão do Napoleão. Não estou por menos.
Onde iria eu escrever? No meu diário? Também. Mas que piada tem um diário quando se pode ter um lugar onde quando se escreve se é posto à prova por todos aqueles que estão interessados em fazê-lo? É um valente antídoto para a auto-complacência. Enquanto no meu diário posso ser choramingas, aqui tenho de me mostrar forte. Enquanto que no diário posso ser pseudo-poético, aqui, a ser alguma coisa, terá sempre que ser o mais poético e o menos pseudo (é difícil, eu sou muito pseudo).
Mas o mais importante é a verdade. É ela que tem de ser protegida. E sozinho não consigo. Agradeço a todos os que estão comigo. Só o facto de lerem isto, faz mais por Ela (pela Verdade) do que poderíamos pensar. Mas isso não é mérito meu.
É certo que a irritação ainda cá está, e me faz franzir o sobrolho desconfiado das minhas próprias ideias.
Mas como podia eu acabar com esta tribuna estilo folhetim virtual, por causa de uma irritação, quando há tanta coisa para dizer, por dizer, tanta coisa ainda para ser pensada, tanta coisa a acontecer e por acontecer e quando, tenho de admitir, me apetece tanto escrever? Acabar com o que já se começou por uma irritação parece-me agora de uma meninice inqualificável. Era como se o Napoleão tivesse parado a invasão porque lhe doía a barriga, ou porque se viu ao espelho e se achou feio (ele era feio). Temos que ser fortes. Este blogue tem de ser como a invasão do Napoleão. Não estou por menos.
Onde iria eu escrever? No meu diário? Também. Mas que piada tem um diário quando se pode ter um lugar onde quando se escreve se é posto à prova por todos aqueles que estão interessados em fazê-lo? É um valente antídoto para a auto-complacência. Enquanto no meu diário posso ser choramingas, aqui tenho de me mostrar forte. Enquanto que no diário posso ser pseudo-poético, aqui, a ser alguma coisa, terá sempre que ser o mais poético e o menos pseudo (é difícil, eu sou muito pseudo).
Mas o mais importante é a verdade. É ela que tem de ser protegida. E sozinho não consigo. Agradeço a todos os que estão comigo. Só o facto de lerem isto, faz mais por Ela (pela Verdade) do que poderíamos pensar. Mas isso não é mérito meu.
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Ilusão
Está-me a irritar a minha mania de que sei tudo. Vou parar por uns tempos até não saber nada.
Saber sofrer
Talvez a Selecção Portuguesa de futebol seja exemplo claro da maneira de pensar moderna dos portugueses: Não arrisca sofrer, e por isso não marca.
Os portugueses não querem sofrer, mas é preciso apostar a vitória para a poder ter. Nunca pode marcar quem não está disposto a sofrer. E existe sofrimento maior que viver uma vida de 0-0?
Mesmo perdendo no final - porque perdemos sempre - a vida é sempre preferível se se tiver marcado pelo menos uma vez.
Os portugueses não querem sofrer, mas é preciso apostar a vitória para a poder ter. Nunca pode marcar quem não está disposto a sofrer. E existe sofrimento maior que viver uma vida de 0-0?
Mesmo perdendo no final - porque perdemos sempre - a vida é sempre preferível se se tiver marcado pelo menos uma vez.
Os sentimentos dos outros
Numa conversa com uma amiga a quem vou chamar Bruna, falámos sobre mulheres e homens. Tendo sempre em conta que tudo o que dizíamos eram generalizações, dissemos muitas coisas. Ela disse-me que eu achar que os homens tinham a obrigação de ser fortes era como dizer que as mulheres eram fracas. Eu disse que não, que cada género tinha as suas qualidades e defeitos, para cada talento uma fraqueza, como por exemplo, os homens serem tendencialmente fortes mas insensíveis aos sentimentos dos outros.
A Bruna não disse, mas eu tive a sensação que ficou no ar a ideia de que ser insensível também era uma vantagem, como se fosse um luxo que o homem tem, o de poder ser bruto.
Não sinto que seja. Os homens insensíveis aos sentimentos que não são seus, sofrem quando perdem aqueles de quem gostam por não saberem fazê-los felizes. Quando não conseguem exprimir aquilo que sentem. Quando sentem a besta incompreendida que são. Podem não sentir os sofrimentos dos outros, mas sentem bem os seus. Sofrem muito essa incapacidade de serem bons. Garanto-vos que é uma das nossas maiores tragédias.
A Bruna não disse, mas eu tive a sensação que ficou no ar a ideia de que ser insensível também era uma vantagem, como se fosse um luxo que o homem tem, o de poder ser bruto.
Não sinto que seja. Os homens insensíveis aos sentimentos que não são seus, sofrem quando perdem aqueles de quem gostam por não saberem fazê-los felizes. Quando não conseguem exprimir aquilo que sentem. Quando sentem a besta incompreendida que são. Podem não sentir os sofrimentos dos outros, mas sentem bem os seus. Sofrem muito essa incapacidade de serem bons. Garanto-vos que é uma das nossas maiores tragédias.
domingo, 19 de outubro de 2008
Intimidade
Tenho uma amiga, que não interessa quem é, que está a tentar acabar com a antiga tradição de cumprimentar e despedir de uma pessoa com dois beijos no rosto.
O principal argumento dela, é que os beijos são uma intimidade excessiva para se ter com alguém que, muitas vezes, mal conhecemos. Eu tomo a liberdade de acrescentar outro, que descobri com a ajuda preciosa de outra amiga, a Madalena: banalizar o ato de dar beijos passando a usá-los como um cumprimento, destruiu todo o valor do beijo enquanto acção, tendo feito com que passasse a importar, não se se beija, mas onde se beija. É por isso que uma namorada ou namorado pode sentir que não é amado quando o seu amor não o beijar na boca, mas só na face. Que sociedade podre é esta em que uma pessoa pode pensar que não é amada porque lhe dão um beijo? Se passássemos a dar beijos na cara só quando sentíamos uma vontade que não conseguíamos controlar, muito mais valor teria um beijo dado a alguém de quem se gosta, ou a quem se quer dar carinho, seja entre amigos ou casais.
A minha amiga tem bons argumentos a seu favor. Mas a minha amiga propõe o aperto de mão europeu como alternativa ao beijo facial. Aquilo com que ela não contava era com a intimidade brutal que é para mim enquanto rapaz tocar as mãos de uma rapariga. Com o beijo banalizado, as mãos eram santas. As mãos eram o primeiro portal da virgindade do corpo.
Um toque na mão de uma mulher por quem me sinto atraído é mil vezes mais sensual que um rápido e fugaz beijo na face, que - mesmo que tentemos saborear e fazer com que dure o máximo possível - isso nunca passa de um esforço vão, pois conforme os nossos lábios lá estão, já não estão, e nunca dá para saborear. É tão rápido que nem dá tempo para pensar. Eu já tentei de tudo. Impulsionar a cabeça com mais força, para a frente, para melhor sentir a face desejada, já tentei friccionar os lábios contra a bochecha doce, ou mesmo mexê-los, já tentei até inspirar profundamente quando o meu nariz se aproximava dos cabelos de uma mulher que eu desejava para sentir o máximo dela que pudesse. Não consegui com isto mais que fazer com que pensassem que eu era um psicopata. Fui ridículo.
Mas com um aperto de mão tudo muda. O aperto de mão é um tocar, um enlaçar, um apertar, um sentir a pele lisa da outra mão com as nossas mãos - especialmente porque as mulheres não sabem dar apertos de mão como os homens - talvez por falta de treino - e concentram o fundamental do aperto de mão nos dedos e não na palma da mão (como o homem), o que faz com que seja um gesto de uma tal ternura encantatória, de uma subtileza e de uma sensualidade real sentir a mão da mulher, que o beijo bem pode ser enterrado.
Lembro-me das mulheres estrangeiras que já cumprimentei com aperto de mão e de como, as que eram giras, me fizeram tremer ao sentir aquela palma da mão, durante aquele segundo em que, como dois namorados, demos as mãos. Sou levado a concluir que o aperto de mão feminino é uma forma de sedução muito mais eficaz e precisa que o beijo na face.
E é agora que percebo que, esperta como é, a minha amiga sabe isto tudo. Por bluff diz que quer acabar com os beijos por causa da intimidade, mas isso é só uma estratégia para seduzir melhor os rapazes e ainda passar por santinha. Eu aqui a pensar que estou a fazer um post muito inteligente e ela já sabia isto tudo. Miúda, tu és de mais.
O principal argumento dela, é que os beijos são uma intimidade excessiva para se ter com alguém que, muitas vezes, mal conhecemos. Eu tomo a liberdade de acrescentar outro, que descobri com a ajuda preciosa de outra amiga, a Madalena: banalizar o ato de dar beijos passando a usá-los como um cumprimento, destruiu todo o valor do beijo enquanto acção, tendo feito com que passasse a importar, não se se beija, mas onde se beija. É por isso que uma namorada ou namorado pode sentir que não é amado quando o seu amor não o beijar na boca, mas só na face. Que sociedade podre é esta em que uma pessoa pode pensar que não é amada porque lhe dão um beijo? Se passássemos a dar beijos na cara só quando sentíamos uma vontade que não conseguíamos controlar, muito mais valor teria um beijo dado a alguém de quem se gosta, ou a quem se quer dar carinho, seja entre amigos ou casais.
A minha amiga tem bons argumentos a seu favor. Mas a minha amiga propõe o aperto de mão europeu como alternativa ao beijo facial. Aquilo com que ela não contava era com a intimidade brutal que é para mim enquanto rapaz tocar as mãos de uma rapariga. Com o beijo banalizado, as mãos eram santas. As mãos eram o primeiro portal da virgindade do corpo.
Um toque na mão de uma mulher por quem me sinto atraído é mil vezes mais sensual que um rápido e fugaz beijo na face, que - mesmo que tentemos saborear e fazer com que dure o máximo possível - isso nunca passa de um esforço vão, pois conforme os nossos lábios lá estão, já não estão, e nunca dá para saborear. É tão rápido que nem dá tempo para pensar. Eu já tentei de tudo. Impulsionar a cabeça com mais força, para a frente, para melhor sentir a face desejada, já tentei friccionar os lábios contra a bochecha doce, ou mesmo mexê-los, já tentei até inspirar profundamente quando o meu nariz se aproximava dos cabelos de uma mulher que eu desejava para sentir o máximo dela que pudesse. Não consegui com isto mais que fazer com que pensassem que eu era um psicopata. Fui ridículo.
Mas com um aperto de mão tudo muda. O aperto de mão é um tocar, um enlaçar, um apertar, um sentir a pele lisa da outra mão com as nossas mãos - especialmente porque as mulheres não sabem dar apertos de mão como os homens - talvez por falta de treino - e concentram o fundamental do aperto de mão nos dedos e não na palma da mão (como o homem), o que faz com que seja um gesto de uma tal ternura encantatória, de uma subtileza e de uma sensualidade real sentir a mão da mulher, que o beijo bem pode ser enterrado.
Lembro-me das mulheres estrangeiras que já cumprimentei com aperto de mão e de como, as que eram giras, me fizeram tremer ao sentir aquela palma da mão, durante aquele segundo em que, como dois namorados, demos as mãos. Sou levado a concluir que o aperto de mão feminino é uma forma de sedução muito mais eficaz e precisa que o beijo na face.
E é agora que percebo que, esperta como é, a minha amiga sabe isto tudo. Por bluff diz que quer acabar com os beijos por causa da intimidade, mas isso é só uma estratégia para seduzir melhor os rapazes e ainda passar por santinha. Eu aqui a pensar que estou a fazer um post muito inteligente e ela já sabia isto tudo. Miúda, tu és de mais.
domingo, 12 de outubro de 2008
Cumprir
Seria de pensar que prometer fosse uma coisa fácil. No contemporâneo, em que desapareceu o pudor que fazia com que prometer significasse comprometer, seria de pensar que prometer fosse canja. Que toda a gente pudesse prometer e que o difícil fosse cumprir. Mas não. Porque toda a gente promete e ninguém cumpre, tornou-se dificílimo prometer alguma coisa e fazer com que acreditarem em nós. É por isso que já nem há sequer a coragem de prometer seja o que for. É por isso, por exemplo, que ninguém se casa.
Mas, das profundezas da Geração Descrente, houve quem tivesse a coragem de prometer.
Por entre o mar dos desiludidos, Os Pontos Negros prometeram. Os Golpes prometeram. O Tiago Guillul e a sua banda já tinham prometido. E com eles prometemos nós, todos aqueles que espalhámos a mensagem e acreditámos. E ontem, tornando o MusicBox a CaixaDeMúsica que até lá nunca fora, eles tiveram a ousadia de cumprir. E nós com eles.
Mas, das profundezas da Geração Descrente, houve quem tivesse a coragem de prometer.
Por entre o mar dos desiludidos, Os Pontos Negros prometeram. Os Golpes prometeram. O Tiago Guillul e a sua banda já tinham prometido. E com eles prometemos nós, todos aqueles que espalhámos a mensagem e acreditámos. E ontem, tornando o MusicBox a CaixaDeMúsica que até lá nunca fora, eles tiveram a ousadia de cumprir. E nós com eles.
A bandeira que eles hastearam ontem - com a ajuda de outros, que com nobreza de caráter respondem apenas aos nomes Amor Fúria ou FlorCaveira - hastearam-na para Sempre. Na História. Na História porque foi vivida no presente. Ontem aconteceu no MusicBox a melhor noite de rock português em que eu já estive presente. Acredito mesmo, a melhor noite de rock português que qualquer um dos que lá esteve presenciou até hoje, dada a sua idade.
Só é História aquilo que é vivido. Só conta aquilo que é verdade. Ontem o rock português foi verdade.
Verdade para quem? Para aqueles, que novos de espírito, ainda souberam acreditar.
Há duas formas de acreditar. Uma, envolve a fé. A outra, a razão. A que envolve a fé, consiste em acreditar naquilo que não se vê, só se sente. Naquilo que se sabe que é possível - é, no presente, apesar de só ir acontecer no futuro. Os que acreditaram assim, tiveram a oportunidade de estar lá no momento em que o futuro se tornou presente. E isso chama-se viver.
A outra forma de acreditar, que envolve a razão, consiste em ler textos como este, em ler as revistas, em ouvir contar a noite magnífica que aconteceu ontem e que uns eleitos presenciaram, e suspirar Acredito que tenha sido bom... Esta forma de acreditar fica para todos os que não estiveram ontem no MusicBox.
Quem deixou ontem o MusicBox a abarrotar era, de facto, novo. Novo de idade. Uma grande percentagem do público era mais novo que eu (e eu sou novo). Sei que a noite de ontem os mudará para sempre. A geração que aclamará Os Pontos Negros, Os Golpes, o Tiago Guillul, o Samuel Úria e todos os outros é a geração que hoje tem menos de vinte e dois anos.
A minha geração - a dos vinte e dois anos para cima - nem vê-la. Convidei trinta amigos, veio um. Mas não foram só os meus amigos que faltram, foi uma geração inteira. Não há nada que me alivie a raiva perante esta gente que, cansada, triste, precocemente velha, não tem forças para realmente viver o seu tempo (quanto mais algum dia aspirar a viver o passado ou o futuro - sim, porque é preciso dignidade para viver o passado e o futuro). A geração que deixar passar ao lado - e eu ainda tenho fé que não vai deixar - bandas como Os Pontos Negros, Os Golpes ou o Tiago Guillul, é uma geração merecedora do grito de Almada Negreiros através da História:
Abaixo a Geração!
Quem me dera ver-me livre desta geração que faz o seu Tempo ser de Não Glória e só está preocupada com porcarias. A geração que nem promete, nem cumpre.
O melhor refrão dos nossos tempos é para ela.
Felizmente que a nova geração está já aí.
Quem me dera ver-me livre desta geração que faz o seu Tempo ser de Não Glória e só está preocupada com porcarias. A geração que nem promete, nem cumpre.
O melhor refrão dos nossos tempos é para ela.
Felizmente que a nova geração está já aí.
sábado, 11 de outubro de 2008
Os Ricos de Espírito
Ia a conduzir nas ruas da cidade, no meu carro preto. O teto estava aberto e deixava entrar a brisa da metrópole. O meu carro é baixo e é fantástico conduzi-lo. Parece que andamos colados ao chão, seja na auto-estrada seja na cidade. Desta vez estava na cidade. O rádio estava ligado. A estação era a Radar.
Então lá vem o tempo de antena do senhor Zé Pedro, o famoso guitarrista solo e ex-heroinómano dos Xutos & Pontapés, isto é, o Keith Richards português. Na edição de hoje do seu programa Zé Pedro Rock & Roll fez um bonito discurso. Defendeu as bandas portuguesas de música popular rock. Disse como era importante prestarmos atenção à nossa música, como ela era importante e tinha um lugar precioso a nossa cultura, como não devíamos sempre compará-la com a estrangeira mas julgá-la pelo que vale. E depois, apresentou a sua proposta do dia, em defesa da música portuguesa, como ele bem a defende. Apresentou uns tais que dão pelo nome de X-Wife.
Em primeiro lugar, já ouvi X-Wife no programa do Zé Pedro praí umas quinze vezes. Em segundo, os X-Wife não fazem música portuguesa. Os X-Wife são portugueses. Mas a música que fazem é anglo-saxónica. Promover os X-Wife não é promover a música portuguesa, é promover que os portugueses não façam música portuguesa e façam ainda mais música anglo-saxónica. Promover os X-Wife é promover a destruição da música portuguesa.
Como é que se pode dizer que é portuguesa uma música da qual eu, como português, não consigo perceber uma só palavra da letra porque, além de ser em inglês e o sotaque dele ser impossível, ele cantar de forma a eu não perceber nada?
Os X-Wife são uma boa banda. Só cometem um gravíssimo erro artístico. Cantam fora da cultura. Ao cantarem em inglês, os X-Wife colocaram-se por vontade própria fora da cultura lusófona. Mas enganam-se aqueles que pensam que eles se integraram na cultura anglo-saxónica. Porque eles queriam isso, mas não conseguem. Para um falante nativo de inglês, os X-Wife não são mais que uns nativos de um povo autóctone, que ainda não aprendeu bem a língua do império. São assim uma espécie de povo exótico, que os fará rir dado o esforço que faz por se fazer compreender.
Ser poliglota é bom. É ótimo. É excelente. Mas abdicar da própria cultura é um erro. Porque empobrece quem o faz. Porque quem o faz, ou o faz inconscientemente, porque já vive noutra cultura, porque a sua cultura de origem já não lhe diz nada, ou se o faz por moda, é apenas um pobre de espírito. Pobre de espírito no sentido mais literal que esta expressão pode ter, na medida em que a nossa cultura faz parte do nosso Ser.
Por muito que gostassem de ter nascido na inglaterra, os X-Wife não são ingleses. Ao terem nascido em Portugal, serão para sempre portugueses. Ao rejeitarem sê-lo, só ficam a perder.
O Zé Pedro admira-se como é que os X-Wife ainda não se afirmaram mais em Portugal. A resposta parece-me óbvia. Não se afirmaram aqui porque eles não gostam da sua cultura. Se não gostam da sua cultura, os portugueses também não gostam deles. Podem ser muito populares por entre a malta do bairro alto. Mas nunca serão na lusofonia. Será popular na sua cultura quem a souber abraçar e re-inventar, sempre dentro da tradição. Não há cultura sem tradição.
Se o Zé Pedro quer falar de cultura portuguesa, devia falar antes do concerto que vai haver este Sábado à noite - hoje - no MusicBox (que só nessa noite passará a chamar-se CaixaDeMúsica), em Lisboa, no Cais do Sodré, onde tocarão Os Golpes, Tiago Guillul e Os Pontos Negros, numa noite que passará a fazer parte da história da música popular portuguesa. Os Pontos Negros apresentarão o seu primeiro álbum de originais Magnífico Material Inútil, Os Golpes darão o seu primeiro concerto depois de atingida a sua maturidade enquanto banda e Tiago Guillul - o Midas português, que em tudo o que toca transforma em Pop - surgirá enquanto o justo mentor.
Se o Zé Pedro quisesse realmente defender a música popular portuguesa, promovia-a, em vez de defender os traidores da nação.
É mais português isto que X-Wife. Muito mais. Incrivelmente mais.
Então lá vem o tempo de antena do senhor Zé Pedro, o famoso guitarrista solo e ex-heroinómano dos Xutos & Pontapés, isto é, o Keith Richards português. Na edição de hoje do seu programa Zé Pedro Rock & Roll fez um bonito discurso. Defendeu as bandas portuguesas de música popular rock. Disse como era importante prestarmos atenção à nossa música, como ela era importante e tinha um lugar precioso a nossa cultura, como não devíamos sempre compará-la com a estrangeira mas julgá-la pelo que vale. E depois, apresentou a sua proposta do dia, em defesa da música portuguesa, como ele bem a defende. Apresentou uns tais que dão pelo nome de X-Wife.
Em primeiro lugar, já ouvi X-Wife no programa do Zé Pedro praí umas quinze vezes. Em segundo, os X-Wife não fazem música portuguesa. Os X-Wife são portugueses. Mas a música que fazem é anglo-saxónica. Promover os X-Wife não é promover a música portuguesa, é promover que os portugueses não façam música portuguesa e façam ainda mais música anglo-saxónica. Promover os X-Wife é promover a destruição da música portuguesa.
Como é que se pode dizer que é portuguesa uma música da qual eu, como português, não consigo perceber uma só palavra da letra porque, além de ser em inglês e o sotaque dele ser impossível, ele cantar de forma a eu não perceber nada?
Os X-Wife são uma boa banda. Só cometem um gravíssimo erro artístico. Cantam fora da cultura. Ao cantarem em inglês, os X-Wife colocaram-se por vontade própria fora da cultura lusófona. Mas enganam-se aqueles que pensam que eles se integraram na cultura anglo-saxónica. Porque eles queriam isso, mas não conseguem. Para um falante nativo de inglês, os X-Wife não são mais que uns nativos de um povo autóctone, que ainda não aprendeu bem a língua do império. São assim uma espécie de povo exótico, que os fará rir dado o esforço que faz por se fazer compreender.
Ser poliglota é bom. É ótimo. É excelente. Mas abdicar da própria cultura é um erro. Porque empobrece quem o faz. Porque quem o faz, ou o faz inconscientemente, porque já vive noutra cultura, porque a sua cultura de origem já não lhe diz nada, ou se o faz por moda, é apenas um pobre de espírito. Pobre de espírito no sentido mais literal que esta expressão pode ter, na medida em que a nossa cultura faz parte do nosso Ser.
Por muito que gostassem de ter nascido na inglaterra, os X-Wife não são ingleses. Ao terem nascido em Portugal, serão para sempre portugueses. Ao rejeitarem sê-lo, só ficam a perder.
O Zé Pedro admira-se como é que os X-Wife ainda não se afirmaram mais em Portugal. A resposta parece-me óbvia. Não se afirmaram aqui porque eles não gostam da sua cultura. Se não gostam da sua cultura, os portugueses também não gostam deles. Podem ser muito populares por entre a malta do bairro alto. Mas nunca serão na lusofonia. Será popular na sua cultura quem a souber abraçar e re-inventar, sempre dentro da tradição. Não há cultura sem tradição.
Se o Zé Pedro quer falar de cultura portuguesa, devia falar antes do concerto que vai haver este Sábado à noite - hoje - no MusicBox (que só nessa noite passará a chamar-se CaixaDeMúsica), em Lisboa, no Cais do Sodré, onde tocarão Os Golpes, Tiago Guillul e Os Pontos Negros, numa noite que passará a fazer parte da história da música popular portuguesa. Os Pontos Negros apresentarão o seu primeiro álbum de originais Magnífico Material Inútil, Os Golpes darão o seu primeiro concerto depois de atingida a sua maturidade enquanto banda e Tiago Guillul - o Midas português, que em tudo o que toca transforma em Pop - surgirá enquanto o justo mentor.
Se o Zé Pedro quisesse realmente defender a música popular portuguesa, promovia-a, em vez de defender os traidores da nação.
É mais português isto que X-Wife. Muito mais. Incrivelmente mais.
Vem aí a Crise IV
Se me perguntassem qual a solução para esta crise (ninguém me pergunta) a minha resposta seria:
A instauração de uma ditadura ecologista internacional.
A esquerda já teve as suas ditaduras. Fracassaram.
A direita também. Fracassaram.
É tempo de dar a oportunidade... aos verdes.
Sob o jugo da Internacional Ecologista, vai ser ver as grandes pradarias com milhões de pessoas a plantar árvores à lei do chicote. Rusgas para prender quem desperdiçasse energia. Nacionalização das empresas poluentes. Investimento de todos os meios económicos na construção de fontes de energia renováveis. Regulação da economia de forma a tornar cada país auto-suficiente em termos de produção.
Com isto no lugar das suásticas, das foices e dos martelos, parece que já oiço da minha janela as multidões na rua a gritar Viva a ditadura ecologista, viva o partido global ecologista, viva a nova ordem mundial.
Viva.
A instauração de uma ditadura ecologista internacional.
A esquerda já teve as suas ditaduras. Fracassaram.
A direita também. Fracassaram.
É tempo de dar a oportunidade... aos verdes.
Sob o jugo da Internacional Ecologista, vai ser ver as grandes pradarias com milhões de pessoas a plantar árvores à lei do chicote. Rusgas para prender quem desperdiçasse energia. Nacionalização das empresas poluentes. Investimento de todos os meios económicos na construção de fontes de energia renováveis. Regulação da economia de forma a tornar cada país auto-suficiente em termos de produção.
Com isto no lugar das suásticas, das foices e dos martelos, parece que já oiço da minha janela as multidões na rua a gritar Viva a ditadura ecologista, viva o partido global ecologista, viva a nova ordem mundial.
Viva.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Vem aí a crise III
O maior de todos os sintomas de que a crise chegou é alguém achar que isto merece passar na televisão. Um efeito do photoshop, um mentecapto a abanar-se durante quatro minutos sem parar, uma voz alucinada. É o conceito de arte popular de hoje.
E pensar que arte popular já foi assim (e assim) e nos conseguia abanar sem se abanar.
Felizmente a crise vai por tudo no lugar.
Este post é dedicado a uma pessoa especial que vai saber quem é.
E pensar que arte popular já foi assim (e assim) e nos conseguia abanar sem se abanar.
Felizmente a crise vai por tudo no lugar.
Este post é dedicado a uma pessoa especial que vai saber quem é.
Viver para sempre (no presente)
Não sei. Talvez seja de mim. Talvez seja dos outros.
Sei que falo com as pessoas, conto-lhes coisas - e não estou a falar assim de coisas com muitos detalhes, ou de coisas em que as pessoas não estavam interessadas - estou a falar de conversas inteiras sobre um assunto.
Sei que, passados um mês, seis meses, uma semana - depende da pessoa - há pessoas com quem conversei que não se lembram de termos sequer falado de este ou aquele assunto! Pessoas que me deram a conhecer um livro ou um filme... e não se lembram disso. Pessoas a quem contei isto ou aquilo que era muito grave. Não se lembram... E não estou a falar de pessoas que, passado um pouco dizem eh, não me lembrava, tens razão. Não. Estou a falar de pessoas que não se conseguem lembrar.
É habitual esquecer-me se já contei tal coisa a tal pessoa. Mas a diferença é que, se me lembrarem, lembro-me!
Mas há pessoas que não.
Não tenho explicação para isto. Talvez as drogas. Mas nem todas as pessoas em quem estou a pensar tomam drogas. Talvez o mundo moderno, em que a quantidade de informação que passa por nós é imensa, não lhes permita armazenar tudo. Não sei.
O que sei é que isto traz grandes vantagens no campo da paixão. O maior inimigo da paixão era a habituação. Mas agora, com a nova e moderníssima amnésia, ninguém se lembra de nada, a habituação acabou! Estas pessoas nunca se fartarão das suas paixões. Isso fa-las-há eternas! Só acabarão quando a própria amnésia os fizer esquecer as próprias paixões. Mas até lá, estas pessoas ouvirão repetidamente as mesmas histórias uns dos outros, farão os mesmos passeios românticos repetidas vezes dizendo sempre as mesmas coisas, oferecendo sempre flores iguais e, com sorte, cada noite passada juntos será como a primeira! Com sorte, a estas pessoas, aquela curiosidade miudinha, aquela vergonha que nos revela quando pensamos que nos protege, nunca passará, impedindo para sempre que a relação amadureça!
E ainda dizem que as drogas não são boas para a sociedade.
Um - Acalmam as pessoas e impedem a luta de classes
Dois - Tornam as pessoas mais simples
Três - Não deixam que ninguém se torne demasiado esperto (quem não odeia intelectuais?)
Quatro - Permite diversão mesmo quando as vidas são infelizes
Cinco - Fazem com que a paixão não acabe...
... etc, etc.
O mundo moderno é maravilhoso. Se tivermos sorte, muita sorte, talvez esta falta de memória das experiências vividas alastre a todas as pessoas e chegue mesmo a deixar de existir o tempo. As pessoas não se lembrarão da infância ou do passado e será como se vivêssemos para sempre, e no presente. Como os animaizinhos! São tão queridos os animaizinhos!
Se tivermos muita muita sorte, talvez até a paixão dure para sempre e o amor acabe! Talvez nunca mais tenhamos de sofrer por amor!
Sei que falo com as pessoas, conto-lhes coisas - e não estou a falar assim de coisas com muitos detalhes, ou de coisas em que as pessoas não estavam interessadas - estou a falar de conversas inteiras sobre um assunto.
Sei que, passados um mês, seis meses, uma semana - depende da pessoa - há pessoas com quem conversei que não se lembram de termos sequer falado de este ou aquele assunto! Pessoas que me deram a conhecer um livro ou um filme... e não se lembram disso. Pessoas a quem contei isto ou aquilo que era muito grave. Não se lembram... E não estou a falar de pessoas que, passado um pouco dizem eh, não me lembrava, tens razão. Não. Estou a falar de pessoas que não se conseguem lembrar.
É habitual esquecer-me se já contei tal coisa a tal pessoa. Mas a diferença é que, se me lembrarem, lembro-me!
Mas há pessoas que não.
Não tenho explicação para isto. Talvez as drogas. Mas nem todas as pessoas em quem estou a pensar tomam drogas. Talvez o mundo moderno, em que a quantidade de informação que passa por nós é imensa, não lhes permita armazenar tudo. Não sei.
O que sei é que isto traz grandes vantagens no campo da paixão. O maior inimigo da paixão era a habituação. Mas agora, com a nova e moderníssima amnésia, ninguém se lembra de nada, a habituação acabou! Estas pessoas nunca se fartarão das suas paixões. Isso fa-las-há eternas! Só acabarão quando a própria amnésia os fizer esquecer as próprias paixões. Mas até lá, estas pessoas ouvirão repetidamente as mesmas histórias uns dos outros, farão os mesmos passeios românticos repetidas vezes dizendo sempre as mesmas coisas, oferecendo sempre flores iguais e, com sorte, cada noite passada juntos será como a primeira! Com sorte, a estas pessoas, aquela curiosidade miudinha, aquela vergonha que nos revela quando pensamos que nos protege, nunca passará, impedindo para sempre que a relação amadureça!
E ainda dizem que as drogas não são boas para a sociedade.
Um - Acalmam as pessoas e impedem a luta de classes
Dois - Tornam as pessoas mais simples
Três - Não deixam que ninguém se torne demasiado esperto (quem não odeia intelectuais?)
Quatro - Permite diversão mesmo quando as vidas são infelizes
Cinco - Fazem com que a paixão não acabe...
... etc, etc.
O mundo moderno é maravilhoso. Se tivermos sorte, muita sorte, talvez esta falta de memória das experiências vividas alastre a todas as pessoas e chegue mesmo a deixar de existir o tempo. As pessoas não se lembrarão da infância ou do passado e será como se vivêssemos para sempre, e no presente. Como os animaizinhos! São tão queridos os animaizinhos!
Se tivermos muita muita sorte, talvez até a paixão dure para sempre e o amor acabe! Talvez nunca mais tenhamos de sofrer por amor!
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Vem aí a crise II
Ontem, no dia em que a bolsa de São Paulo caiu 15%, pesquisei no Google "blosa de São Paulo cai". Por lapso (ou talvez não e o Freud tenha uma explicação para isto), escrevi blosa e não bolsa. Logo o Google me perguntou se eu não procurava antes Blusa de São Paulo Cai.
Temos inevitavelmente de ler nisto um sinal dos tempos. As pessoas andam à procura de blusas, quais bolsas? O mundo está é com falta de amor, não de bolsas. Façam cair as bolsas e as blusas! O povo quer amar-se.
Temos inevitavelmente de ler nisto um sinal dos tempos. As pessoas andam à procura de blusas, quais bolsas? O mundo está é com falta de amor, não de bolsas. Façam cair as bolsas e as blusas! O povo quer amar-se.
Mas os portugueses estão bem preparados para a crise. Estão sim senhor. Ontem, o Ministro das Finanças de Portugal - Teixeira dos Santos - disse que os portugueses podem estar descansados porque caso haja uma recessão económica, as suas poupanças no banco não serão nunca ameaçadas.
Todos sabemos que, nos países realmente capitalistas, se houver recessão, nenhum governo tem dinheiro para restituir a todos os seus cidadãos as poupanças que tinham no banco. Excepto em Portugal. E porquê?
Porque nenhum português tem poupanças. Que poupanças? Onde é que no mundo inteiro há um português com poupanças? Os portugueses são um povo sério, um povo que faz mover a economia, um povo que consome. Poupar para quê? Aliás, poupar o quê? O dinheiro que não temos? Os portugueses consumiram e gastaram o dinheiro que não existia, mas o banco disse-nos que não havia problema. E assim sendo, está tudo bem.
Os portugueses estão bem preparados para a crise. Até porque nunca viveram de outra maneira. Crise? Que crise? Para os portugueses esta crise vai ser como ginjas. Crise... Só se formos todos viver para refugios nucleares subterrâneos é que passa a ser mais crise que agora. E só porque deixamos de poder ver o mar enquanto pensamos na vida, senão nem assim era crise. Há o Canal Benfica no refúgio?
É por isso que acho que os portugueses deviam ser destacados e enviados para todo o Mundo. Em pequenos grupos, de talvez cinco portugueses para cada aldeia do mundo, iríamos dar formação e aulas de como viver na crise. Todos os grupos seriam acompanhados de alguns assistentes brasileiros, talvez vinte, que, já bastante treinados por nós ao longo de uns séculos, ensinariam as pessoas do mundo inteiro os prazeres da vida - a cantar, a dançar, a cozinhar, a fazer amor - e por alguns angolanos e moçambicanos, talvez dez, que iriam ensinar aos povos do mundo o que é realmente divertir-se com poucos meios e até não poder mais e a como ter estilo com roupa barata.
E assim a lusofonia encontraria uma vez mais a sua função ancestral na caminhada cósmica e milenar da raça humana.
Já repararam como na nossa língua amar é quase igual a a mar? Como se significasse fazer-se ao mar? Melhor, como se significasse fazer-se mar? Fazer-se de novo em mar, de onde todos nascemos? Devolver-se ao mar, ao caos, no amor? Todos nascemos do mar e do amar dos nossos pais. Isto não é um acaso.
O que vais fazer agora? Vou a mar.
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Vem aí a crise I
Mas porquê? Porque vem aí a crise logo agora que eu tinha comprado umas calças de ganga novas e justinhas para exibir no Bairro Alto? Bolas pá...
Parece-me que a crise só acontece porque há falta de Amor no mundo. Ninguém deixava que a crise acontecesse se tivesse alguma coisa valiosa o suficiente porque lutar. E para proteger. Uma moça linda com olhos de índia para amar. É por isso que o sistema activa esta espécie de instinto suicida e se auto-destrói. Quando percebe que não se consegue sustentar emocionalmente. Dizem que os mercados não se estão a auto-regular. Eu não vejo melhor exemplo de auto-regulação que um sistema que percebe que não vale a pena tanto trabalho se não há ninguém em casa para nos afetar com os seus doces afetos.
Este sistema foi afetado por isso. É um pena. Eu gostava dele. O capitalismo tinha coisas incríveis. Vai ser incrível poder contar aos meus netos que vivi no tempo do capitalismo - como a minha mãe conta que viveu na Alemanha Comunista - e que, ao contrário do Comunismo, o Capitalismo tinha muitas coisas boas. Mas pronto, não se pode ter só uma parte. Uma forma traz sempre o seu conteúdo.
Talvez agora, obrigados a lutar para viver, os homens da minha geração se tornem mesmo homens e as mulheres mesmo mulheres, e se amem todos uns aos outros, quando só isso tivermos para nos fazer felizes. Não mais sofás aveludados, não mais o fetiche das roupas caras, não mais os carros velozes. Não mais o algodão doce. É uma pena, já disse. Mas talvez assim voltemos a amar. Talvez assim um abraço volte a valer um abraço. Talvez as pessoas voltem a dar beijos por gosto.
Ao contrário do que os analistas prevêem, acho que a natalidade vai subir com a crise. Pelo menos se depender de mim vai.
Parece-me que a crise só acontece porque há falta de Amor no mundo. Ninguém deixava que a crise acontecesse se tivesse alguma coisa valiosa o suficiente porque lutar. E para proteger. Uma moça linda com olhos de índia para amar. É por isso que o sistema activa esta espécie de instinto suicida e se auto-destrói. Quando percebe que não se consegue sustentar emocionalmente. Dizem que os mercados não se estão a auto-regular. Eu não vejo melhor exemplo de auto-regulação que um sistema que percebe que não vale a pena tanto trabalho se não há ninguém em casa para nos afetar com os seus doces afetos.
Este sistema foi afetado por isso. É um pena. Eu gostava dele. O capitalismo tinha coisas incríveis. Vai ser incrível poder contar aos meus netos que vivi no tempo do capitalismo - como a minha mãe conta que viveu na Alemanha Comunista - e que, ao contrário do Comunismo, o Capitalismo tinha muitas coisas boas. Mas pronto, não se pode ter só uma parte. Uma forma traz sempre o seu conteúdo.
Talvez agora, obrigados a lutar para viver, os homens da minha geração se tornem mesmo homens e as mulheres mesmo mulheres, e se amem todos uns aos outros, quando só isso tivermos para nos fazer felizes. Não mais sofás aveludados, não mais o fetiche das roupas caras, não mais os carros velozes. Não mais o algodão doce. É uma pena, já disse. Mas talvez assim voltemos a amar. Talvez assim um abraço volte a valer um abraço. Talvez as pessoas voltem a dar beijos por gosto.
Ao contrário do que os analistas prevêem, acho que a natalidade vai subir com a crise. Pelo menos se depender de mim vai.
Sobre uma geração em festa
(ver posts anteriores)
Os trajes académicos até que são bonitos. Juro que os chego a achar bonitos. O mau não são os trajes, são mesmo as pessoas que lá vão dentro. Mais perigoso que um corpo mal intencionado, é que esteja numa farda bonita. Porque é que os regimes mais terríveis tinham sempre as melhores fardas? Porquê tanto esforço e preocupação? Talvez fosse preciso esconder as intenções.
Dão-me raiva as pessoas que criticam a tradição académica por acharem que os trajes são feios. Os trajes são a única coisa boa. Tudo o resto é que é assustador.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
Sobre a alma e o amor
(ver posts anteriores)
Se o Amor nos leva a, através daqueles que amamos, nos encontrarmos a nós próprios, então sentir Amor leva-nos a sentir a Alma.
Se o Amor nos leva a, através daqueles que amamos, nos encontrarmos a nós próprios, então sentir Amor leva-nos a sentir a Alma.
O que é a alma
Durante toda a minha vida não soube o que era a Alma. Achem-me ignorante os que souberem, porque eu era. Pensava A Alma não existe, a alma é uma coisa inventada pela igreja, só existe o corpo.
Pobre ignorância. Ontem li na parede da casa de uma pessoa, uma coisa que me fez perceber que esta não era a maneira certa de por a questão. Não se trata de se existe ou não. Sim, uma pessoa é o seu corpo. Mas a Alma é uma palavra e tem um significado que se refere a uma coisa.
Alma significa Sentimento de Nós Próprios.
Muitos podem discordar, argumentar, conversar ou esclarecer-me sobre isto. Mas em vinte e dois anos nunca tinha encontrado definição que me parecesse mais verdadeira.
A Alma sente-se. Como o Amor.
Pobre ignorância. Ontem li na parede da casa de uma pessoa, uma coisa que me fez perceber que esta não era a maneira certa de por a questão. Não se trata de se existe ou não. Sim, uma pessoa é o seu corpo. Mas a Alma é uma palavra e tem um significado que se refere a uma coisa.
Alma significa Sentimento de Nós Próprios.
Muitos podem discordar, argumentar, conversar ou esclarecer-me sobre isto. Mas em vinte e dois anos nunca tinha encontrado definição que me parecesse mais verdadeira.
A Alma sente-se. Como o Amor.
Amorosamente imaturos
Oiço dizer que Os rapazes bons já têm todos namorada. Que Não há raparigas fixes. Que ninguém Conhece ninguém de jeito. E é assim que vemos o Amor hoje.
Todos queremos amar. Mesmo quem não acredita no Amor, gostava de acreditar. Ninguém sabe explicar o que é o Amor, mas todos sabem quando o sentem. Ahh, então é isto o amor sentimos. Eu também não sei explicar o que é o Amor. Só há uma coisa, pequena, que descobri. O Amor não se encontra. Não basta procurar. O Amor acontece, mas acontece porque nós fazemos com que aconteça. Procurar tem de ser agir. Procurar ter de ser construir. Procura-construção.
A procura-construção dá trabalho e leva tempo. Mas esta forma de pensar é completamente alienigena à minha geração. Graças ao capitalismo, habituamo-nos a pensar e a viver fora do tempo. Viver fora do tempo é, por exemplo, não termos mais consciência que, para comer um bife, é preciso esperar o tempo que a vaca ou o porco levam a crescer, o tempo que levam a ser alimentados, para que finalmente os possamos comer. O mesmo é verdade para uma alface, ou para uma maçã. É verdade para tudo. Antigamente, quando éramos nós que produzíamos a nossa comida - nós ou o nosso vizinho com quem trocávamos galinhas por batatas - víamos as coisas crescer e sabíamos que tínhamos de investir na coisa para ela ser grande, boa e gostosa. Da mesma forma, tínhamos de ser nós a construir a nossa casa. Não bastava comprá-la. O mesmo para as famílias. Tinham de ser as pessoas a construí-las.
No capitalismo tudo é comprado. Temos de trabalhar, é certo, mas tudo pode ser comprado no momento. Ninguém pensa que está, neste instante, nalgum campo no Alentejo, a crescer a alface que vamos comer daqui a uns meses. Mas está. Perceber o tempo já é um grande passo.
Mas a minha geração tem outra deficiência. Além de não compreender o tempo, é ainda mais difícil para nós conseguir imaginar o esforço e o tempo e a dedicação necessárias para que as alfaces fiquem boas. Hoje as coisas só passam a existir já prontas. A vida é um super-mercado. Compramos a nossa roupa, a nossa personalidade, os nossos gostos. Consumimos. Queremos, e temos, tudo na hora. Sem esforço.
Mas as pessoas trabalham! dir-se-á. A minha geração não. Não gostamos. Não é bem o nosso tipo de coisa. Ou talvez não tenhamos jeito. A minha geração prefere depender dos pais. Isso sim, é bom. E é por isso que a minha geração não aprendeu a tirar prazer do trabalho. Só nos dá prazer o que implicar estar parado, descansado, relaxado. É um estilo de vida. Quando se passa o dia-a-dia da vida parado, o único divertimento acima desse é estar mais-que-parado. Já não basta estar fisicamente estático, é preciso estar intelectualmente estático. É preciso fumar charros ou ficar entupido de cerveja, para chegar aos níveis sub-zero do relaxamento. O -1, o -2, o -3, como os andares de garagem do meu prédio. Quando já não é humanamente possível ser mais inútil, fuma-se um pouco e passa-se a conseguir.
Uns quantos de nós, mais esforçados, ainda se dão ao trabalho (imagine-se, ao trabalho) de se auto-consrtuirem e melhorarem, independentes (uns mais, outros menos) daquilo que a sociedade de consumo diz que eles devem ser. Lêem livros que não são os que a Escola, ou a Sociedade, diz que eles devem ler. Vêm filmes que não são publicitados como os outros, vestem umas roupas que gostam e não as que todos usam. Têm trabalho a auto-construir-se e isso é admirável.
Mas quase ninguém tem trabalho em alguma coisa que não seja o EU. É por isso que ninguém sabe amar. Porque amar é uma construção. Porque amar dá trabalho e leva tempo. Porque amar é acreditar em algo que não existe e torná-lo possível.
Uma vez um amigo meu disse a outro amigo meu uma frase de que nunca me esqueci: Precisas de uma mulher que faça de ti um homem. Amar o outro é fazer dele ou dela um homem ou uma mulher. É por isso que todos os rapazes de jeito já têm namorda, assim como todas as grandes mulheres já estão casadas. Porque encontraram alguém que fez deles grandes.
Por isso não se encontra o amor. As pessoas falam de encontrar o amor como se vivessem num super-mercado gigante e estivessem a dizer que não encontram a secção do amor. Ai, não encontro o Amor em lado nenhum... Desculpe, o Amor está em que prateleira?
O Amor faz-se.
Amar alguém é encontrarmos a pessoa que nos permite sermos nós. Na era do individualismo capitalista, as pessoas só se sabem fazer sozinhas. Ninguém se faz sozinho tão bem como se poderia fazer acompanhado pelo Amor. São as pessoas que nos amam e que amamos que nos fazem.
Quando conhecemos alguém novo, essa pessoa nunca é a pessoa que sonhámos amar. Ninguém é. Mas o Amor é uma espécie de radar que vê para além do tempo e nos permite ver tudo o que aquela pessoa poderia ser conosco. Um lado dessa pessoa que pode nunca se ter revelado à própria pessoa, mas que se ela se entregar à outra pode vir a transformar-se e a ter algo que já era seu mas que o próprio não sabia que tinha ou podia ter. O Amor é criador. Desperta coisas que o próprio nunca despertou porque nunca se interessou por elas e nem sabia que as tinha. É aquilo que vivemos juntos, a história partilhada vivida em conjunto que nos permite sermos. É um investimento. Não se trata de fazer da pessoa o que gostamos contra a vontade dela, ou de mudá-la. Isso é o que de mais horrível se pode tentar fazer, é o oposto do Amor. Amor é ajudar a pessoa a ser mais ela própria. A ser-se em toda a sua glória.
Não deixa de ser muito curioso que na minha geração os namoros sejam contratos, quase como casamentos, mas sem aquilo que mais assusta a minha geração. A ideia de para sempre. Ou seja, o tempo. Os namoros são para sempre até deixarem de ser. São exatamente um casamento, já que a maioria não dura até ao fim. O ser humano sempre encontrará formas rebuscadas de contornar os seus problemas. O que nunca irá acontecer é as pessoas ficarem sozinhas. Um dia, vai haver um grande despertar.
Todos queremos amar. Mesmo quem não acredita no Amor, gostava de acreditar. Ninguém sabe explicar o que é o Amor, mas todos sabem quando o sentem. Ahh, então é isto o amor sentimos. Eu também não sei explicar o que é o Amor. Só há uma coisa, pequena, que descobri. O Amor não se encontra. Não basta procurar. O Amor acontece, mas acontece porque nós fazemos com que aconteça. Procurar tem de ser agir. Procurar ter de ser construir. Procura-construção.
A procura-construção dá trabalho e leva tempo. Mas esta forma de pensar é completamente alienigena à minha geração. Graças ao capitalismo, habituamo-nos a pensar e a viver fora do tempo. Viver fora do tempo é, por exemplo, não termos mais consciência que, para comer um bife, é preciso esperar o tempo que a vaca ou o porco levam a crescer, o tempo que levam a ser alimentados, para que finalmente os possamos comer. O mesmo é verdade para uma alface, ou para uma maçã. É verdade para tudo. Antigamente, quando éramos nós que produzíamos a nossa comida - nós ou o nosso vizinho com quem trocávamos galinhas por batatas - víamos as coisas crescer e sabíamos que tínhamos de investir na coisa para ela ser grande, boa e gostosa. Da mesma forma, tínhamos de ser nós a construir a nossa casa. Não bastava comprá-la. O mesmo para as famílias. Tinham de ser as pessoas a construí-las.
No capitalismo tudo é comprado. Temos de trabalhar, é certo, mas tudo pode ser comprado no momento. Ninguém pensa que está, neste instante, nalgum campo no Alentejo, a crescer a alface que vamos comer daqui a uns meses. Mas está. Perceber o tempo já é um grande passo.
Mas a minha geração tem outra deficiência. Além de não compreender o tempo, é ainda mais difícil para nós conseguir imaginar o esforço e o tempo e a dedicação necessárias para que as alfaces fiquem boas. Hoje as coisas só passam a existir já prontas. A vida é um super-mercado. Compramos a nossa roupa, a nossa personalidade, os nossos gostos. Consumimos. Queremos, e temos, tudo na hora. Sem esforço.
Mas as pessoas trabalham! dir-se-á. A minha geração não. Não gostamos. Não é bem o nosso tipo de coisa. Ou talvez não tenhamos jeito. A minha geração prefere depender dos pais. Isso sim, é bom. E é por isso que a minha geração não aprendeu a tirar prazer do trabalho. Só nos dá prazer o que implicar estar parado, descansado, relaxado. É um estilo de vida. Quando se passa o dia-a-dia da vida parado, o único divertimento acima desse é estar mais-que-parado. Já não basta estar fisicamente estático, é preciso estar intelectualmente estático. É preciso fumar charros ou ficar entupido de cerveja, para chegar aos níveis sub-zero do relaxamento. O -1, o -2, o -3, como os andares de garagem do meu prédio. Quando já não é humanamente possível ser mais inútil, fuma-se um pouco e passa-se a conseguir.
Uns quantos de nós, mais esforçados, ainda se dão ao trabalho (imagine-se, ao trabalho) de se auto-consrtuirem e melhorarem, independentes (uns mais, outros menos) daquilo que a sociedade de consumo diz que eles devem ser. Lêem livros que não são os que a Escola, ou a Sociedade, diz que eles devem ler. Vêm filmes que não são publicitados como os outros, vestem umas roupas que gostam e não as que todos usam. Têm trabalho a auto-construir-se e isso é admirável.
Mas quase ninguém tem trabalho em alguma coisa que não seja o EU. É por isso que ninguém sabe amar. Porque amar é uma construção. Porque amar dá trabalho e leva tempo. Porque amar é acreditar em algo que não existe e torná-lo possível.
Uma vez um amigo meu disse a outro amigo meu uma frase de que nunca me esqueci: Precisas de uma mulher que faça de ti um homem. Amar o outro é fazer dele ou dela um homem ou uma mulher. É por isso que todos os rapazes de jeito já têm namorda, assim como todas as grandes mulheres já estão casadas. Porque encontraram alguém que fez deles grandes.
Por isso não se encontra o amor. As pessoas falam de encontrar o amor como se vivessem num super-mercado gigante e estivessem a dizer que não encontram a secção do amor. Ai, não encontro o Amor em lado nenhum... Desculpe, o Amor está em que prateleira?
O Amor faz-se.
Amar alguém é encontrarmos a pessoa que nos permite sermos nós. Na era do individualismo capitalista, as pessoas só se sabem fazer sozinhas. Ninguém se faz sozinho tão bem como se poderia fazer acompanhado pelo Amor. São as pessoas que nos amam e que amamos que nos fazem.
Quando conhecemos alguém novo, essa pessoa nunca é a pessoa que sonhámos amar. Ninguém é. Mas o Amor é uma espécie de radar que vê para além do tempo e nos permite ver tudo o que aquela pessoa poderia ser conosco. Um lado dessa pessoa que pode nunca se ter revelado à própria pessoa, mas que se ela se entregar à outra pode vir a transformar-se e a ter algo que já era seu mas que o próprio não sabia que tinha ou podia ter. O Amor é criador. Desperta coisas que o próprio nunca despertou porque nunca se interessou por elas e nem sabia que as tinha. É aquilo que vivemos juntos, a história partilhada vivida em conjunto que nos permite sermos. É um investimento. Não se trata de fazer da pessoa o que gostamos contra a vontade dela, ou de mudá-la. Isso é o que de mais horrível se pode tentar fazer, é o oposto do Amor. Amor é ajudar a pessoa a ser mais ela própria. A ser-se em toda a sua glória.
Não deixa de ser muito curioso que na minha geração os namoros sejam contratos, quase como casamentos, mas sem aquilo que mais assusta a minha geração. A ideia de para sempre. Ou seja, o tempo. Os namoros são para sempre até deixarem de ser. São exatamente um casamento, já que a maioria não dura até ao fim. O ser humano sempre encontrará formas rebuscadas de contornar os seus problemas. O que nunca irá acontecer é as pessoas ficarem sozinhas. Um dia, vai haver um grande despertar.
domingo, 5 de outubro de 2008
Prato na mesa (é só comer)
Uma amiga disse-me que eu parecia estar contente. E é verdade, ela tem razão.
Desde há uns dias atrás sinto-me inteiro. Sinto-me completo. Acabado de fazer como um bolo. Como se a construção do EU adulto tivesse, sem aviso, terminado, e tivesse tocado um TRRIMMM mudo do micro-ondas da vida e eu estivesse a fumegar como um prato acabado de cozinhar. De um dia para o outro. Daqui para a frente vai ser só viver.
Desde há uns dias atrás sinto-me inteiro. Sinto-me completo. Acabado de fazer como um bolo. Como se a construção do EU adulto tivesse, sem aviso, terminado, e tivesse tocado um TRRIMMM mudo do micro-ondas da vida e eu estivesse a fumegar como um prato acabado de cozinhar. De um dia para o outro. Daqui para a frente vai ser só viver.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
Cultura da solidão
Porque é que toda a gente em Lisboa em 2008 quer ser independente e livre, se todos se sentem sozinhos?
Já ninguém está disposto a sacrificar-se por ninguém. Mesmo que alguém esteja disposto a isso, não encontra ninguém que esteja também, então não se pode entregar.
Estamos uns verdadeiros animais. E ainda nos julgamos uma malta muito cosmopolita aqui na capital. Porque deixámos de nos conseguir sacrificar?
Já ninguém está disposto a sacrificar-se por ninguém. Mesmo que alguém esteja disposto a isso, não encontra ninguém que esteja também, então não se pode entregar.
Estamos uns verdadeiros animais. E ainda nos julgamos uma malta muito cosmopolita aqui na capital. Porque deixámos de nos conseguir sacrificar?
Por não nos terem ensinado? Por já nos sacrificamos suficiente noutras coisas? Por podemos dar-nos ao luxo de não nos sacrificarmos?
terça-feira, 30 de setembro de 2008
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